Uma Visão Teosófica de Certos Métodos de Curar
Carlos Cardoso Aveline
Existem
várias formas de medicina alternativa e outras tantas práticas que podem
preservar e melhorar a saúde. Serão todas elas eficientes? O uso do discernimento
é necessário em cada aspecto da vida, e convém examinar quantas destas
medicinas e práticas são, de fato, confiáveis.
Há numerosas referências favoráveis em relação aos Florais de Bach. Os vários tipos de alimentação vegetariana
melhoram a saúde. A alimentação macrobiótica tem curado, em alguns casos,
doenças graves. A natação e o
Tai-Chi-Chuan são outras práticas que possuem efeitos benéficos. A aromaterapia, a fitoterapia, a acupuntura,
a medicina chinesa antiga e a medicina homeopática são altamente recomendáveis,
quando bem exercidas. H.P. Blavatsky escreveu, por exemplo, que cada loja
teosófica deveria ter um pequeno dispensário homeopático. [1]
O que dizer, porém, de práticas como reiki, cura prânica, passes
magnéticos e coisas semelhantes, hoje relativamente populares em meios chamados
“esotéricos”? Em torno de reiki, por
exemplo, circulam frequentemente altas somas de dinheiro. Há perigo em tais práticas? Qual o seu real
significado? E até que ponto a mistura
de interesses econômicos pessoais com práticas de “cura espiritual” constitui
um agravante em relação a procedimentos que, em si mesmos, já são arriscados?
Helena P. Blavatsky viveu no século 19, mas o seu pensamento parece
estar mais atual do que nunca no século 21. E ela tem algo a dizer sobre este
tema. Ela chama atenção para o fato de
que a diferença entre a magia altruísta e a magia egoísta está, sobretudo, na
meta, na motivação e na ética. O objetivo determina os meios. Eis a advertência feita por H.P.B. no ano de 1890:
“À medida que a preparação para o novo ciclo avança e os pioneiros da
nova sub-raça aparecem no continente americano, os poderes psíquicos e ocultos
latentes no homem começam a germinar e a crescer. Disso surge o rápido
crescimento de movimentos tais como Ciência Cristã, Cura Mental, Cura
Metafísica, Cura Espiritual, e assim por diante. Todos estes movimentos
representam apenas diferentes aspectos do exercício destes crescentes poderes -
que até agora não foram compreendidos, e portanto são com muita frequência mal
usados, sem que haja qualquer conhecimento. Entendam, de uma vez por todas, que
não há nada ‘espiritual’ ou ‘divino’ em qualquer
uma destas manifestações. As curas realizadas por elas se devem
simplesmente ao exercício inconsciente de poder oculto nos planos inferiores da natureza - normalmente no
plano do prana ou corrente vital. As
teorias contraditórias de todas estas escolas estão baseadas em uma metafísica mal compreendida e mal aplicada, e
frequentemente em falácias lógicas grotescamente absurdas.”
H.P.B. prossegue:
“Mas uma característica comum à maior parte delas, uma característica
que atrai um grande perigo, é a seguinte. Em quase todos os casos os
ensinamentos destas escolas levam as pessoas a pensar que o processo de cura é
aplicado à mente do paciente. Aqui está o perigo, porque qualquer processo
deste tipo - por mais astuciosamente disfarçado que seja com palavras e
escondido por expressões faciais inocentes - significa simplesmente a dominação
mental do paciente. Em outras palavras, sempre que o curador interfere -
consciente ou inconscientemente - na livre ação mental da pessoa que ele está
tratando, isto constitui - Magia Negra.
As chamadas ciências da ‘cura’ já estão sendo usadas como meio de vida.
Não vai demorar para que algum esperto descubra que pelo mesmo processo as
mentes das pessoas podem ser influenciadas em muitas direções diferentes. Como a motivação egoísta de obter ganhos
pessoais e dinheiro já se misturou com tais práticas, aquele que era ‘curador’
pode ser levado insensivelmente a usar o seu poder para adquirir riqueza
material ou algum outro objeto do seu desejo.”
E ainda:
“Este é um dos perigos do novo ciclo, agravado enormemente pela pressão
da competição e da luta pela existência. Felizmente, novas tendências também
estão aparecendo, e elas estimulam a mudança da base da vida diária das pessoas
desde o egoísmo para o altruísmo. (.....) O que eu disse no ano passado
permanece verdade, isto é, que a Ética da Teosofia é muito mais importante do
que qualquer divulgação de leis e fatos psíquicos. Estas leis e fatos se referem inteiramente à
parte material e passageira do homem setenário, mas a Ética é absorvida e guia o homem real - o eu
superior reencarnante. Nós somos,
externamente, criaturas de um único dia; por dentro, somos eternos.” [2]
É preciso levar em conta também as causas das doenças e as lições que
elas trazem ao indivíduo. Em seus Escritos Reunidos, H.P. Blavatsky nos dá um
argumento ainda pouco conhecido contra as chamadas “curas mentais”,
e a favor das curas iniciadas por processos físicos. Ela explica que as
doenças físicas não surgem por acaso. Elas são efeitos de fatos
sutis. O ato de enfrentar as doenças físicas por métodos comuns, com auxílio de
processos curativos iniciados no plano físico, produz um aprendizado. Nosso
organismo aprende a reagir e a defender-se, e podemos refletir, durante o
processo, sobre como nos relacionamos com a saúde, com a doença, e com a
vida física como algo que é transitório.
Quem já não percebeu que uma gripe forte é uma ocasião para que o corpo
e a alma se renovem e aprendam algo com o período de recolhimento forçado? As curas “milagrosas”, ocorridas de fora para
dentro, removem apenas os efeitos e os sintomas da verdadeira doença e da
verdadeira imperfeição. O carma que deveria ser enfrentado e transmutado
através da doença continuará sem solução, sendo apenas adiado para outro
momento, talvez para outra vida. No final da década de 1880 a srta. Susie
Clark, praticante de curas mentais, escreveu que não havia necessidade de os
líderes teosóficos tomarem remédios, porque os recursos da cura mental eram
infinitos. Em resposta, H.P.B. foi clara e abordou o conceito de “carma
postergado”:
“Evidentemente, a srta. Clark não pensou que ‘os teosofistas notáveis’
usam remédios por causa de alguns efeitos do Carma sobre suas vidas, e devido
às propriedades ocultas destes remédios. Aparentemente, ela tampouco pensou no
que se chama de ‘Carma postergado’; nem
que, talvez, devido a um excesso de atenção dada ao seu corpo, ela esteja
colhendo um efeito agradável pelo qual, em vidas futuras, ela terá de pagar; e
nem que, ao usar sua mente de modo tão estranho para curar seu corpo, ela pode
ter removido suas enfermidades do plano material para o plano da mente...” [3]
Em seguida, H.P.B. menciona a arrogância e o orgulho como os primeiros
sinais da transferência de uma doença física para o plano moral e mental. Desta afirmativa podemos deduzir que, entre
outras coisas, certos desafios na área da saúde são necessárias lições de
humildade em relação à vida física. Os cuidados com a saúde ensinam a alma a
viver com mais atenção e simplicidade.
Assim, o conhecimento da lei do carma e da reencarnação nos permite
lembrar que não há efeito sem causa, nem doença física sem uma imperfeição que
a originou. A filosofia esotérica ensina a combater também a origem, e não só
os efeitos do sofrimento. A medicina correta responde ao sofrimento físico no
nível físico e vital, sem pretender eliminar artificialmente este sofrimento, o
que faria apenas com que ele retornasse para o plano sutil de onde surgiu.
O mais correto é aplicar as medicinas físicas para combater os
efeitos, e usar a teosofia - a medicina da alma -, para eliminar as causas do
sofrimento. Para a filosofia esotérica, toda prática de “magia” com fins de
ganho pessoal é pior do que inútil. Tampouco se admite, em teosofia, a busca do
desenvolvimento artificial de siddhis inferiores. Só quando a arte de curar é um dom natural do
indivíduo, e quando este dom é utilizado com total altruísmo, não existe um
veto. Na carta 111 de “Cartas dos
Mahatmas” (Editora Teosófica), um Mestre aprova em 1883 a realização de uma
experiência de cura mesmérica. Nos primeiros anos do movimento teosófico, Henry
Olcott, um colega de H.P.B., realizou curas magnéticas durante algum tempo, até
receber ordens de interromper a prática.
Estes eram os tempos pioneiros, e tais práticas eram feitas sob a
supervisão de raja-iogues proficientes em ocultismo. Mais tarde começou a
mistura de dinheiro e de interesses pessoais com tais curas. Em 1890, aproximava-se o final da missão de
H.P.B. Era necessário alertar para o fato de que tais práticas começavam a cair
nas mãos de pessoas espiritualmente ignorantes, e o conhecimento passava a ser
usado de um modo que acabava por aumentar o sofrimento.
Hoje o que se faz na área das medicinas alternativas “sutis” está
amplamente comercializado. E também parece inexistir um sistema estabelecido e
eficaz de verificação da ética e da eficácia, especialmente nos casos de curas
prânicas, reiki, passes magnéticos e práticas semelhantes. Por estes e outros
motivos, a teosofia original recomenda evitar as “curas mentais” e demais
formas de uso de poderes psíquicos inferiores. A filosofia esotérica autêntica
ignora os “siddhis inferiores” - aqueles “poderes” que respondem a motivações
do eu pessoal e dos seus interesses de curto prazo. A meta do estudante da filosofia teosófica é
o contato ampliado com o seu próprio eu superior. Ele se concentra na calma
expansão da sua consciência individual em direção à unidade consciente com as
leis do universo. Este é o tesouro que está nos céus, e o resto lhe será dado
por acréscimo.
A clara distinção entre as coisas ocultas que na realidade pertencem ao
mundo inferior e as realidades ocultas que pertencem de fato ao mundo
espiritual, constitui um ponto decisivo em teosofia. Em seu nível inferior, o
mundo oculto ilude; em seu nível superior, ele liberta.
NOTAS:
[1] Veja o antepenúltimo parágrafo do
texto de HPB “O Progresso Espiritual”,
disponível em nossos websites associados. HPB
também abordou com simpatia e respeito o tema da homeopatia em outros
textos, estabelecendo uma relação entre esta prática medicinal e a alquimia.
[2] Traduzido do livreto “Five Messages From H.P. Blavatsky To The American Theosophists”, Theosophy Company, Los Angeles, 1922, 32 pp., ver pp. 25 e 26. O livreto reúne cinco mensagens mandadas por HPB aos teosofistas norte-americanos em quatro das suas reuniões anuais, em 1888, 1889, 1890 e 1891. “Five Messages” está disponível em PDF em nossos websites associados. Uma edição em papel dos mesmos textos (com ilustrações e um estudo histórico) é “H.P. Blavatsky to the American Conventions - 1888-1891”, T.U.P., Pasadena, Califórnia, 1979, 74 pp.
[2] Traduzido do livreto “Five Messages From H.P. Blavatsky To The American Theosophists”, Theosophy Company, Los Angeles, 1922, 32 pp., ver pp. 25 e 26. O livreto reúne cinco mensagens mandadas por HPB aos teosofistas norte-americanos em quatro das suas reuniões anuais, em 1888, 1889, 1890 e 1891. “Five Messages” está disponível em PDF em nossos websites associados. Uma edição em papel dos mesmos textos (com ilustrações e um estudo histórico) é “H.P. Blavatsky to the American Conventions - 1888-1891”, T.U.P., Pasadena, Califórnia, 1979, 74 pp.
[3]
Veja o volume X de “Collected Writings of H.P. Blavastsky” (TPH, Adyar,
Índia,1988), texto “The Empty Vessel Makes the Greatest Sound”,
pp. 285-288, especialmente p. 287.
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O texto acima foi publicado pela primeira
vez, sem indicação de nome de autor, no boletim “O Teosofista”, edição de julho de 2009.
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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