O Dharma do Rio Grande do
Sul é a
Construção de uma Comunidade
Fraterna
J. P. Coelho de Souza
O brasão da República
Rio-Grandense (esquerda) expressa a utopia
universalista inspirada pelo
ideal maçônico. À direita, Giuseppe
Garibaldi
Nota Editorial de 2012:
As leis do universo estabelecem que o pequeno contém o
grande. A parte carrega em si o todo. A semente guarda consigo a árvore adulta.
Cada pequeno átomo é uma réplica do sistema solar. Um grão de areia funciona
como um espelho do cosmos, e o amor ao lugar em que nascemos faz parte da lei
maior da fraternidade universal.
O texto a seguir pode ser lido como um poema e
exemplifica a unidade paradoxal entre o que é pequeno e o que é imenso. Coelho
de Souza descreve o seu amor a um Estado brasileiro a partir do estudo histórico
da luta por uma República Rio-Grandense, entre 1835 e 1845.
Na tentativa de juntar céu e terra, a revolução
farroupilha foi um fato concreto inspirado por um sonho universal. Não foi uma
luta separatista, mas ensaiou a construção de um Brasil baseado nos ideais federalistas
da liberdade, da igualdade e da ajuda mútua. Foi com este espírito de busca do
futuro que o maçom italiano Giuseppe Garibaldi participou da luta no Rio Grande,
e que a sua mulher catarinense, Anita Garibaldi, lutou mais tarde nos campos de
batalha da Itália. O planeta inteiro deve ser a pátria de cada ser humano, e o
país dos Garibaldi incluía diversos continentes.
O trabalho pelo bem da humanidade não tem fronteiras, e
na década de 1860 Giuseppe Garibaldi conheceu Helena Blavatsky. Nascida em
1831, a pensadora russa esteve pessoalmente na batalha de Mentana, na Itália,
em 1867, junto às tropas de Garibaldi. Para ela, o episódio foi uma lição
amarga sobre a ineficiência das ações armadas como meio de alcançar um ideal
nobre. Gravemente ferida a bala e dada como morta, Blavatsky salvou-se talvez
porque sua verdadeira missão ainda não começara.
Oito anos mais tarde, em sete de setembro de 1875, ela
fundaria em Nova Iorque o movimento esotérico moderno. Blavatsky não esquecera o
episódio da Itália. O coronel Henry Olcott, um dos fundadores do movimento, diz
em suas memórias que quando a conheceu ela usava uma “blusa vermelha
garibaldiana”.[1]
Pertencendo a gerações diferentes, Garibaldi e Blavatsky
lutaram de modos diversos pela causa da fraternidade. Com o movimento
teosófico, o ideal humanitário se liberta da ilusão de que ações violentas podem
ser úteis, ou de que a mudança necessária ocorrerá graças a propaganda política.
A fraternidade deve vir de dentro para fora. Deve ser produzida pela mente de
cada indivíduo, e pelo seu exemplo. São inúteis a força física das armas e a mera
propaganda política de curto prazo, que impõe uma opinião, mas não ilumina.
É na sua essência, e não na forma externa, que a proposta
federalista da revolução farroupilha está mais forte do que nunca no século 21.
A ética da unidade da vida em nosso planeta surge hoje como algo inevitável. O
espírito farroupilha está vivo.
O cântico de Coelho de Souza se dirige nominalmente ao
Rio Grande.[2] O autor fala ao espírito da sua terra natal - um
espelho da sua alma - e mostra que o dharma ou vocação central da terra
gaúcha está na vivência diária da ética e da fraternidade. Após evocar os
heróis da Revolução dos Farrapos, ele diz, nas linhas que antecedem o
fragmento:
“.... Todos, todos, purificados no sacrifício,
engrandecidos na virtude, enobrecidos no ideal, sublimados no heroísmo - passam
ante os nossos olhos deslumbrados, neste ato de culto e de reconhecimento. Criadores
de beleza, forjadores de uma história, glorificadores de uma raça, condutores
de gerações - essas grandes sombras, forças que vêm do passado, indicam os
deveres do presente, para as criações do futuro. Diante deles, afirmemos os
nossos sentimentos, formulemos as nossas propostas, articulemos os nossos
propósitos.”
Segue-se então a declaração de amor à terra gaúcha.
(Carlos Cardoso Aveline)
NOTAS:
[1] “Old Diary Leaves”, Henry S. Olcott, T. P. H., Adyar, Índia, 1974, Volume
I, p. 4. Sobre a presença dela na batalha de Mentana, o que se deu como
integrante de um grupo de mulheres voluntárias, veja p. 9. Helena Blavatsky foi
ferida por dois tiros, um deles logo abaixo do coração, e também por um golpe
de punhal.
[2] Os seus parágrafos concluem o volume “Revolução Farroupilha, Sentido e
Espírito”, J. P. Coelho de Souza, Ed. Sulina, 85 pp., 1944.
O Espírito da Revolução Farroupilha
J. P. Coelho de Souza
RIO GRANDE.
Nós te amamos no encanto e na rudeza da tua terra:
No horizonte sem limite das planícies; na curva amável
das coxilhas; na selvatiqueza das tuas serras faiscantes ao sol no seu dorso de
basalto.
Na vastidão das tuas águas mediterrâneas e na
impetuosidade encachoeirada dos teus rios, que descem do planalto.
Na glória das tuas manhãs de estio e na canícula do
meio-dia, quando o sol cai a pino e a luz treme, ao longe, sobre o campo; no
luar das tuas noites, que envolve os homens e a natureza na mesma vaga
sentimentalidade.
Nas tuas manhãs de inverno, com as serras cobertas de
neve e os campos do sul cobertos de geada; nas tuas noites de invernia, quando
o minuano assobiando como um bando de demônios ameríndios, penetra pelas
frinchas, mortifica o homem e o armento - vento que é a força temperante, a
alma mesma da raça.
Nós te amamos na riqueza e na feracidade do teu solo.
Nós te amamos na origem e na glória da tua gente:
No açoriano valioso, que conservara intactas, no meio do
oceano, as qualidades originárias; no paulista e no mineiro enrijados nas
Bandeiras; no índio cavaleiro do sul e no guarani, pais dos nossos lanceiros;
no negro bom e sofredor, pequeno no número e grande no sacrifício.
Nas espadas de Pinto Bandeira, de Bento Gonçalves, de
Osório, de Câmara, de Marques de Souza, de Andrade Neves - de todos os que
pelejaram por ti e pelo Brasil.
Nós te amamos no idealismo dos teus filhos e na pureza
dos teus homens públicos.
Nós te amamos nas virtudes e na beleza das tuas mulheres,
que tantas vezes souberam ser fortes e exemplares.
Nós te amamos na labuta diária do teu povo.
Na rude lida campesina, quando o gaúcho com alegria heroica
e serena indiferença, joga a sua vida a cada passo - na doma do potro chucro,
na parada dos rodeios, nas tropeadas e no estouro da boiada.
Na atividade penosa do ervateiro, na paciência estoica do
carreteiro, no amanho da terra pelo colono.
Nós te amamos nos costumes da tua gente:
No seu trajo típico, nas carreiradas e “califórnias”, nos
causos contados à luz do fogão, nos descantes e desafios à viola, nas
chimarritas e tiranas buliçosas.
Nós te amamos no temperamento irrequieto e desigual dos
teus filhos, que os leva, em momentos, da graça dos improvisos ao choque
pessoal.
Nós te amamos na beleza e na força mental dos teus
espíritos de eleição, no verso de Araújo Pôrto Alegre; na prosa erudita de Apolinário
Pôrto Alegre; na eloquência de Silveira Martins e de Pedro Moacir; na
predicação de Assis Brasil, Júlio de Castilhos, Venâncio Aires e Demétrio
Ribeiro; nas tuas novas gerações intelectuais.
Nós te amamos no que tens de grande e de pequeno, de luz
e de sombra; de perfeito e de precário - porque tudo vem de ti e tu és amorável
no teu conjunto.
Nós te prometemos e te juramos, à face imaculada dos
maiores, que viveremos por ti e para tua grandeza.
Por ti estudaremos, por ti trabalharemos, por ti
diligenciaremos - dentro de uma integral compenetração de vida pública e
privada.
Toda a nossa existência será consagrada ao teu futuro -
Rio Grande amado que determinas os sonhos da nossa mocidade e os anseios da
nossa maturidade.
E por tanto amor, não te pedimos senão uma recompensa:
morrer dentro das tuas fronteiras, entre as barrancas ásperas do Uruguai e as
areias brancas do Chuí, para fechar os olhos com a magnífica certeza e o supremo
orgulho de que nos desfaremos no teu seio - sendo terra dos teus campos, seiva
das tuas árvores, beijados pelo teu sol, orvalhados pelas tuas chuvas,
abençoados pelos teus céus, na paz infinita que só tu poderás dar.
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Sobre a ecologia da mente e a teosofia do ambiente
natural, veja o livro “A Vida Secreta da
Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline.
A obra foi publicada pela Editora Bodigaya, de Porto
Alegre, tem 157 páginas divididas por 18 capítulos, e está na terceira edição,
de 2007.
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