A Reencarnação Explica a Evolução
da Alma
Carlos Cardoso Aveline
00000000000000000000000000000000000
Reproduzimos a seguir o capítulo
quatro da obra “O Poder da Sabedoria”,
de Carlos Cardoso Aveline, Ed.
Teosófica,
Brasília, 1998, 189 pp.; terceira
edição, 2001.
000000000000000000000000000000000000000000000
Em 1985, o Instituto Gallup fez
uma pesquisa entre cidadãos adultos dos Estados Unidos e descobriu que 23% dos
entrevistados acreditavam na reencarnação. A porcentagem era um pouco menor
entre pessoas mais velhas e habitantes do meio rural. Mas a proporção subia
entre os jovens: nada menos que 27% dos adolescentes norte-americanos
acreditavam em reencarnação. [1]
Desde
então, a ideia do renascimento da alma em sua busca de perfeição espalhou-se
ainda mais por todos os países do mundo ocidental. São incontáveis os livros que
falam do tema. Ao lado da ideia de carma, a reencarnação é hoje um dos
conceitos orientais mais populares, tanto no Brasil como na Europa e nos Estados
Unidos.
A ideia
básica do renascimento ou reencarnação é simples. Existe uma evolução biológica
dos nossos corpos. Charles Darwin descreveu alguns dos seus aspectos. Mas
existe também, paralelamente, uma evolução espiritual. Assim como os corpos
aproveitam, geneticamente, as experiências acumuladas pelas gerações
anteriores, as almas recolhem a parte essencial das experiências de cada vida.
Isto poderia ser chamado de “genética espiritual”.
Diz a
ciência esotérica que tudo na natureza evolui, embora esta evolução nem sempre
seja perceptível para nossos sentidos físicos. Em todo o planeta, a erosão
transforma lentamente pedras em areia, desvia o curso dos rios e altera o
contorno dos litorais. O mundo vegetal vai amadurecendo ao longo do tempo. Os
animais, com a experiência, ganham uma inteligência cada vez maior. Do mesmo
modo, a sabedoria acumulada em uma vida humana não é jogada fora junto com o
corpo físico, na hora em que este não serve mais. Ao longo de muitas vidas,
vamos nos aproximando aos poucos da luz divina. O poeta brasileiro Múcio
Teixeira escreveu:
Morri no mineral,
para nascer na planta.
Fui pedra e fui semente,
brilhei no diamante e no cristal
luzente.
Fez em mim o seu ninho
o pássaro que canta.
Passei às formas do animal,
vendo indistintamente uma luz na
outra banda.
Do animal passei à forma do
homem,
faísca que desceu às cinzas e às
brasas.
Mais tarde acenderei a luz eterna
que é Deus.
De fato,
estamos a caminho da divindade. Não é por acaso que muitos de nós buscam a
energia divina dentro de si, e seguem o exemplo dos grandes instrutores. O ser
humano, internamente, não é o mesmo de 20.000 anos atrás. Amadurecemos. Temos
muita experiência acumulada e um pouco mais de sabedoria.
Uma
pessoa que morre entre 70 e 90 anos de idade,
depois de aprender inúmeras lições ao longo da vida, não perderá isto
tudo. Uma pessoa que nasce, aparentemente indefesa, tem uma alma mais velha que
o corpo. Quando morremos, deixamos de usar os cinco sentidos e perdemos nossa
consciência de espaço e tempo, mas continuamos existindo em outra dimensão,
mais sutil. Avaliamos os erros e acertos da vida que recém-terminou e depois
entramos em um estado elevado que é feito de bem-aventurança. Esta dimensão é o
céu, na linguagem dos místicos cristãos: o nível mental abstrato, onde temos
acesso à consciência crística. Neste mundo celeste, a nossa individualidade - o Espírito
em nós, o eu superior - descansa o tempo que quiser em total serenidade, vendo
os seus sonhos satisfeitos. Até que - às vezes dez ou quinze séculos mais tarde
- algo nos faz desejar novas experiências e lições espirituais. Esta intenção
se torna, pouco a pouco, mais forte e mais definida. Então, de acordo com o
nosso passado e com o nosso potencial futuro, renascemos em determinadas
circunstâncias, com o objetivo de corrigir alguns erros e aprofundar as coisas
corretas que fizemos.
Esta
continuidade de esforços, em alguns casos, fica muito clara até mesmo no plano
físico. Quando uma criança-prodígio toca piano como um grande artista aos
quatro ou cinco anos de idade, estamos diante de uma alma que se dedica à
música há muitas vidas. Todos nós trazemos tendências das nossas vidas
passadas. Há algumas tarefas que são fáceis para nós, e outras que são
difíceis. Os chamados “dons naturais” não são meros presentes dados ao acaso
por Deus, mas habilidades desenvolvidas por nós mesmos em existências
anteriores.
À medida
que a alma evolui, ela passa a tomar decisões mais firmes em relação ao que
pretende aprender e realizar em cada vida. Estas decisões ocorrem acima da
dimensão do espaço-tempo e nem sempre podemos percebê-las conscientemente. Para
isto é preciso aprender a escutar a voz silenciosa da nossa consciência
interior.
O mundo
tem muitas camadas. Uma pedra é fácil de agarrar. Sabemos o seu contorno, seu
peso, sua cor. Um líquido não pode ser preso entre os dedos, porque é muito
mais sutil ou fluido. Já o estado gasoso da matéria é invisível e foge ao tato.
Diz a sabedoria eterna que há estados da
matéria ainda mais sutis. Um deles é o da emoção. Assim como o oxigênio fica
dissolvido na água, enquanto a água penetra e dá vida ao solo, as nossas ideias
e emoções movimentam e dão vida a nosso cérebro e nosso corpo físico. Acima das
emoções estão os pensamentos. Acima deles há os estados intuitivos e a
percepção espiritual, que é direta e imediata, porque não está sujeita às
limitações do espaço e do tempo.
O ser
humano é - deste modo - uma consciência que evolui em muitos planos ao mesmo
tempo. Temos a consciência física, e temos um “eu” emocional e mental-concreto
que coordena os cincos sentidos e a memória das experiências pessoais. Acima
disto temos uma mente altruísta, que busca a verdade, admira poesia, música,
preocupa-se pelo bem-estar dos outros ou da humanidade, pensa em termos
abstratos e tem prazer em lutar pelo bem comum. Este é o nosso eu imortal, a
quem devemos servir. Para ele devemos abrir espaço em nossas vidas concretas,
de modo que nossa passagem pelo mundo físico tenha a maior utilidade possível.
Uma vida
inteira é como um dia de trabalho do ponto de vista do eu imortal. Da manhã à
noite, ele trabalha. Luta por manifestar-se no mundo material. No final do dia,
é hora de descansar. Antes de dormir - isto é, na velhice - passamos em revista
o que fizemos. Os mais idosos ficam revisando o passado. Este é o começo da
síntese, é o preparativo da avaliação que será feita após a morte do corpo
físico.
Meu pai,
por exemplo, sempre foi um sujeito sonhador, empreendedor, voltado para o
futuro. Militante político perseguido pela ditadura militar dos anos 60 e 70,
tinha um gosto mágico pela aventura da vida. Preso em janeiro de 1969,
torturado quase até a morte, resistiu a tudo com firmeza imperturbável, e treze
meses mais tarde foi um caso raro de preso político que desaparece da prisão
para alegria dos amigos e desespero dos carcereiros. Anos depois, pouco antes
da sua morte, fui o último membro da família a visitá-lo, no sul da Bahia. Foi
então que, certo dia, ele me disse que estava sofrendo uma onda de lembranças
do passado, e definiu: “A velhice chega, mesmo, quando começamos a só querer
lembrar coisas do passado”. Era uma maneira de avisar-me que ele estava se
preparando para a grande passagem. A preparação para a morte através da revisão
do passado tem uma importância fundamental, porque através deste lento reexame
o eu imortal começa o trabalho de levantamento e contabilidade das perdas e
ganhos de uma vida inteira. É o balanço contábil do carma.
O poeta
inglês William Wordsworth - que viveu entre 1770 e 1850 - falou da reencarnação
em um dos seus poemas. Para ele, a morte do corpo físico é o verdadeiro
despertar, e quando nascemos para a vida biológica, na realidade adormecemos.
Palavras de Wordsworth:
Nascer é apenas dormir e
esquecer.
A alma que surge conosco, a
estrela da nossa vida,
tem sua moradia em outra parte, e
veio de longe.
(“Ode
aos Indícios de Imortalidade”)
O poeta
está certo. Nós costumamos pensar que o homem tem uma alma. Na verdade, a alma
é que tem um corpo, e também uma personalidade, para coordenar o funcionamento
dos cinco sentidos. A tarefa do nosso eu passageiro é servir a esta alma quase
eterna cuja natureza é divina, mas que ainda precisa de experiências no mundo
físico em sua busca da perfeição espiritual. Nossa alma é nosso mestre, assim
como Cristo, ou Buda, ou outro grande instrutor, pode ser o mestre da nossa
alma.
A ideia
da reencarnação, no entanto, não pode ser um dogma. É bom que seja vista
sobretudo como uma hipótese de trabalho a ser investigada e confirmada ou não,
gradualmente, sem nenhum esforço.
Do ponto
de vista esotérico, não devemos buscar uma comunicação forçada com os mortos. A
alma precisa ver-se livre dos invólucros astrais e mentais concretos da vida
anterior, em sua marcha para os níveis superiores e celestiais de consciência.
Não se deve chorar desesperadamente a morte física dos seres queridos, mas sim
mandar-lhes paz, serenidade e amor, porque eles estarão interiormente em
contato conosco durante os primeiros tempos, e receberão nossa energia dirigida
a eles. Por outro lado, não devemos tentar atrair os seus corpos astrais - as
chamadas cascas ou carapaças - em sessões mediúnicas ou
coisas do gênero. Nossos seres queridos que partiram devem ficar livres para
elevar-se aos níveis espirituais, e suas cascas astrais abandonadas guardam
pouca energia do seu eu interior e verdadeiro, depois que eles partem para o
mundo da luz espiritual. Eles podem continuar em contato conosco nos níveis
superiores de consciência. Não há, no entanto, regras fixas: em questões
ocultas é aconselhável manter a mente aberta, sem cair na credulidade.
Outra
prática desaconselhada pela ciência esotérica é a de certas experiências
induzidas de regressão. Sei de diversos casos de pessoas que tentaram reviver
existências passadas e entraram em situações desesperadoras. Ao fazer perigosos
exercícios de respiração em tentativas de lembrar vidas passadas, estas pessoas
mal-orientadas tiveram acidentes vasculares cerebrais por excesso de oxigenação
no cérebro.
Na
realidade não há por que fazer esforço algum para recordar vidas passadas.
Lembraremos sem esforço o que - eventualmente - for correto lembrar. Não é por
acaso que a natureza planejou as coisas de modo que esqueçamos as vidas
anteriores e possamos começar “um novo dia” a cada nascimento. Fantasias sobre
vidas passadas são, quase sempre, ilusórias.
C.
Jinarajadasa escreveu que a alma não tem o sentido de perda, morte ou velhice.
Ela não é homem ou mulher, nem é cristã, budista ou hindu, porque vive na vida
divina única e assimila aquela vida conforme seu temperamento. Não é
brasileira, chinesa ou indiana, e não pertence a país algum, mesmo que seu
envoltório externo, o corpo físico, possa ter uma nacionalidade. A alma não
pertence a nenhuma classe social, porque sabe que todos participam da Vida Una
e que Deus não tem preferências entre ricos e pobres, judeus ou brâmanes e muçulmanos.
“É esta
alma que manda para o mundo físico - durante uma vida - uma parte de si mesma,
uma personalidade, como um embaixador que coletará experiências”, afirma
Jinarajadasa. [2] Quando a alma olha
para a vida através da persona ou
máscara que é seu corpo de bebê, de criança, de jovem ou velho, de homem ou
mulher, solteiro ou casado, ela elimina todas as distorções e ilusões egoístas.
É esta alma que teve vidas passadas, e não nossa personalidade, explica
Jinarajadasa. Devemos aprender a viver como almas, e não como máscaras que
dificultam a livre expressão do eu imortal, para podermos então, de modo
natural, lembrar-nos gradualmente de algo das nossas vidas anteriores.
O que
realmente interessa é que vivamos intensamente cada dia desta existência,
lembrando que, do ponto de vista espiritual, a morte não existe. Como ensinou
São Francisco de Assis, “é morrendo que se nasce para a vida eterna”.
Se
ocorrer espontaneamente alguma lembrança, no entanto, não devemos reprimi-la.
Podemos observá-la e colocá-la dentro do contexto da evolução espiritual de
longo prazo. É possível, na verdade, que tenhamos algumas sensações intuitivas
de já haver estado em certo lugar, ou sentir que uma pessoa recém-conhecida é
como um velho amigo que conhecemos de outros tempos.
Segundo
os estudiosos mais sérios que conheço, devemos perceber estas sensações com
toda serenidade, e elas podem ser úteis. Mas a principal lição a ser tirada da
“hipótese da reencarnação” é que nossa marcha evolucionária é muito maior que
nossa existência de hoje, e que nada se perderá da sua riqueza essencial. O que
houver de importante em nossa vida atual passará a fazer parte do “tesouro que
está no reino dos céus” (Lucas, 12:31). Este é o único tesouro que devemos
buscar, já que “tudo o mais nos será dado por acréscimo.”
Como,
porém, encontrar o reino dos céus? As práticas da meditação e da
auto-observação estão entre os principais instrumentos desta busca pessoal.
Ação Prática:
Uma Vida Depois da Outra
Pegue
papel e caneta. Relaxe. Respire profundamente durante alguns minutos, pensando
na relação entre sua vida atual e sua próxima vida. Veja sua vida atual como
possível consequência de encarnações
anteriores.
Reexamine
sua vida. Anote os principais avanços e os sofrimentos mais importantes em duas
colunas separadas. Veja seu crescimento interior e como ele se alimenta tanto
dos avanços como dos sofrimentos. Depois formule por escrito o objetivo geral e
alguns objetivos específicos da sua vida do ponto de vista do maior
autoaperfeiçoamento possível, de modo que sua existência atual chegue ao final,
um dia, como uma obra de arte bem acabada.
Imagine que viverá com saúde até depois dos 90 anos de idade.
NOTAS:
[1] “Investigando a Reencarnação”,
John Algeo, Ed. Teosófica, Brasília, 176 pp., ver a p. 33.
[2] “How We Remember
Our Past Lives”, C. Jinarajadasa, Theosophical Publishing House, Adyar, Madras, Índia, 1915, 100 pp. Ver pp. 38 e 39.
000
Sobre a missão do movimento teosófico,
que envolve o despertar da humanidade para a vivência da fraternidade
universal, veja o livro “The Fire and
Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline.
A obra tem 255 páginas e foi
publicada em outubro de 2013 por “The Aquarian Theosophist”. O volume
pode ser comprado através de Amazon Books.
000