24 de março de 2015

A Renúncia e a Liberdade

Há Algo Para Aprender de Cada Novo Outono

Carlos Cardoso Aveline

Nos meses que levam ao inverno, algumas árvores
perdem folhas, que nascerão de novo na hora certa
  

Os ensinamentos escritos de Teosofia afirmam que a prática da renúncia é essencial ao longo do caminho para a sabedoria. Isso não significa que a renúncia só pode acontecer por um gesto completamente voluntário. Na verdade, é raro alguém renunciar por iniciativa própria.

Na maior parte das vezes, os ensinamentos clássicos sobre a renúncia servem apenas para estimular no estudante uma qualidade muito mais modesta. Eles o capacitam para compreender e aceitar as perdas inevitáveis, e para libertar-se pouco a pouco de apegos desnecessários. Para muitos, o apego ao que já não existe é uma grande fonte de dor.

O estudante de teosofia não necessita “renunciar” a coisas, portanto.  As coisas podem “renunciar” a ele e frequentemente fazem isso. Alguns fatores não essenciais da vida perdem seus atrativos tão logo ele desperta para o caminho filosófico. O Jnaneshvari explica:

“O homem livre de paixões não pode ser aprisionado pela existência física ou pelas condições da vida mundana, assim como o vento não é capturado por uma rede. O desejo se torna fraco do mesmo modo como o galho da árvore se solta da fruta madura.”

E, poucas linhas mais adiante:

“Então cada desejo de satisfação seja mundana ou celeste chega ao seu final, do mesmo modo como a fumaça deixa de ser produzida quando o fogo é apagado com cinzas. Quando a mente está sob controle, o desejo morre e o homem alcança a condição de autodomínio. Como resultado, o falso conhecimento desaparece e o Eu adquire o poder da percepção verdadeira.” [1]

Na verdade, o nascer do sol e o pôr do sol são simultâneos.

Eles ocorrem ao mesmo tempo, em lugares diferentes, e a mesma simultaneidade de eventos diversos acontece nos dois hemisférios da consciência humana.

O pôr do sol do eu inferior é o nascer do sol do eu superior, e da sabedoria. Quando renunciamos ou “somos renunciados” por coisas e situações, podemos adquirir uma força impessoal. Esta energia, mais elevada, não é uma “propriedade” do nosso eu superior, mas ocorre naturalmente naquele patamar de vida em que o eu superior existe.  No território do altruísmo, a ilusão da posse não tem força. 

Ao aprender o desapego - lição ensinada pelo outono - temos acesso ao inverno. Esta estação preside a etapa culminante de Nivritti Marga, o caminho da materialidade decrescente inaugurado pelo outono. O inverno ensina humildade, firmeza de decisão, perseverança e transcendência. Ele é o pai da primavera.  

Quando a vida recupera o seu calor, praticamos a arte de renovar-nos e de nascer de novo através da ação correta. Mais tarde surge o verão, mestre da força e da autoconfiança.  Para os sábios, no entanto, o verão também ensina a humildade e o inegoísmo. As almas experientes podem ver o ciclo inteiro e sabem que dentro de pouco tempo o verão convidará o outono a testar novamente a força da nossa perseverança e determinação.

As posses e propriedades pertencem ao mundo do medo e do sofrimento, enquanto a Renúncia leva à prosperidade da nossa alma espiritual. O pensador francês Ernest Renan adotou o ideal clássico de simplicidade voluntária vivido por Francisco de Assis, e escreveu o seguinte no século 19:

“Atravessei o mundo do mesmo modo que o patriarca de Assis, sem ficar fortemente apegado a ele e - ouso dizer - como um simples hóspede. Embora não tenhamos posses materiais, tanto ele como eu somos ricos. A divindade nos deu um direito de usufruto sobre o universo, e estamos contentes de desfrutá-lo sem um título de propriedade.” [2]

Este é o caminho da Teosofia, e cada um deve decidir por si mesmo o ritmo do progresso a ser feito no rumo da libertação.   

NOTAS:

[1] “Jnaneshvari”, obra escrita por Shri Jnaneshvar e traduzida do idioma Marathi por  V.G. Pradhan.  State University of New York Press, 1987, 652 pp., copyright UNESCO 1969. Veja a p. 596, parágrafos 951, 952, 957, 958, e 959. 

[2] “Nouvelles Études D’Histoire Religieuse”, Ernest Renan, 1884, Calmann-Lévy, Editeurs; 
533 pp., veja pp. III-IV. 

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O artigo acima foi publicado pela primeira vez em inglês, sem indicação do nome do autor, na edição de setembro de 2012 de “The Aquarian Theosophist”. Título original: “Renunciation is Freedom”.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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