A Criatividade Humana
Celebra a Unidade da Vida
Kahlil Gibran
Acima, o quadro “Lavrador com Mulher
Plantando Batatas”, de Vincent van Gogh
...Então um lavrador
disse [ ao Profeta ] : Fale sobre o Trabalho.
E ele respondeu dizendo:
Vocês trabalham para manter-se em contato com o ritmo
da terra e a alma da terra.
Porque ser preguiçoso é estar afastado das quatro estações
e separar-se da marcha da vida, que avança com orgulhosa submissão,
majestosamente, no rumo do infinito.
Quando vocês trabalham, são como uma flauta através
de cujo interior o murmúrio das horas é transformado em música.
Quem de vocês gostaria de ser um junco, surdo e
silencioso, quando todos os outros cantam juntos em harmonia?
Vocês sempre ouviram dizer que o trabalho é uma
maldição, e o esforço, uma infelicidade.
Mas eu digo que quando trabalham vocês cumprem uma
parte do sonho mais elevado da terra, destinada a vocês quando aquele sonho
nasceu.
E, sustentando-se graças ao esforço, vocês estão, na
verdade, amando a vida.
E amar a vida através do trabalho é estar interiormente
ligado ao mais íntimo dos segredos da terra.
Mas se em seu sofrimento vocês chamam o nascimento
de aflição, e consideram o ato de sustentar a vida como uma maldição escrita em
suas testas, eu respondo que só o suor dos seus rostos lavará e apagará aquilo
que está escrito.
Disseram a vocês que a vida é escuridão; e, no seu
cansaço, vocês repetem aquilo que os cansados disseram.
E eu digo que
a vida é, de fato, escuridão, exceto quando há um impulso, e que todo impulso é
cego; exceto quando há conhecimento.
E todo conhecimento é vão; exceto quando há trabalho;
e todo trabalho é vazio; exceto quando há amor; e quando vocês trabalham com
amor vocês se unem a si próprios, e uns aos outros, e a
Deus.[1]
Deus.[1]
E o que é trabalhar com amor?
É fazer o tecido a partir de fios que saem do seu
coração, como se a pessoa que vocês mais amam fosse usar aquela roupa.
É construir cada casa com afeto, como se o ser amado
fosse viver ali.
É plantar sementes com ternura, e fazer a colheita
com alegria, como se a pessoa mais amada fosse comer os frutos.
É colocar em todas as coisas que vocês produzem o
alento do seu próprio espírito, e saber que os mortos abençoados estão em torno
de vocês, e observam o seu esforço.
Ouço com frequência vocês dizerem, como se falassem
durante o sono: “Aquele que trabalha com
mármore, e encontra na pedra a forma da sua própria alma, é mais nobre que
aquele que lavra o solo. E aquele que captura o arco-íris e o coloca na roupa
dos seres humanos é melhor que aquele que produz as sandálias para os nossos
pés.”
Mas eu digo - não adormecido, e sim com a extrema lucidez da
hora do meio-dia - que o vento não fala
com mais ternura para os carvalhos gigantescos do que para a menor das folhas
de erva.
E grande é apenas aquele que transforma a voz do
vento em uma canção mais doce, através da sua própria capacidade de amar.
O trabalho é amor feito visível.
E se vocês não puderem trabalhar com amor, mas
somente com desgosto, será melhor que abandonem seu trabalho e se sentem à
porta do templo, e que peçam esmolas daqueles que trabalham com um sentimento
de felicidade.
Pois se prepararem o pão com indiferença, vocês farão
um pão amargo que só eliminará metade da fome do ser humano. E se espremerem a
uva com má vontade, a má vontade estará presente no vinho como um veneno. E
ainda que cantem como anjos, se não amarem o ato de cantar, estarão tapando os
ouvidos das pessoas, e elas não poderão ouvir as vozes do dia e as vozes da
noite. [2]
NOTAS:
[1] Em Teosofia, o
termo “Deus” não tem como significado
alguma divindade monoteísta. A palavra
só faz sentido quando significa a Lei Universal. (CCA)
[2] O texto
acima foi traduzido da obra “The Prophet”, de Kahlil Gibran,
Senate, Singapore, 2004, 114 pp., ver pp. 32-35. Em português,
existem boas traduções dos livros de Gibran, feitas por Mansour Challita. (CCA)
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