30 de agosto de 2017

Oito Provérbios da Rússia

A Presença do Saber
Teosófico na Tradição Popular

Carlos Cardoso Aveline




O conhecimento eterno está presente na alma dos povos e pode ser encontrado na vida cotidiana.

De um pequeno livro de antigos provérbios russos, selecionamos oito pensamentos que merecem comentário desde um ponto de vista teosófico.[1] Vários deles são populares também no mundo lusófono.

Um

Não cuspa no prato em que você come. Não suje a água do poço; mais tarde você desejará beber dela.” (p.4) [2]

A falta de gratidão revela um déficit em inteligência. A decisão de preservar as fontes do bem-estar comum resulta do respeito por si mesmo.

Dois

Não arme uma cilada para outra pessoa, porque você mesmo poderá cair nela.” (p.45)

O feitiço se volta contra o feiticeiro. Evite ser injusto com os outros, porque o que se planta, se colhe. Ajude os seus semelhantes, e embora o seu caminho possa parecer difícil, a felicidade interior acompanhará você.

Três

Se você perseguir duas lebres, não agarrará nenhuma.” (p.37)

Matar animais não é uma boa ideia. Além da questão ética, milhões de pessoas já perceberam que a alimentação vegetariana leva a uma vida mais longa e saudável. No entanto, a ideia central deste ditado popular merece um exame.

A busca de múltiplos objetivos nem sempre é prejudicial. Ela não causará dispersão mental se as metas forem mutuamente compatíveis, e se o fato de alcançar uma delas tornar mais fácil conquistar a outra. O discernimento e a generosidade, por exemplo, são duas metas que se reforçam, assim como coragem e prudência, ou confiança e equilíbrio.

No entanto, quando dois objetivos são mutuamente excludentes, eles geram confusão e derrotam-se um ao outro. Isso é o que ocorre se há emoções egoístas ao lado de pensamentos generosos. Existem centenas de maneiras de buscar metas mutuamente contraditórias, que levam à derrota. O peregrino deve ter uma trajetória definida, deixando de lado qualquer questão secundária no momento em que ela entre em choque com a prioridade central.

Quatro

É bom saber a verdade, mas ser feliz é melhor ainda.” (p.32)

Visto no sentido literal, o axioma é falso. Na prática, ninguém tem que escolher entre conhecer a verdade e ser feliz. As duas coisas não existem separadas uma da outra. O caminho da felicidade consiste em alcançar a verdade. No entanto, o quarto axioma indica algo mais sutil e assinala um fato que está além do aparente erro. Duas ilusões precisam ser evitadas:

1) A pretensão de ser dono da verdade, e
2) A tentativa de impor a nossa opinião aos outros.  

É inegável que um nível alto de sinceridade provoca sofrimento e incompreensão numa sociedade governada pelas regras da hipocrisia. Mas a vivência probatória pertence ao eu inferior. A bem-aventurança flui dentro da alma do peregrino ao mesmo tempo que o sofrimento ocorre nos níveis inferiores de consciência.

É falsa, portanto, a ideia de que alguém que renuncia à verdade será mais feliz do que aquele que é leal a si mesmo e tem respeito pelos fatos. Uma coisa pode ser dita com segurança:

“Talvez pareça agradável abandonar o realismo, e fingir para nós mesmos e para os outros que somos donos da verdade; porém na prática é muito melhor ser sincero, humilde, e internamente feliz.”

Cinco

É melhor uma paz ruim do que uma boa briga.” (p.31)

Uma paz imperfeita é útil, sempre que ela puder ser melhorada pouco a pouco: é algo valioso. No entanto, se uma paz ruim não puder tornar-se boa, e se ela for apenas um período de preparação para um conflito pior, não haverá vantagem em postergar o acerto de contas.

Um conflito feito na fase inicial das discordâncias com frequência previne destruição em grande escala. A supressão artificial das diferenças costuma abrir a porta para altos níveis de hipocrisia, depois o ódio - e finalmente a guerra. Vale a pena restabelecer a justiça enquanto o problema não assume proporções maiores.

Seis

Não serre o galho da árvore em que você está sentado.” (p.14)

Aquele que tem bom senso pensa antes de agir. Toda ocasião é propícia  para lembrar e proteger a fonte fundamental da nossa existência. Como no jogo de xadrez, o peregrino espiritual estuda antecipadamente as consequências do que fará. Nem sempre é fácil evitar tolices: tome decisões bem pensadas, e não se arrependerá delas.

Sete

Se a pele e os ossos permanecem, a força surgirá outra vez.” (p.42)

A vida flui de acordo com a lei das marés. Se nos momentos difíceis preservarmos aquilo que é essencial, seremos capazes de fazer progresso outra vez no futuro e aproveitaremos as oportunidades renovadas assim que elas surgirem.

Oito

Bata enquanto o ferro está quente.” (p.23)

Saiba a hora certa de agir: nem sempre vale a pena malhar em ferro frio. Frequentemente as coisas precisam de uma alta temperatura cármica, para mudarem.

As condições necessárias a uma melhora real não são todas agradáveis e prazenteiras. O peregrino deve saber qual é sua meta e concentrar-se nela.

O objetivo e o método são nobres, elevados? São dignos da voz da sua consciência? Neste caso, realize as tarefas práticas que construirão circunstâncias favoráveis. E quando tiver a possibilidade de fazer um progresso significativo, não deixe de agir. Dedique ao esforço a quantidade suficiente de atenção e perseverança.

NOTAS:

[1] “Russian Proverbs”, de Chris Skillen, ilustrações de Vladimir Lubarov, Appletree Press, Belfast, 1994, 59 páginas. Indicamos o número da página ao final de cada citação.

[2] Tradução literal do inglês: “Não cuspa no poço, mais tarde você desejará beber”.

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Em 14 de setembro de 2016, depois de uma análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu criar a Loja Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um futuro saudável.

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