Renunciando ao Conforto do Não Pensar
Carlos Cardoso Aveline
Quando a rotina diária é organizada com base em princípios que
expressam ignorância espiritual - ainda que embelezados por uma aparência
religiosa - os processos interconectados de autorrenovação, de aprendizagem da
alma e de crescimento interior passam a ser dolorosos.
O não-pensar é confortável, mas não se sustenta. Assim que
nos libertamos do apego à ignorância, e especialmente do apego à ignorância disfarçada
de espiritualidade, descobrimos a sóbria e duradoura bênção do amor à verdade.
Há um fato que pode ser desagradável para sepulcros caiados e para quem vive de
aparências, mas é inevitável: não há nada mais elevado ou duradouro que a
verdade.
Ao longo do caminho, não podemos “apegar-nos” a um só
centímetro cúbico de sabedoria, sem “desapegar-nos” da mesma quantidade de
ignorância. É bom - ou pelo menos melhor que nada - buscar a sabedoria enquanto
não estamos prontos para as renúncias correspondentes. Assim se geram as ondas
probatórias, as lutas, contradições, impasses e sofrimentos. Tudo isso traz
lições necessárias.
Por medo de viver perdas, há quem transforme a busca num
faz-de-conta para manter-se agarrado à falsa segurança da rotina. Este é o
caminho da ilusão.
O peregrino que persevera na trilha da verdade percebe pouco
a pouco uma transmutação ocorrendo em câmara lenta na substância do seu ser. As
renúncias passam a ser naturais. As ilusões se desmancham no ar. As verdades se
consolidam. Elas fazem isso no plano abstrato, mas de modo nítido, claro e
firme. As relações do indivíduo com o mundo externo se tornam pouco a pouco
mais tênues. Sua compreensão da sabedoria universal fica mais estável, embora
não seja material.
Esta é a biografia de todo peregrino.
A cada aspecto que ele obtém do tesouro que está nos céus,
ele precisa abandonar, ou ver que é arrancado das suas mãos, um aspecto do seu
“patrimônio de ilusões preferidas”, aqui na dimensão física da Terra.
Todo indivíduo humano é uma ponte entre o céu e o chão em que
pisa. Porém o próprio chão em que ele pisa também está no céu e gira em torno
do sol. Ampliando sua visão, ele vivencia diretamente a verdade desta frase de
“Luz no Caminho” [1]:
“Quando tiveres encontrado o começo do caminho, a estrela da
tua alma mostrará sua luz.”
NOTA:
[1]
“Luz no Caminho”, M.C., The Aquarian Theosophist, 2014, 85 pp., ver p. 26.
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Uma versão inicial do artigo acima foi publicada em “O Teosofista”, outubro de 2015, páginas
5-6.
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