Cada Som e Cada Frase Têm um Efeito de Mantra
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
Cabe
examinar o perigo e a oportunidade criados pelo uso da fala ao longo da existência
humana.
As palavras são instrumentos comparáveis aos bens materiais. Devem ser
administradas com prudência e coragem. Quando sabemos que as palavras são úteis
a longo prazo se forem usadas com ética, olhamos para elas como uma parte
sagrada da vida. Passamos a falar desde o coração e assumimos responsabilidade
pelas nossas ações e intenções.
É ilusório
pensar que as palavras têm algum valor em si mesmas, isto, é, quando desvinculadas
da realidade. Palavras não podem
substituir a substância que elas simbolizam. Elas só têm valor e efeito durável quando são
usadas com sinceridade. Caso contrário, geram mais confusão do que comunicação
entre as pessoas.
Saber
usar corretamente as palavras é uma das áreas do conhecimento teosófico. Quando
se avança um pouco neste campo de investigação, se chega ao tema dos Mantras. A Ioga dos Sons estuda o uso correto de
palavras sagradas para expressar e manifestar a vida universal na alma humana.
O
emprego eficiente da energia dos mantras começa com a prática do correto falar
budista: é preciso dizer sempre a verdade, sem intenção de ferir, mas por
devoção à Verdade em si.
A Verdade não depende de nada externo a si mesma e tem
um valor próprio incondicional. A palavra valiosa é a palavra verdadeira, e a palavra
verdadeira é aquela que soa em unidade com o coração de quem fala.
A Força dos Mantras
Mantra é
um som que evoca algo maior.
A
percepção da vida como um mantra surge aos poucos na consciência do estudante. Ela
não é resultado do estudo deste ou daquele texto, mas emerge como uma
compreensão interior.
Cada palavra
é rítmica e possui uma componente mágica. Este fato ilustra o conceito
pitagórico de Música das Esferas. Tudo é ritmado no universo, incluindo a
evolução das galáxias, o fluxo das marés,
as batidas do coração humano, e a conexão de ideias e sinapses no cérebro.
Os diferentes
aspectos da vida fazem parte da Dança de Shiva, do Ritmo universal que anima
desde um átomo até as estrelas reunidas no Centro da Galáxia. Há um “batimento cardíaco”
no nosso Sol, e na vida da Terra, e da Lua.
Um Mantra
despertou o Universo da longa Noite de
Brahma, o pralaya, a noite do tempo, a “ordem implícita” de David Bohm. E assim surgiu um novo Dia de Brahma, o
manvântara, o tempo cronológico, a “ordem explícita”.
O grande
está contido no pequeno: antes de nascer, e sendo ainda um feto, a criança escuta.
Quando nasce, antes de abrir os olhos, a criança escuta. No plano do uso das
palavras, sabemos que todo texto escrito tem um ritmo latente, oculto. Ainda
que o texto esteja em prosa, este ritmo é ocultamente musical.
Todo
texto é potencialmente uma conversa. No fundo, ele é a transcrição de um
diálogo interior e inaudível que o autor mantém consigo mesmo, e com os
leitores; e que o leitor mantém consigo mesmo, e com a vida.
A
palavra escrita tem seu alicerce na tradição oral da humanidade. Na literatura
oral, existem sempre um ritmo e uma melodia, e eles são usados também como uma mnemotécnica, uma maneira de
memorizar, de guardar e não esquecer.
Daí o
fato de a literatura oral acontecer frequentemente em versos, ou seja, em mantras,
especialmente na Índia e na Grécia.
Os
textos de real valor sobre a misteriosa Mantra Ioga são
raros e pouco divulgados. Há um
motivo para isso. Não faz sentido começar o caminho esotérico através da Mantra
Ioga no seu aspecto aparente e formal. Cabe, isso sim, praticar a arte do uso
correto das palavras. Esta é a
verdadeira ioga dos sons.
O eu
inferior é o Instrumento da música das esferas. O Músico é o eu superior. Na primeira etapa do
aprendizado, é preciso aprender a manejar o instrumento, e a mantê-lo afinado. Esta
tarefa pertence ao eu superior ou alma espiritual, e à parte do eu inferior que
é leal ao eu superior.
O
estudante deve trasladar pouco a pouco o foco central da sua consciência desde os
setores “surdos e cegos” do seu eu inferior,
até os setores da sua “alma terrestre” que estão em unidade com a alma
imortal. Surge então uma combinação entre o céu e a terra na consciência do
indivíduo que o capacita para ouvir a música do universo.
A aprendizagem
é gradual. Ela se desdobra pelas 24 horas do dia, durante longos anos. A cada passo ela
amplia e liberta um pouco mais a mente. O centro da consciência passa a ser
capaz de tocar o instrumento de modo coerente, sem mais ser arrastado por ele,
desafinando cada vez menos e corrigindo cada vez mais rapidamente os seus
erros.
O ser
humano precisa alcançar o silêncio, para então perceber a música do universo e
poder emitir o seu próprio e verdadeiro Mantra. O nível central do seu Mantra
não será feito necessariamente de palavras audíveis. O supremo som é
silencioso, e um Mestre de Sabedoria escreveu:
“Ousar, querer, agir e manter silêncio é
o lema nosso e de todo cabalista e ocultista.” [1]
A
duração das etapas prévias do aprendizado é bastante variável. O tempo
cronológico tem importância secundária.
Em muitos
casos, o ensinamento meta-verbal começa a surgir diante do estudante de modo
espontâneo depois de algumas décadas de estudo dedicado de filosofia esotérica
clássica. As
palavras e os pensamentos que ele emite ganham uma força crescente à medida que
surgem daquele silêncio iluminado e modesto que acolhe todos os sons mas não
está preso a nenhum deles: está preso ao dever e ao privilégio da verdade.
NOTA:
[1] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, Editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 1996, 295
pp., ver p. 241.
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Uma
versão inicial do texto acima foi publicada de forma anônima na edição de
agosto de 2008 de “O Teosofista”.
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Veja
também os textos “A Palavra Correta”
e “A Arte de Ler”, de Carlos Cardoso
Aveline, que estão disponíveis em nossos websites associados.
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