A Dimensão Filosófica da Vida De Um Inseto
A vida só pode ser compreendida quando a vemos como um processo que
inclui morte e renascimento, vigília e sonho.
O corpo humano abriga uma alma que também é mortal, embora seja sutil e só
morra algum tempo depois do corpo. Mas a alma contém em si um Espírito que não
morre e que “renascerá” uma e outra vez. Ao contrário do corpo físico, a
alma-espírito pode voar como se tivesse asas.
Chuang, um antigo sábio chinês, confessou:
“Certa vez, eu, Chuang Chou, sonhei que era uma borboleta, a voar para lá e
para cá; borboleta para todos os fins e em todos os sentidos. Tinha
consciência apenas de minha felicidade como borboleta, sem saber que era Chou.
Logo despertei, e ali me achava, de novo e verdadeiramente eu mesmo.
Agora, não sei se eu era antes um homem a sonhar que era uma borboleta, ou se
sou agora uma borboleta a sonhar que sou homem.” [1]
No Oriente e no Ocidente, a borboleta é um antigo símbolo da alma humana.
Alguns indivíduos ficam em dúvida: eles não sabem se são seres físicos que,
enquanto dormem, fluem como almas, ou se são almas, capazes de voar, que,
durante o estado de vigília, têm a ilusão de pensar que são seres físicos.
A imagem do espírito-alma como borboleta não é uma exclusividade da
China. Na Grécia antiga, Psiquê, a alma, era descrita como uma borboleta
que escapava do corpo com a morte.[2]
A filosofia esotérica ensina que a alma mortal (Kama-Manas) contém em si o
Espírito imortal (Atma-Buddhi), que seguirá a jornada mesmo quando ela
morrer, e que, muito mais tarde, viverá uma nova encarnação. A
vida da borboleta, em suas várias etapas, reflete o processo do
corpo-alma-espírito.
O autor Henry Thomas escreveu:
“A reencarnação ocorre com mais clareza no caso das lagartas. E que
gloriosa reencarnação! As lagartas parecem morrer, e depois subitamente
renascem como belas mariposas e borboletas. O que realmente ocorre é o
seguinte. A lagarta, desde que nasce, só faz uma coisa, e a faz bem.
Come. E como come! Uma lagarta come muitas vezes mais que o seu próprio
peso durante um dia. Come tanto que sua pele não suporta mais. Nós,
humanos, nunca somos perturbados por este tipo de dificuldade, porque nossa
pele se expande à medida que nosso corpo cresce. A pele da lagarta,
porém, permanece inelástica, enquanto o corpo engorda. Por isso, deve-se dizer
literalmente que a lagarta come até rebentar, isto é, ela rompe a pele e sai
fora dela. Enquanto isso, uma pele nova e mais larga cresceu por
baixo da velha. Em breve, porém, a mesma dificuldade ocorre de novo, e outra
mudança se opera, até que a lagarta tenha mudado de pele cerca de cinco vezes.
Neste ponto a lagarta encolhe-se, enruga-se e parece estar pronta para morrer.
E então ocorre o milagre. A pele racha pela última vez, mas por baixo
dessa pele não encontramos mais outra pele de lagarta, e sim uma criatura de
aspecto estranho, que não tem boca, nem pés, nem olhos. Essa existência
cataléptica, em estado de crisálida, pode durar somente dez dias, ou pode durar
do outono de um ano até o verão seguinte.”
Este é o período que simboliza o repouso entre uma vida e outra, entre uma
dimensão e outra.
Henry Thomas prossegue:
“Quando a época de renascer chega afinal, o estupendo processo se realiza
quase que subitamente. A pele da crisálida rasga-se e uma criatura, úmida e
frágil, esforça-se por obter ar livre, procurando um lugar ao sol, onde possa
ficar pendurada pelos pés. Agita e desdobra suas asas enlameadas e
injeta-lhes sangue. Depois de uma hora ou mais, as asas gradualmente secam e
tornam-se menos enrugadas. E então, quase num abrir de olhos, o inseto já
está completamente limpo e você poderá ver diante de si uma esplêndida
borboleta. Poderá ter asas azuis do tom mais puro, ou flamantes asas vermelhas,
ou combinações inumeráveis de cores, tintas e matizes. A lagarta rastejante e
feia renasceu, na forma de uma das mais belas criaturas de Deus: a alada
flor dos ares.” [3]
A teosofia explica que Deus monoteísta é uma invenção humana que só existe
nas igrejas e na imaginação do público leigo. O que há de fato é uma imensa
pluralidade de inteligências divinas, e uma Lei Universal Impessoal e eterna, a
lei do Equilíbrio e da Justiça.
De que modo a borboleta é um símbolo da reencarnação humana?
A sucessiva troca de peles da lagarta corresponde à troca da infância pela
condição de adulto jovem, pela meia idade, pela velhice, e pela velhice
extrema.
A ponte ou escada que liga a alma imortal à alma mortal, e que une os
estados de sonho, sono e vigília, é chamada em teosofia de Antahkarana.
Graças a ela, podemos desenvolver gradualmente uma consciência da
continuidade de todos os estados mentais ao longo das 24 horas do dia, e ao
longo de várias vidas.
Esta ponte entre mundos também é chamada de “Escada de Jacó”, na
imagem simbólica de Gênesis, 28: 10-13. Ela possibilita compreender o
processo do renascimento, porque um dia de 24 horas inclui uma pequena
reencarnação: a cada manhã, voltamos renovados.
NOTAS:
[1] Chuang-tzu, citado por Lin Yutang em sua obra “A Importância de
Compreender”, Círculo do Livro S.A., SP, 458 pp., ver p. 95.
[2] “Dicionário de Mitologia Grega”, Ruth Guimarães, Cultrix, 318 pp.,
item “Psiquê”, p. 267.
[3] “As Maravilhas do Conhecimento Humano”, Henry Thomas, vol. II, Edição
da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1941, 400 pp., ver pp. 312-313.
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Uma versão inicial
do artigo acima foi publicada na edição de Agosto de 2008 de “O Teosofista”, sem indicação de nome de
autor.
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