24 de agosto de 2019

O Juiz e o Papagaio

A Força Inspiradora de um Mantra 

Malba Tahan




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Reproduzido do volume “Céu de Allah”,
contos orientais, Malba Tahan, Ed. Conquista,
RJ, Brasil, 1956, 221 pp., ver pp. 119-122.

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A opulenta cidade de Cabul vivia, nesse tempo, agitada por estranho boato. Diziam alguns, afirmavam muitos, que o íntegro e prestigioso juiz Fauzi Trevic, antes de sair para o exercício de suas altas funções do tribunal, ouvia os conselhos de um papagaio.

Havia até quem soubesse particularidades sobre o caso. O papagaio fora trazido das montanhas por um feiticeiro famoso e vivia encerrado num rico aposento, longe das vistas e dos ouvidos curiosos.

Os mais ousados garantiam que se tratava de uma ave encantada, que trazia no corpo o espírito de um gênio - um djin, talvez. O maravilhoso papagaio conhecia jurisprudência e ditava leis com a eloquência e a sabedoria dos grandes ulemás. Não havia, aliás, outra explicação para aquele mistério, pois o juiz Trevic proferia sentenças notáveis, fundamentadas sempre com grande elevação, e elogiadas pelos advogados mais exigentes e intolerantes.

O caso chegou, afinal, ao conhecimento do rei Nassin ben-Nassin.

- “Mac Allah”! - estranhou o soberano persa. - É assombroso! Quem poderia acreditar que houvesse, no Islã, um papagaio capaz de orientar as longas sentenças de um sábio juiz?

Resolvido a esclarecer de qualquer modo o enigma, o poderoso rei mandou vir à sua presença o doutíssimo Fauzi Trevic e interrogou-o.

Seria verdadeira aquela voz que corria pela cidade, abalando os incrédulos e enchendo de infinito assombro os simples e os ingênuos?

- Sim, ó rei Magnânimo!, é verdadeira a voz - confirmou o ilustre cádi. - Não devo ocultar verdade. Todos os dias, antes de seguir para o tribunal, ouço os conselhos de um modesto papagaio verde de bico amarelo! Juro, pelas barbas de Maomé, que é essa a expressão da verdade!

- Exaltado seja Allah! o Único! - exclamou o monarca. - Não creio que possa existir, sob o céu ou sobre a terra, maravilha maior do que essa que acabais de revelar!

- Vejo-me forçado a dizer-vos, ó Rei do Templo! - prosseguiu o juiz - que o papagaio, meu amigo e conselheiro, só sabe pronunciar duas palavras. Com esse limitadíssimo vocabulário, consegue ele orientar, com segurança e clareza, todas as minhas sentenças.

- Com duas palavras! Que palavras mágicas serão essas, que servem, como dois faróis, no meio do oceano das leis?

Respondeu o digno magistrado:

- Bondade e Justiça! Justiça e Bondade! Eis as palavras que ouço todos os dias do meu fiel papagaio! Procuro tê-las sempre bem vivas, no fundo do coração! Quando estudo as causas sobre as quais sou obrigado a votar e decidir, esforço-me por ser bom e procuro ser justo. A Justiça que corrige ou castiga deve ser inspirada pela Bondade que nobilita e eleva. E ainda: a Bondade, que exalta o fraco, não pode prescindir da Justiça que reabilita o forte. Confesso, pois, que todas as minhas sentenças são norteadas pelo admirável conselho do papagaio. Bondade e Justiça!

Por Allah, senhor dos mundos visíveis e invisíveis! Por Allah! Seguissem todos os reis, ministros e magistrados o conselho daquele papagaio, e a felicidade desceria sobre os povos e a paz reinaria entre as nações!

Uassalã!

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O conto “O Juiz e o Papagaio” foi publicado nos websites associados dia 24 de agosto de 2019.

Clique para ler o artigo O Mundo de Malba Tahan”, de Carlos Cardoso Aveline. Veja outros contos de Malba Tahan.

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