Alguns Setores da Comunidade Teosófica
Permanecem Livres da Armadilha
Burocrática
Carlos Cardoso Aveline
A teosofia ensina
uma visão global da vida, livre de apego cego, e impessoal
Pequenos eventos podem ter grandes consequências, e a criação da Loja Unida
de Teosofistas, em 1909, é um exemplo disso. Cento e sete anos depois de 1909,
a criação da Loja Independente em 2016 resgata o mesmo aspecto da lei do carma,
em outro ciclo histórico.
A LUT foi fundada por alguns poucos estudantes em Los
Angeles em 18 de fevereiro de 1909.
Naquela época, o movimento esotérico perdera seu sentido
de orientação. Havia duas Sociedades Teosóficas rivais. Ambas andavam longe do
ensinamento teosófico original, construído por H. P. Blavatsky no período entre
1875 e 1891. Além disso, haviam perdido o bom senso.
A Sociedade de Adyar desprezava os ensinamentos de
H. P. Blavatsky. Estava fascinada pelo uso de poderes psíquicos inferiores e
conversas imaginárias com mestres. Nas duas décadas iniciais do século vinte, os
dirigentes de Adyar diziam de público, com orgulho mal disfarçado, que em breve ocorreria a
segunda vinda de Cristo.
O novo Messias era o jovem Jiddu Krishnamurti, discípulo
de Annie Besant. Milhares de pessoas idealistas foram durante décadas enganadas
pelos anúncios espetaculares deste ou daquele “discípulo clarividente”, mesmo depois
que o próprio Krishnamurti, desgostoso, denunciou a farsa e se afastou de Adyar.
As fraudes e ilusões não foram superadas até hoje, e
continuam na base das estruturas burocráticas de Adyar. Como veremos a seguir,
a luta por obter e por manter bom senso continua sendo uma dura necessidade,
não só para a Sociedade que produziu o falso Messias do século 20, mas também
para os teosofistas das outras linhas de pensamento, sem exceções.
Erros e Acertos
de Adyar
A adoração de falsos mestres e a prática de rituais ainda
bloqueiam a busca da verdade na Sociedade de Annie Besant.
Desde a segunda metade dos anos 1930, porém, houve algum
progresso real na longa marcha da volta para o bom senso. O tempo não passa em
vão e o carma amadurece também através de fatos concretos.
Ao lado dos pequenos progressos feitos, o impasse ético
se arrasta desde a traição a Helena Blavatsky, promovida após a morte da
fundadora.
Presidente internacional de Adyar durante cerca de 33
anos, desde 1980 até sua morte em outubro de 2013, a sra. Radha Burnier foi uma
pessoa honesta e digna. Tinha idealismo e sua visão de mundo possuía pontos
essenciais em comum com a teosofia. Isso não pode ser esquecido.
Radha foi herdeira e continuadora dos erros pseudoteosóficos
da primeira metade do século vinte. Ela não quis ou não pôde fazer com que
Adyar fosse além de tais ingenuidades. No entanto, ao ver que concluía sua
encarnação, Radha recusou-se a nomear um sucessor seu como “Chefe Externo” da
fraudulenta Escola Esotérica criada por Annie Besant.
Radha tampouco aceitou nomear sucessor para a direção do
falsificado “Rito Egípcio”, que reúne a cúpula ritualista da Sociedade de
Adyar. [1] E não indicou qualquer
pessoa para sucedê-la na presidência.
Deste modo, ela interrompeu a linha sucessória da fraude inaugurada
por Annie Besant no início do século 20, e concluiu sua encarnação lançando a
Sociedade de Adyar em um período de transição acelerada para algo novo, que tanto
pode ser um renascimento como a destruição.
O passo dado por Radha ao não nomear sucessores foi real,
e foi útil, mas tímido. A Sociedade de Adyar é hoje semelhante a uma igreja. Por
mais elevadas que sejam as suas intenções, os membros de Adyar - no Brasil, em
Portugal e outros países - estão historicamente colocados diante da necessidade
objetiva de usar seu melhor discernimento para optar entre duas alternativas
principais. A primeira delas é promover o respeito pelos fatos, a retomada do
bom senso e a valorização do ensinamento original.
A
segunda opção é prosseguir na fase atual de decadência.
A questão
que ainda não foi respondida é: quanto tempo será necessário para que ocorra a
primeira opção, e a Sociedade de Adyar comece a experimentar um renascimento? A
mesma pergunta é válida para a Loja Unida, porque, à sua própria maneira, ela
também perdeu sintonia com o seu impulso inicial.
O Dilema da Loja
Unida
Ao ser fundada, em 1909, a Loja Unida de Teosofistas
inverteu a dinâmica histórica de abandono da teosofia original.
A LUT surgiu sob a liderança de Robert Crosbie e John
Garrigues para resgatar o bom senso e o ensinamento autêntico. Cerca de duas décadas
depois da fundação da LUT, as sociedades de Adyar e Pasadena viam as suas
fantasias e “inovações” chegando a becos sem saída quando iniciaram uma gradual
retomada da filosofia autêntica de H.P. Blavatsky. Para Pasadena, este processo
foi mais forte. Para Adyar, ele ficou interrompido a partir da década de 1990.
De que modo funcionava a Loja Unida de Teosofistas
enquanto viveu John Garrigues?
A LUT ignorava as divisões políticas e organizativas do
movimento. Ela olhava para o movimento como um processo vivo, dinâmico e que
transcende formas externas. Ela acreditava que a sincera busca da verdade é o
terreno comum em que todos os teosofistas podem e devem encontrar-se uns com os
outros. Ela propunha a teosofia original dos fundadores do movimento como a
base indestrutível desta união.
No
entanto, a LUT está longe da perfeição. Grande parte das suas lojas,
especialmente nos países ocidentais, continua presa à repetição mecânica dos
escritos de Helena Blavatsky e William Judge, e se recusa a olhar para os
desafios enfrentados hoje pela humanidade. Estas lojas com frequência não
compreendem a necessidade de desmascarar ativamente as ilusões da
pseudoteosofia. Mas há setores da LUT e buscadores da verdade espalhados por
vários países que estão abertos à renovação e potencialmente aptos para um novo
ciclo. Na Índia, onde a influência dos escritos do sr. B. P. Wadia é mais
forte, a LUT parece continuar bastante ativa. A bem feita revista internacional
“The Theosophical Movement”, de Mumbai, é um indício nesta direção. [2]
Surge a Loja
Independente
Em 2016, a loja luso-brasileira da LUT declarou sua
independência, desligou-se do escritório da LUT em Los Angeles e adotou o nome
de Loja Independente de Teosofistas.
Ativa em diversas frentes em língua inglesa, a pequena associação
Independente considera que não é o tamanho nem o número de seguidores que dá
legitimidade a uma escola de pensamento. Frequentemente ocorre o contrário: só
quem não busca ser o maior pode priorizar a qualidade.
Um dos segredos do êxito dos primeiros tempos da LUT, cuja
experiência inspira a Loja Independente, está no fato de que ela soube permanecer
pequena, e agir criativamente, com independência. A teosofia ensina uma visão
global da vida, livre de todo apego cego, e impessoal.
Nos primeiros tempos, a LUT evitou tanto o inchaço como o
amor à rotina. Ela priorizou o critério da afinidade. Em termos gerais, evitou o
erro de confundir a busca da verdade universal com a busca de “crentes”, seguidores
e bens materiais. Mesmo assim, foi ficando gradualmente rígida após a morte de
John Garrigues em 1944.
A Loja Independente é uma proposta complexa, assim como foi
a Loja Unida durante grande parte da sua trajetória. Uma parte da loja flutua
acima dos aspectos mais grosseiros do plano físico do movimento.
Ela não é uma instituição. Não é uma organização. Não tem
pessoa jurídica. Desde um ponto de vista formal, não possui dirigentes.
Segundo Robert Crosbie, uma loja teosófica deve ser um
conjunto de princípios éticos e universais. Ela também é uma comunidade de
ensino e aprendizagem. Ela não vende seus ensinamentos, porque considera que -
assim como o ar que se respira ou a água dos oceanos - a sabedoria eterna pertence
desde sempre a todos os seres. Como poderia alguém vendê-la?
Os associados da Loja Independente não pagam mensalidade
nem anuidade. As doações que sustentam o seu trabalho são livres. Ela vende
livros, mas obras em papel são apenas instrumentos materiais do ensinamento. Os
cursos e estudos que oferece são gratuitos.[3]
Examinando os fatos mencionados acima, alguns estudantes veem
a proposta de ação da LUT e da Loja Independente como complexa ou misteriosa.
Ela não se encaixa nos modelos institucionais conhecidos.
Só pode ser compreendida gradualmente. A regra da Fraternidade Universal é
viver e trabalhar em comunhão interna, sem alarde, preservando a diversidade
externa.
Para ajudar a compreender pelo menos em parte a Loja
Independente, é útil levar em conta que as escolas de filosofia autêntica do
passado - tanto no Ocidente como no Oriente - não cobravam dinheiro por seus
ensinamentos, não tinham pessoa jurídica, e seus instrutores e alunos levavam
vidas simples e austeras.
Apenas os sofistas, denunciados por Platão em seus
Diálogos, cobravam de seus alunos e adaptavam suas “verdades” comercializáveis ao
interesse de cada momento e de cada cliente.
O tempo é cíclico.
As escolas filosóficas do futuro farão o mesmo que as do
tempo antigo.
Deste ponto de vista, o movimento teosófico moderno
parece ser uma escola complexa e atemporal de filosofia.
A Loja Independente de Teosofistas afirma que o esforço
teosófico moderno não está preso à letra morta dos ensinamentos originais, nem
a estruturas organizativas que facilmente envelhecem. Ele é clássico, platônico
e neoplatônico. Ele tem muito de estoico. Ele busca a expressão leal, ética e
criativa dos ensinamentos originais, sem distorções. Ele é oriental. É uma
escola eclética como a de Alexandria. É dinâmico. É uma escola de Jnana Ioga,
uma ciência mais antiga que a nossa humanidade. Mas também pertence ao futuro;
e, tendo menos de 200 anos de idade, é jovem.
NOTAS:
[1] Veja o artigo “A Fraude da Escola Esotérica”, de
Carlos Cardoso Aveline. O texto está disponível em nossos websites
associados.
[2] A Sociedade Teosófica de
Pasadena, presente em cerca de 10 países, tem mais de um aspecto positivo e
negativo em comum com a Loja Unida. A Sociedade Teosófica de Point Loma,
presente também em alguns países, está estruturada de cima para baixo e é a ST
que possui menos pontos em comum com a visão de movimento da Loja Unida e da
Loja Independente.
[3] Leia o texto “O Dinheiro Segundo a Teosofia”, de
Carlos Cardoso Aveline, que está disponível em nossos websites associados.
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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia
a edição luso-brasileira de “Luz no
Caminho”, de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete
capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.
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