Um
Diálogo Sobre a
Dimensão
Espiritual das Cidades
Joana
Maria Ferreira de Pinho (Coord.)

Imagens de Belo
Horizonte, em Minas, e Vila Velha, no Espírito Santo
000000000000000000000000000000
Nota Editorial:
O texto a seguir reproduz um estudo
e um diálogo por escrito realizado por um
grupo de teosofistas em 2012. Poucos dias
depois, o conteúdo do diálogo foi transcrito
na edição de julho de 2012 de “O Teosofista”.
Todos os artigos citados nas notas numeradas
estão disponíveis em nossos websites associados.
0000000000000000000000000000000000000000000000
Nota Editorial:
O texto a seguir reproduz um estudo
e um diálogo por escrito realizado por um
grupo de teosofistas em 2012. Poucos dias
depois, o conteúdo do diálogo foi transcrito
na edição de julho de 2012 de “O Teosofista”.
Todos os artigos citados nas notas numeradas
estão disponíveis em nossos websites associados.
0000000000000000000000000000000000000000000000
1. Joana Pinho, desde Santa Maria da Feira, Portugal
Caros Amigos,
Trago para o estudo
da semana o tema do despertar coletivo da alma. Pela visão abrangente, e pela
confiança na vida, escolhi o texto “A Feliz Cidade do Futuro”[1] .
“A alma está presente
em todas as coisas”, diz o artigo. Os desafios individuais servem para evoluirmos
também coletivamente. Na mesma medida em que vamos fortalecendo a proximidade
com a nossa alma interior, torna-se possível perceber a alma no exterior. Nosso
olhar vai ao encontro da natureza que o movimenta. Para ver, conhecer e
trabalhar com a alma coletiva, temos de observar com a alma. O movimento das
cidades reflete a alma, e nos dá mensagens sobre a sua evolução.
É certo que temos nas
nossas cidades um ambiente asfixiante. Violência, poluição, egoísmo, são alguns
dos elementos ambientais que sufocam a alma interior e exterior. Penso que a
confusão vivida na maior parte das cidades resulta da falta de conhecimento do
poder criativo e da ignorância da “essência sutil inspiradora”.
Minha cidade sofre poluição
psíquica, emocional e espiritual. Ela tem a sua prisão
no culto ao sofrimento e à fofoca. Por desconhecimento do seu potencial,
pessoas alimentam estados mentais inferiores. Quando se encontram, alguns entram
em competição para ver quem possui mais e melhores bens e quem tem a doença
mais grave.... Mais parece o muro das lamentações... mas a lamentação não
procura a cura ou a correção; o que quer é roubar a atenção... como se criar
mais lamentadores fosse a missão.
Contudo, é visível uma força
maior. Santa Maria da Feira é uma cidade antiga. É povoada há milhares de
anos. Devido à sua posição geográfica, tornou-se um local
de encontro e de passagem de diversos povos. Temos um Castelo fora do
vulgar e o espaço em torno dele é um belo jardim, repleto de velhas árvores,
heras, esquilos, pássaros... um local onde a alma nos toca e nos sorri
tranquilamente.

O castelo da Feira (foto) é famoso pelas suas quatro
torres
Esta região
da cidade, outrora um local de dor, é agora um espaço de encontro, de descoberta
e celebração. Temos outro jardim de igual beleza no Europarque, um centro de
congressos, de cultura e de lazer. Os ritmos da natureza estão bem
presentes nestes espaços.
A
alma da Feira é sábia, otimista, fraterna. Nesta cidade, e em
todas as outras, um movimento é percebido: “o surgimento de novas relações de produção e novos laços humanos baseados
em uma filosofia de vida que transcende o mundo visível dos cinco sentidos e
busca valores permanentes”. O despertar da alma coletiva
resulta do alimentar desta tendência e assim as cidades vão resgatando os
ritmos naturais da vida.
É impossível, a curto
prazo, erguer uma cidade plenamente equilibrada, devido à complexidade
dos desafios humanos. É certo que há muito a ser feito e que não
conseguimos mudar o mundo de um dia para o outro. Isso é obtido com paciência,
focando nossa atenção no novo, nas mudanças necessárias ao
aperfeiçoamento, e agindo de acordo com o equilíbrio coletivo. Assim preparamos
a cidade do futuro, solidária, justa, feliz: “o sonho de hoje é a realidade de
amanhã”. De forma gradual, o velho dá lugar ao novo. A alma desperta.
Despeço-me destacando
as palavras de Robert Owen citadas em “A Feliz Cidade do Futuro”:
“Chegou o momento em que uma mudança deve ser produzida. Uma nova era
deve começar. O espírito humano, que até agora esteve envolvido nas trevas da
ignorância, deve finalmente iluminar-se. É chegado o tempo em que todas as
nações do mundo, em que todos os homens de todas as raças e de todos os climas
sejam levados a um novo tipo de conhecimento. Haverá uma só linguagem e uma só
nação. As grandes invenções modernas, os melhoramentos e o progresso contínuo
das ciências técnicas e mecânicas (que, sob o regime do individualismo,
aumentaram a miséria e a imoralidade dos produtores industriais) estão
destinados, depois de ter causado tantos sofrimentos, a destruir a pobreza, a
imoralidade e a miséria. As máquinas e as ciências são chamadas a fazer os
trabalhos penosos e insalubres.”
Obrigada.
Abraços, Joana
2. Carlos Cardoso Aveline, de
Brasília
Obrigado. Excelente.
Cada cidade tem um
espírito e um clima mental próprios. O filósofo francês Maine de Biran fez
estudos sobre a relação entre o clima e o estado mental, entre o ambiente
natural e as emoções. Creio, por exemplo, que as cidades de clima mais frio
levam seus habitantes a um estado mental diferente das cidades em que reina o
calor. Assim como as cidades montanhosas, ou as cidades que estão à beira do
mar. O tamanho da cidade também influi. As pequenas cidades têm um clima humano
diferente das grandes cidades. Cada cidade tem sua atmosfera física e astral
próprias, e também uma atmosfera psíquica e espiritual superior.
Assim, as cidades,
vistas como coletividades, não são necessariamente físicas. O movimento
teosófico é uma grande cidade planetária sutil, com algumas dezenas de milhares
de habitantes. É um “lugar” vibracional. Tem sua atmosfera própria, seus
cidadãos, suas praças de debate, seus vizinhos, seus centros culturais e bibliotecas.
Os bons websites e e-grupos são centros culturais que funcionam em vários
idiomas. O produto das suas pesquisas teosóficas é utilizado em vários locais,
e repercute por toda parte.
Devemos lembrar que há muito desespero e egoísmo absolutamente
desnecessários, hoje, e eles ocorrem apenas pela ausência de uma visão
correta de futuro, e pelo desconhecimento do potencial sagrado e
luminoso do ser humano, a ser desenvolvido tanto individual quanto
coletivamente. Devemos e podemos registrar na mente coletiva as imagens da
potencialidade sagrada cujo desenvolvimento é o próximo passo evolutivo.
A nova civilização,
com suas cidades que expressam o espírito elevado e a ajuda mútua, começa no
plano sutil. Ela surge no plano da visão, da antevisão e das metas
criativamente organizadas.
3. Arnalene Passos do Carmo, de Belo Horizonte, MG
Excelente estudo da Joana.
Inspiramos e somos inspirados em nossas relações na família, no trabalho, no
bairro e na cidade como um todo. Uma cidade arborizada tem suas floradas
durante o ano inteiro. É um espetáculo bonito caminhar nas praças e ruas com árvores
embelezando e perfumando o ambiente. Aqui em Belo Horizonte valorizamos em
especial, a florada dos ipês.
Viver numa capital
tem um preço alto a pagar em qualidade de vida. O relógio é um grande general
que determina o ritmo da marcha. As pessoas muitas vezes parecem cumprir automaticamente
suas agendas. Um passeio ao meio rural é a solução encontrada para descansar
nos finais de semanas. O andar descalço, o pequeno riacho, o cantar dos
pássaros, o convívio com plantas e animais têm o poder curativo para a doença
tipicamente urbana que é o estresse.
Nos diz o texto:
“Desse ponto de
vista, nenhuma crise ou grau de violência urbana pode alterar a realidade
básica: as cidades brasileiras são grandes conglomerados de almas, verdadeiros
oceanos de energia espiritual, mental e emocional. Os dramas que elas vivem
constituem os desafios necessários para que a alma coletiva desperte, perceba o
seu próprio potencial de paz e harmonia - e mude o mundo físico como
consequência da sua mudança interior.”
Os desafios são
superados pelo encontro do espaço interior que é fonte de equilíbrio e paz
independentemente das condições externas. Estando imersos magneticamente,
cabe-nos exercitar a atenção, a presença consciente na escolha por ambientes
mais favoráveis e encontros mais produtivos.
Que possamos
contribuir com ações positivas na contramão do consumo e das lamentações
comentados pela Joana.
4. Celina de Jesus Cardoso,
desde Vila Velha, ES
Hoje tivemos reunião do meu grupo de ECOLOGIA e nossa coordenadora pediu
que fizesse a reunião. E ainda disse, “escolha um texto daqueles que envia pra
gente e faça uma reflexão!”
Pensei assim, “vou levar o texto de Estudo que Joana trouxe, tem tudo a ver
com nosso tema!!”
Puxa, fiquei um bocado feliz.
Eu estava nervosa, cheguei mais cedo para preparar a sala...e trocaram a
gente de sala, tudo aconteceu numa sala bem mais bonita, silenciosa ( nós
sempre estamos ao lado da sala do Coral e escutamos a música o tempo todo!!)
Bem, esperei todos lá embaixo para avisar da troca de sala. Eu levei meu
flip-chart com as frases coloridas de Mário Quintana, Júlio Verne, Robert Owen,
Frank Lloyd Wright... assim poderiam me ajudar na pronúncia e para ficar mais
dinâmica a leitura.
Eu também escrevi o título do texto, o autor, o site...iniciei a leitura
pausadamente, após todos já sentados, fiz uma respiração acalmadora (para mim
principalmente), pedi que fechassem o olho em meditação com gratidão
pela vida.
E fui lendo o texto, olhando para cada um, bem calmamente...se comentavam
algo eu esperava, ouvia e depois continuava.
Devo contar que eu sou a única não católica do grupo...
Quando chegou na parte do Feng Shui, eu parei de ler e distribuí para sete
pessoas, os 7 pontos que podemos acrescentar para uma cidade
orgânica.
Assim: número um com Zezé, número dois com Lílian, número 3 com Taíse,
número quatro com Luíza, número cinco com Rita, número seis com Gustavo, número
sete com Elza.
Esqueci de dizer que durante minha leitura, a Zezé disse ... “repete
esse parágrafo, é o nosso grupo!!”
O
parágrafo diz: “A alma coletiva de uma população urbana ameaçada pela
contaminação ambiental, violência, pobreza, e corrupção dos administradores
está necessariamente confusa e desorientada. Mas ainda vive e espera por uma
chance de viver melhor.”
Outro ponto em que me fizeram parar foi:
“Essa nova sociedade surge no meio da antiga,
trazida por uma nova religiosidade vivencial e não dogmática....”.
Cada um ia lendo seu trecho, paravam para comentar, contar casos...muito
boa a participação, todos pediram o texto (eu levei) e ainda disseram... “é
tanto assunto que podemos estudar o texto em outras reuniões”.
Acreditam??
Concordaram que cada casa deve ser um templo, com respeito e cuidado... e a
conclusão foi que basta, sim, a nossa decisão
de fazer...fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, errando, aprendendo,
acertando...repetindo... e que povos e cidades têm alma.
Perceberam a questão da sintonia...e que mudamos aqui fora com a mudança
interna.
Perguntaram no início o que é MÔNADA. Está aí outro acontecimento que a
Teosofia fez acontecer em minha vida… ainda tenho muito que aprender, mas com
calma vou passando Teosofia para todos em minha volta. Agradeço muito a Joana por
ter escolhido o tema. É mesmo preciso despertar a ALMA COLETIVA agindo de outra
maneira, pensando de outra maneira...
5. Rejane Chica Tazza, de Porto Alegre, RS
Essas experiências
assim, surgidas no dia a dia, me tocam profundamente. É no meio das mais
variadas situações que podemos fazer nossa parte e justificar nossa presença
nesse nosso caminhar pela vida!
Por aqui, em
Porto Alegre, a vida parece rondar muito mais as colunas sociais, os eventos do
“ter”.
Paralelo a isso,
vemos pessoas preocupadas em ainda passar pelas ruas, saudar um vizinho, um
idoso, reparar no canto do passarinho naquela árvore defronte às suas casas,
ver uma nova flor que brotou no canteiro da rua...Sim, ainda vemos canteiros
nas ruas, daqueles bem simples, sem precisar de grandes floriculturas para assinar
os projetos. São feitos por pessoas que gostam desse contato com a terra e
querem, ao seu modo, ajudar a tornar sua cidade melhor.
Essas pessoas aparentemente
não são muito numerosas, mas posso acreditar que são parte integrante de um
grupo que acredita que não é o carrão do último tipo - que por sua vez, polui,
entope cada vez mais as ruas, e torna o trânsito quase impraticável - que as
fará grandes.
Elas sabem que decidindo
ir a pé até à padaria, à escola ou trabalho, estão fazendo um pouco pela sua
cidade e por si mesmas.
6. Silvia Caetano de Almeida, de Goiânia
Parabéns pelo estudo bem
elaborado.
Penso que a melhor forma de
olharmos o mundo é com a visão que só o coração nos permite. Assim vemos o que
há de melhor em cada ser humano e esta visão gera pensamentos plenos de
harmonia, que contribuem para a construção de um mundo melhor.
7.
Regina Pimentel de Caux, de Nova Era, MG
Temos um excelente
estudo, num momento muito especial, quando no Brasil nos preparamos
para as eleições municipais em outubro e enquanto os partidos políticos
elaboram os planos de governo.
Carlos mencionou o
clima das cidades e das cidades pequenas, como é o caso de Nova Era, onde vivo
há 30 anos. É uma pequena cidade de Minas Gerais, de relevo montanhoso, cortada
no meio por um belo, forte e sonoro rio. Ontem, vindo do trabalho a pé pela
beira rio, já noite, parei para apreciar treze capivaras que comiam calmamente
grama a uns poucos metros do calçadão. Ali pude ficar um tempo razoável para
contemplar aquela beleza natural. Durante o dia podemos apreciar as garças, os
movimentos dos diversos pássaros, borboletas, libélulas, a beleza do rio, seu
fluir firme e incessante, o esplendor das árvores, das montanhas, o ar puro. As
noites são muito estreladas e a lua sempre está lá. No inverno, as manhãs e
madrugadas surgem cobertas de cerração. As pessoas são muito conhecidas. Quando
saímos pelas ruas sempre encontramos gente que cumprimenta e quer conversar. Os
agrados e as trocas fazem parte da rotina.
Numa cidade assim,
vivemos com mais tranquilidade e experiências das mais diversas. Como nos disse
Joana, “O movimento das cidades reflete sua alma e nos dá mensagens sobre a sua
evolução.”
Toda cidade tem os
seus desafios e o despertar da alma individual e coletiva ocorre
também de forma natural ou incidental. Entretanto, surgem alguns movimentos
numa nova direção que inspiram sentimentos positivos. Eles são perceptíveis e
vão dando conhecimentos que permitem viver com sabedoria.
Também temos aqui,
como na cidade de Joana, os muros de lamentações, o egoísmo, a mentira, o
poder, a separatividade, os dogmas. É imprescindível realizar movimentos para
superar os dramas e trabalhar de maneira particularmente concentrada pela paz,
harmonia e unidade humana, pois eles são necessários para o crescimento da
consciência e a consagração à verdade que tem que ser realizada, individual e
coletivamente. Sustentar e avançar o movimento é fundamental.
Não se deveria
organizar a vida de acordo com regras externas, artificiais, mas de acordo com
uma consciência interna, sob o controle de uma consciência superior
que se imponha. Do contrário a vida torna-se inexpressiva e irresoluta.
A cidade pertence à
humanidade como um todo. O mundo é um só e cada um é co-responsável por tudo
que nele se efetua. E o que pede cada vez mais nossa consciência participante,
nossa abertura e nossa vontade ativa são os movimentos que visam, preparam e
constroem o futuro. O importante é ver, escolher o ideal mais vasto e profundo,
baseado em valores permanentes, colocá-lo como objetivo e, aderindo a ele cada
vez mais totalmente, começar o trabalho.
Sabemos que os
verdadeiros acontecimentos em nosso mundo precisam de um tempo maior para
amadurecerem e darem bons frutos. Assim, o crescimento de uma cidade, até seu
próprio corpo, sua maturação global, sua integração na humanidade ultrapassa
certamente a duração curta de uma vida comum.
Cada um deve saber se
quer se associar a um mundo velho pronto para a morte, ou trabalhar para um
mundo novo, cooperativo e melhor, que se prepara para nascer. A boa vontade
deve ser grande. Quanto mais conscientes formos em nosso contato com o ser
interior, tanto mais exatos serão os meios dados.
HPB nos
diz: “...os poderes do céu estão dentro de nós; a natureza das
inteligências que guiam a força do mundo estão unidas à nossa natureza, e
se entendermos isso e nos esquecermos de nosso eu exterior, esses ventos
poderão ser nossos instrumentos.” [2]
Parabéns a Celina
pelo inspirador trabalho. É um jeito novo de caminhar com mais sabedoria.
8. Joaquim Soares, desde Aveiro, Portugal
Está muito bom o
diálogo em nossa sala de estudo. Este é um tema fascinante e de enorme
importância no momento presente.
Tenho a felicidade de
viver numa pequena cidade.
Todos os dias olho da
varanda o campo cultivado da vizinha da frente e vejo a sua lenta
transfiguração ao longo do ano, mudando de culturas conforme o mês e a estação.
Costumamos chamar à nossa rua a “rua dos gatos”, pois ela é ocupada por um
bando de felinos que por ali vive há anos, alimentados pela generosidade de
vários vizinhos, em especial de um simpático senhor que faz questão de os mimar
todos os dias. A saída de um dos respiradouros cá do apartamento é ocupada
sazonalmente por ninhos de pássaros que com a sua algazarra matinal tornam o acordar
sempre algo agradável. O carteiro, um conhecido de infância, faz questão de
entregar pessoalmente a correspondência mais volumosa no meu local de trabalho
só para que eu ou Magda não tenhamos de ir depois ao posto de correio levantar
as encomendas. A nossa vizinha da porta da frente, uma senhora já idosa que
vive sozinha, faz questão de nos avisar sempre que se ausenta para que não
fiquemos preocupados, e nós fazemos o mesmo com ela. É raro numa ida ao teatro
ou a um evento local qualquer não conhecermos a maioria das pessoas presentes,
e numa repartição pública, num café ou numa loja quase sempre conhecemos o
funcionário ou o proprietário. As conversas na rua, em particular com as
pessoas mais velhas, andam à volta do tempo e de como vai a vida, se tudo corre
bem e acaba sempre com votos de saúde, um bom dia e o aviso de que se for
preciso alguma coisa podemos contar com eles.
Toda a gente sabe um
pouco da vida de toda a gente. Claro que existe o mexerico e o falar da vida
alheia. Mas fora esses hábitos menos saudáveis, todos sabem que podem contar
com os outros em caso de alguma necessidade.
Viver numa cidade ou
vila pequena é sentir que essa ligação com os outros é mais próxima e
autêntica. Longe das grandes catedrais do consumo, os centros comerciais das
grandes cidades, o pequeno comércio é uma rede de economia solidária e mais
justa. O mercado todo o final de semana é o maior exemplo desta organização
comunitária. Agricultores e comerciantes de várias zonas trazem os seus
produtos plantados e colhidos no tempo certo. Há variedade e qualidade. Há um
respeito pelos ritmos naturais. Há preços justos e troca de sorrisos. Há
clientes e comerciantes que já o deixaram de o ser, tantos são os anos que se
conhecem, sendo agora o negócio feito entre velhos conhecidos e amigos.
Sendo o relevo da
cidade bastante plano o uso da bicicleta está generalizado há décadas. Em tom
de brincadeira eu costumo dizer que vivo na “Beijing” de Portugal.
Perdidas no interior,
de norte a sul e nas ilhas portuguesas, existem outras pequenas cidades, vilas
e aldeias no interior, onde o tempo corre ainda mais devagar, onde o contato
com a natureza é mais profundo, em que as pessoas são de uma simplicidade
desarmante e de uma amabilidade enternecedora, em que cada uma é um poeta da
vida com as mãos calejadas de trabalhar a terra. São numerosas as localidades
onde o número de habitantes é muito reduzido e onde o progresso não chegou para
manchar a pureza natural das gentes, da paisagem e da alma.
Aí, a palavra e a
honra têm valor, as chaves ainda ficam nas portas, os vizinhos se ajudam
mutuamente, as tradições preservam um certo paganismo ancestral e há uma
ligação com os elementos da natureza e as forças espirituais. Aí o passado
convive lado a lado com o presente e com o sonho do amanhã, e menires, pinturas
rupestres e castelos se misturam com pastores que ligam para a família através
do celular. Um outrora menino da terra é agora o presidente da junta de Freguesia
e quando necessário leva no seu próprio carro os anciãos até ao posto médico ou
aos correios. Aí, a marcha do sol e das estações do ano continua a marcar o
ritmo diário das vidas das pessoas.
Basta dizer, por
exemplo, que as histórias mais marcantes e heroicas que conheço de luta contra
a ditadura e a repressão não aconteceram nas grandes cidades ou nas vidas dos
exilados, mas nas ruas e nos campos das cidades e vilas do interior, na
população armada com a voz e a enxada e unida por um espírito de comunidade,
lutando por direitos iguais para todos e na defesa dos mais fracos e pobres.
Apesar de essas
regiões sofrerem cada vez mais de preocupantes níveis de “desertificação”
populacional, eu julgo que esse é o Portugal do futuro, ao mesmo tempo que
também é o Portugal do presente.
É aquela parte de
Portugal que está em “suspenso”, num tempo fora do tempo, longe do barulho e da
poluição, do trânsito e dos jogos políticos, das multinacionais e dos barões da
finança, do passo apressado e da visão de curto prazo, dos juros e da dívida,
da corrupção e do culto da aparência, aguardando o despertar de uma nova
consciência.
Lentamente, começamos
a ver grupos de jovens e menos jovens abandonando as grandes cidades e rumando
para o interior em busca de um ritmo mais condizente com a vida que anseiam,
uma vida mais simples e mais profunda.
Ao mesmo tempo, o
clima do interior e da vida das pequenas cidades e aldeias vai chegando também
ao litoral e às grandes cidades num movimento harmonizador, através de várias
formas: o artesanato, a agricultura biológica, o reavivar das tradições
culturais e espirituais, a preocupação com a vida comunitária, com os espaços
naturais, com o cultivo da vida ao ar livre, etc.
Cada vez mais pessoas
tomam consciência de que a forma de organização social que sobrevive nas
pequenas comunidades, baseada na cooperação, na economia solidária, no comércio
justo e ecologicamente responsável, no espírito democrático e no respeito pelos
valores espirituais e éticos, é aquela que se apresenta como a alternativa
natural ao modelo mais que esgotado de consumismo desenfreado e ao ambiente
asfixiante das cidades modernas.
Tudo o que escrevi
acima existe e está acontecendo em Portugal, no Brasil e em muitos outros
países em todo o mundo.
Se a isto juntarmos a
influência benéfica que cada um de nós pode irradiar e a
popularização da Teosofia junto de um número crescente de cidadãos, então, tal
como termina o texto “A Feliz Cidade do Futuro”, que Joana trouxe, podemos
dizer:
“É assim que se cria a cidade da nova era. Não só criticando ou
lamentando o que está velho e em desagregação, mas construindo com audácia o
novo que cresce inevitavelmente a cada dia, de modo silencioso e quase
invisível.”
9. Evaldo Berwig, de Ijuí, RS

Centro da cidade de Ijuí
A partir de nossas vivências, constroem-se as cidades. As transformações acontecem a partir dos sonhos, dos projetos e das ações daqueles que agem com mais intensidade. O verdadeiro conhecimento é o que eleva o desenvolvimento de todos, mesmo que a maioria desconheça aquilo que realmente interessa, que faz a diferença e que muda para melhor o desenvolvimento de uma cidade.
É no espaço da encarnação atual que o cidadão tem a oportunidade de aproveitar o melhor de si, conhecendo-se, melhorando sua vida e a de todos. A filosofia esotérica dá estas condições através do conhecimento dos sete princípios da consciência humana.[3]
A insatisfação pode levar à comodidade, ao declínio ou à exaltação. O aperfeiçoamento dos valores existenciais no decorrer da vida transforma e eleva o perfil de uma cidade.
Para desenvolver o equilíbrio emocional e intelectual é necessário conquistar, desenvolver a liberdade espiritual. O desenvolvimento da cidadania tem no conhecimento das verdades universais a fonte de inspiração inabalável e eterna. O texto A Luz da Alma Imortal trata de questões essenciais que merecem atenção para serem compreendidas. [4]
A discussão em torno do exercício da cidadania exige a compreensão das verdadeiras causas das dificuldades e dos males de uma comunidade. Necessita ultrapassar as fronteiras do conhecimento pessoal-intelectual para determinar o fator causador destes efeitos.
Erros e enganos se sucedem através de uma cultura desgastante e autoritária sendo o povo merecedor de renovação através do conhecimento pela verdade. O estudante de teosofia tem na responsabilidade do conhecimento as oportunidades de elevação e expansão do conhecimento universal.
“Até mesmo obstáculos como os dogmas religiosos já não são tão fortes como eram no passado. O progresso do pensamento e da visão crítica está ajudando as diferentes religiões a fazerem soar a nota da verdade eterna e universal, a verdade do espírito. Esta é a verdade que a vida busca e obedece, e através dela a vida encontra a felicidade em todos os tempos e lugares.” [5]
É através dos testes de perseverança que a verdade passa a influenciar positivamente a evolução das cidades e da humanidade.
10. Joana Pinho
Agradeço a todos.
Cada cidade tem seu espírito e seus desafios. Todas elas buscam o equilíbrio. A feliz cidade está sendo construída com as ações corretas, solidárias e justas dos seus habitantes. A nova civilização conquista seu espaço a cada despertar individual.
Destaco das vossas participações:
“Os desafios só são superados pelo encontro do espaço interior, fonte de equilíbrio e paz. Ficamos menos dependentes da natureza externa.” (Arnalene)
“(...) A melhor forma de olharmos o mundo é com a visão que o coração nos permite. Assim veremos o que há de melhor em cada ser humano. E esta visão gera pensamentos plenos de harmonia, que só podem contribuir para a construção de um mundo melhor.” (Silvia)
“Cada vez mais pessoas tomam consciência que a forma de organização social que sobrevive nas pequenas comunidades, baseada na cooperação, na economia solidária, no comércio justo e ecologicamente responsável, no espírito democrático e no respeito pelos valores espirituais e éticos, é aquela que se apresenta como a alternativa natural ao modelo mais que esgotado de consumismo desenfreado e ao ambiente asfixiante das cidades modernas.” (Joaquim)
“Devemos lembrar que há muito desespero e egoísmo absolutamente desnecessários, hoje, e eles ocorrem apenas pela ausência de uma visão correta de futuro, e pelo desconhecimento do potencial sagrado e luminoso do ser humano a ser desenvolvido tanto individual quanto coletivamente. Assim, devemos e podemos registrar na mente coletiva as imagens da potencialidade sagrada cujo desenvolvimento é o próximo passo evolutivo.” (Carlos)
“É no meio das mais variadas situações que podemos fazer nossa parte e justificar nossa presença nesse nosso caminhar pela vida!” (Chica)
Celina inspirou todo o grupo com sua experiência. Colocando-se ao serviço da alma, levou o texto “A Feliz Cidade do Futuro” até um grupo de ecologia. Assim se lançam as sementes do despertar da alma coletiva e se cria um futuro luminoso.
Obrigada. Abraços, Joana
NOTAS:
[1] O artigo “A Feliz Cidade do Futuro” está disponível em nossos websites associados. O mesmo vale para as demais referências.
[2] “O Grande Paradoxo”, Helena Blavatsky.
[3] “Os Sete Princípios da Consciência”, texto de Carlos Cardoso Aveline.
[5] “A Humanidade Está Em Construção”, de S. Radhakrishnan. Assim como os artigos citados acima, este texto está disponível em nossos websites.
000
Sobre a ecologia da mente e a teosofia do ambiente natural, veja o livro “A Vida Secreta da Natureza”, de Carlos Cardoso Aveline.

A obra foi publicada pela Editora Bodigaya, de Porto
Alegre, tem 157 páginas divididas por 18 capítulos, e está na terceira edição,
de 2007.
000