A Presença do Saber
Teosófico na
Tradição Popular
Carlos Cardoso
Aveline
O conhecimento
eterno está presente na alma dos povos e pode ser encontrado na vida cotidiana.
De um pequeno livro de antigos provérbios
russos, selecionamos oito pensamentos que merecem comentário desde um ponto de
vista teosófico.[1] Vários deles são
populares também no mundo lusófono.
Um
“Não
cuspa no prato em que você come. Não suje a água do poço; mais tarde você desejará
beber dela.” (p.4) [2]
A falta de gratidão revela um déficit em
inteligência. A decisão de preservar as fontes do bem-estar comum resulta do respeito
por si mesmo.
Dois
“Não
arme uma cilada para outra pessoa, porque você mesmo poderá cair nela.” (p.45)
O feitiço se volta contra o feiticeiro. Evite
ser injusto com os outros, porque o que se planta, se colhe. Ajude os seus
semelhantes, e embora o seu caminho possa parecer difícil, a felicidade
interior acompanhará você.
Três
“Se
você perseguir duas lebres, não agarrará nenhuma.” (p.37)
Matar animais não é uma boa ideia. Além da
questão ética, milhões de pessoas já perceberam que a alimentação vegetariana
leva a uma vida mais longa e saudável. No entanto, a ideia central deste ditado
popular merece um exame.
A busca de múltiplos objetivos nem sempre é
prejudicial. Ela não causará dispersão mental se as metas forem mutuamente
compatíveis, e se o fato de alcançar uma delas tornar mais fácil conquistar a
outra. O discernimento e a generosidade, por exemplo, são duas metas que se
reforçam, assim como coragem e prudência, ou confiança e equilíbrio.
No entanto, quando dois objetivos são
mutuamente excludentes, eles geram confusão e derrotam-se um ao outro. Isso é o
que ocorre se há emoções egoístas ao lado de pensamentos generosos. Existem
centenas de maneiras de buscar metas mutuamente contraditórias, que levam à
derrota. O peregrino deve ter uma trajetória definida, deixando de lado qualquer
questão secundária no momento em que ela entre em choque com a prioridade
central.
Quatro
“É bom
saber a verdade, mas ser feliz é melhor ainda.” (p.32)
Visto no sentido literal, o axioma é falso. Na
prática, ninguém tem que escolher entre conhecer a verdade e ser feliz. As duas
coisas não existem separadas uma da outra. O caminho da felicidade consiste em
alcançar a verdade. No entanto, o quarto axioma indica algo mais sutil e assinala
um fato que está além do aparente erro. Duas ilusões precisam ser evitadas:
1) A pretensão de ser dono da verdade, e
2) A tentativa de impor a nossa opinião aos
outros.
É inegável que um nível alto de sinceridade
provoca sofrimento e incompreensão numa sociedade governada pelas regras da
hipocrisia. Mas a vivência probatória pertence ao eu inferior. A
bem-aventurança flui dentro da alma do peregrino ao mesmo tempo que o
sofrimento ocorre nos níveis inferiores de consciência.
É falsa, portanto, a ideia de que alguém que
renuncia à verdade será mais feliz do que aquele que é leal a si mesmo e tem
respeito pelos fatos. Uma coisa pode ser dita com segurança:
“Talvez pareça agradável abandonar o
realismo, e fingir para nós mesmos e para os outros que somos donos da verdade;
porém na prática é muito melhor ser sincero, humilde, e internamente feliz.”
Cinco
“É
melhor uma paz ruim do que uma boa briga.” (p.31)
Uma paz imperfeita é útil, sempre que ela
puder ser melhorada pouco a pouco: é algo valioso. No entanto, se uma paz ruim não puder tornar-se boa, e se
ela for apenas um período de preparação para um conflito pior, não haverá vantagem
em postergar o acerto de contas.
Um conflito feito na fase inicial das
discordâncias com frequência previne destruição em grande escala. A supressão
artificial das diferenças costuma abrir a porta para altos níveis de
hipocrisia, depois o ódio - e finalmente a guerra. Vale a pena restabelecer a
justiça enquanto o problema não assume proporções maiores.
Seis
“Não
serre o galho da árvore em que você está sentado.” (p.14)
Aquele que tem bom senso pensa antes de agir.
Toda ocasião é propícia para lembrar e
proteger a fonte fundamental da nossa existência. Como no jogo de xadrez, o
peregrino espiritual estuda antecipadamente as consequências do que fará. Nem
sempre é fácil evitar tolices: tome decisões bem pensadas, e não se arrependerá
delas.
Sete
“Se a pele e os ossos permanecem, a força
surgirá outra vez.” (p.42)
A vida flui de
acordo com a lei das marés. Se nos momentos difíceis preservarmos aquilo que é
essencial, seremos capazes de fazer progresso outra vez no futuro e aproveitaremos
as oportunidades renovadas assim que elas surgirem.
Oito
“Bata enquanto o ferro está quente.” (p.23)
Saiba a hora
certa de agir: nem sempre vale a pena malhar
em ferro frio. Frequentemente as coisas precisam de uma alta temperatura
cármica, para mudarem.
As condições
necessárias a uma melhora real não são todas agradáveis e prazenteiras. O
peregrino deve saber qual é sua meta e concentrar-se nela.
O objetivo e o
método são nobres, elevados? São dignos da voz da sua consciência? Neste caso,
realize as tarefas práticas que construirão circunstâncias favoráveis. E quando
tiver a possibilidade de fazer um progresso significativo, não deixe de agir.
Dedique ao esforço a quantidade suficiente de atenção e perseverança.
NOTAS:
[1] “Russian Proverbs”, de Chris Skillen, ilustrações de
Vladimir Lubarov, Appletree Press, Belfast, 1994, 59 páginas. Indicamos o
número da página ao final de cada citação.
[2] Tradução literal do inglês: “Não cuspa no
poço, mais tarde você desejará beber”.
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Em 14 de setembro de 2016, depois
de uma análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu criar a Loja
Independente de Teosofistas. Duas das prioridades da LIT são tirar lições práticas do passado e construir um
futuro saudável.
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