Abrindo Espaço Para a Sinceridade Interna
Carlos Cardoso Aveline

A distância entre o
ideal e a prática é inevitável em teosofia, e decorre do fato de que o ideal é
elevado.
Há
necessariamente uma diferença entre o lugar em que estamos e o lugar a que
queremos chegar. Se não fosse assim, não teríamos uma meta valiosa na vida.
No
entanto, devemos observar a qualidade de nossos esforços para diminuir a
distância entre o preceito e a prática. O perigo da hipocrisia precisa ser
reconhecido em público. A transparência é uma ferramenta eficiente para reduzir
a prática da falsidade.
É
dever dos teosofistas experientes convidar todos ao exame das várias formas de
autoengano, mesmo em níveis “avançados” de aprendizado. Pensar que estamos em
um estágio avançado é uma armadilha. Cabe reconhecer que a tarefa que o
teosofista tem pela frente é enorme, e há um perigo significativo de queda pela
vaidade sutil. Quando uma associação teosófica ignora o fato de que o Caminho é
probatório, deixa as pessoas pensarem que a crença é mais importante que a
verificação prática dos conhecimentos.
O
teosofista deve viver o que estuda, ainda que imperfeitamente. Precisa olhar
para si mesmo e para os outros de modo objetivo. Um sentimento de justiça
absolutamente impessoal e imparcial constitui princípio básico em filosofia
esotérica. Cabe julgar sem distorções. Um Mestre de Sabedoria escreveu que,
para os raja-iogues, “um lustrador de botas honesto é tão bom quanto um rei
honesto, e [...] um varredor de ruas imoral é muito melhor e mais desculpável
do que um imperador imoral.” [1]
Ignorando
a possibilidade de derrotas, lideranças desinformadas abrem espaço para as fraudes
piedosas, a falsa clarividência, as conversas imaginárias com mestres e as
mentiras “espiritualizadas”. Isso gera caos. Cabe avançar pelo caminho
protegido pela humildade e pela coragem de ser sincero. A honestidade provoca
situações de perigo, porque com frequência é politicamente incorreta.
O Caminho
é multidimensional. Cada passo dado altera e melhora todos os aspectos da
estrada. Um só metro adiante muda o lugar em que você está, dando-lhe outro
ponto de vista e a possibilidade de um grande número de percepções intuitivas. A
experiência do progresso não é, portanto, apenas acumulativa. Um Mestre
escreveu a uma discípula:
“Você
tem muito a desaprender.” [2]
A
cada novo fato que enxergamos, várias impressões falsas são abandonadas. Não
podemos avançar sequer meio metro sem deixar para trás a quantidade
correspondente de erros.
Práticas Compatíveis com a Meta
Depois
de tomada a decisão de viver uma vida que faça sentido profundo, devemos
desenvolver ações compatíveis com a meta.
Nosso
principal instrumento é o nosso próprio eu inferior. A tarefa de conhecer esta
ferramenta complexa e usá-la com eficiência exige mais de uma encarnação. Ao
longo de milênios, o peregrino troca várias vezes um corpo físico velho por
outro novo, antes de saber completamente operar com o instrumento biológico de
que a humanidade dispõe na fase atual da evolução.
O
tempo imediato é importante na construção de uma trajetória de longo prazo. Cada
instante é completo em si mesmo e tem o seu significado, suas lições e efeitos
benéficos duradouros. A bênção da plenitude está atrás do aparente Vazio. Helena
Blavatsky esclareceu que o Jesus do Novo Testamento é a voz simbólica da alma
espiritual de cada ser. E a voz diz:
“Se
alguém quiser seguir-me, que renuncie a si mesmo, pegue sua cruz, e siga-me;
Porque aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá, e quem perder a sua vida
por amor a mim, a achará. Pois, de que vale o homem ganhar o mundo inteiro, se
perder a sua alma?” (Mateus, 16:24-26.)
Portanto,
é “morrendo” para as coisas materiais e “aceitando o vazio” que alguém pode
viver realmente, e de maneira duradoura. O eu inferior deve “enfrentar a absoluta
insignificância da sua vida”, para que o eu superior floresça na existência de
alguém.
Humildade Diante dos Pequenos Deveres
O
buscador da verdade conhece a si mesmo e esquece a si próprio enquanto cumpre
uma multiplicidade de tarefas diárias.
Ler
um livro, observar suas próprias emoções, administrar seus pensamentos, ajudar
nas tarefas em casa, enfrentar minutos de espera no trânsito ou na fila do
banco, desenvolver seu trabalho profissional, comprar pão ou ir ao supermercado
são apenas alguns exemplos entre centenas. Quais são as metas mais importantes?
Embora
a classificação de tarefas por ordem de importância seja inevitável, ela deve
ser feita com cuidado. Uma vez que uma ação é reconhecida como sendo parte do
meu dever, não deve ser subestimada. O modo como realizo uma ação é às vezes
mais importante do que a ação em si.
Uma
tarefa humilde, se for bem feita, abre a porta cármica para oportunidades
melhores. Dormir bem, comer adequadamente, cuidar da saúde e fazer o tipo certo
de caminhada meditativa, para mencionar alguns exemplos, são oportunidades para
expandir o meu antahkarana, a ponte que liga ao eu superior. Cada pensamento
ajuda, ou não: pequenas decisões fazem a diferença.
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mahatmas”, Ed. Teosófica,
Brasília, volume I, Carta 29, p. 158.
[2] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”,
transcritas e compiladas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília, 2010,
Primeira Série, Carta 20, p. 67.
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Uma versão inicial do texto acima foi publicada anonimamente na
edição de fevereiro de 2016 de “O
Teosofista”, pp. 6 a 8.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do
movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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