À Medida que a Percepção se Expande,
Ficamos Independentes do Uso das Palavras
Carlos Cardoso Aveline
O
idealismo deve ser administrado com bom senso
* Praticando a arte de estar em silêncio, o peregrino consegue ouvir
de fato os outros.
* Pensar criativamente requer silêncio. Um indivíduo que não
consegue parar seu discurso mental tem algo em comum com a vida impensada dos
papagaios.
* Alexandre Dumas escreveu: “As longas conversas são o feliz
privilégio de quem nada tem que dizer.” [1]
Por outro lado, a ausência de ruído é um oásis para o buscador da verdade. Estar
livre de barulho emocional torna o ser humano capaz de viver com mais
lucidez.
* A introspecção renovadora também ocorre no plano coletivo. A cidade
e o país renascem graças à renovação interna do cidadão.
* É correto retirar-se algumas vezes por dia até aquela fortaleza
interna de nossa alma onde flui a força pura e inesgotável da consciência
superior. Os períodos de silêncio renovam a perspectiva de vida, refazem as energias
e limpam os óculos pelos quais percebemos os fatos.
* Salvo exceções, ninguém pode corrigir os diversos aspectos imperfeitos
da sua vida em um só dia. Está ao alcance de todos, no entanto, comparar
regularmente as suas ações com o seu mais alto ideal de progresso e perfeição. É
privilégio de cada um aperfeiçoar pouco a pouco os hábitos e os modos de tomar
decisão.
* Quando alguém renuncia a coisas secundárias, pode economizar
energia vital e resolver favoravelmente as questões decisivas.
* Deixando de lado os desejos, desenvolvemos vontade. Aquele que abandona
caprichos pessoais consegue ter um propósito real na vida.
* A ação correta exige preparação. Esforços deliberados são
necessários quando alguém pretende alcançar metas duráveis.
* Um vento inconstante guia as mentes superficiais, fazendo com
que não cheguem a lugar algum. A alma responsável combina as qualidades da
rocha e do céu. É igualmente firme e capaz de abranger tudo o que existe.
* Um período de 24 horas contém a semente das eternidades. Cada
cidadão vive em contato direto com o cosmo, conforme a Astrologia demonstra em
detalhes. A qualidade desta interação pode ser otimizada a qualquer momento por
uma combinação de fatores como introspecção elevada, boa vontade e ação
correta.
* Pensamentos e sentimentos sublimes não são o suficiente. Para
realizar ações corretas de maneira estável, não basta ao peregrino ter uma meta
elevada. Deve criar também alguns hábitos materiais corretos, que eliminem
hábitos materiais inadequados, adotando formas de autodisciplina inicialmente tediosas.
* Um certo grau de energia grosseira permite dominar e controlar
as tendências automáticas do corpo físico de quem busca o Caminho. A vontade de
viver de modo correto não pode ser concretizada através de ideias abstratas.
Requer a formação de hábitos externos que, embora materiais e imperfeitos,
sejam essencialmente compatíveis com as energias elevadas e obedeçam totalmente
a elas nos momentos decisivos.
* Graças à realização de esforços consistentes na direção correta,
nossas percepções mais elevadas ganham uma força concreta e densa, passando a inspirar
uma vasta teia de vida e a integrar-se no mundo cotidiano.
* A boa vontade é o tipo correto de vontade. O propósito generoso
expressa um conhecimento da lei universal e uma afinidade com o modo como fluem
as coisas essenciais.
* Não é sábio escolher entre o otimismo e o realismo, ou entre
confiança e prudência. O ser humano necessita todas estas qualidades e ainda outras.
* Devemos combinar energias diferentes e contraditórias, sem ser
carregados nem dominados por qualquer uma delas. A substância interna dos
nossos talentos melhorará, se os usarmos para alcançar metas nobres.
* Palavras não podem substituir fatos. O sentido de
responsabilidade ética não surge porque um apelo é feito, nem porque haja uma
intensa propaganda. O peregrino precisa estar livre em sua própria alma para
que tenha um sentido interno de dever. A responsabilidade resulta de compreender
nossa unidade dinâmica com os outros seres. O que vai, volta, o que se planta,
se colhe.
O
Renascimento
* Grande parte das tradições filosóficas e religiosas ensina um
princípio decisivo para a teosofia: a decadência moral leva à extinção os
processos civilizatórios.
* Cabe a cada um examinar se há uma falta de ética e de moderação
nas sociedades de hoje em dia. A resposta a esta questão define a maré básica
dos fatos do futuro. O movimento teosófico existe para preservar e expandir a
ética do altruísmo, que produz fraternidade.
* Cada ciclo doentio de crescimento em decadência moral tem como
cura um novo período de expansão em franqueza e sinceridade.
* Embora possamos ver falsidade deliberada no mundo de hoje, seria
ingênuo pensar que este é o retrato do futuro. Cada ação perversa é devidamente
compensada no tempo certo. A ética é a lei eterna, e todos compreenderão isso cedo
ou tarde.
* Ter ideais é uma função da alma espiritual. No entanto o
idealismo deve ser administrado com bom senso.
* Na ausência de discernimento e de moderação, os ideais elevados podem
causar desastres ou transformar-se em fraudes. A visão idealista do mundo é
inseparável do realismo. Precisa estar combinada a uma concepção de longo prazo
do tempo; a uma consciência da lei universal; a um sentimento de respeito por
todos, e a uma intenção de plantar, antes de colher.
* A percepção profunda da vida é potencialmente tão rápida quanto
a luz, embora nem tudo o que se vê seja bonito. Não é sempre que a compreensão
da verdade espera pelo raciocínio analítico. Ela pode ocorrer num relance. Pode
ser involuntária.
* O pensamento correto induz a uma percepção adequada dos fatos,
mas a percepção em si está acima do pensamento e não tem grande necessidade
dele, exceto como um ponto de apoio e um auxiliar fundamental. No processo da
compreensão, o silêncio é tão importante quanto o pensamento.
* Na etapa humana atual, fica difícil para os sepulcros caiados
enganar nações e pessoas de boa vontade. Há uma nova luz mostrando os fatos
para quem tem bom senso. A crença cega perde força nos diferentes aspectos da
vida.
* Quando renunciamos ao excesso de posses, a felicidade tem uma
chance de descer sobre nós. A vida simples abre caminho para a plenitude e a
sabedoria, e traz o bem-estar.
* À medida que o campo da percepção se expande, ficamos
independentes do uso das palavras, embora ainda as usemos para expressar-nos no
mundo. Assim a verdade se torna mais fácil de ver. No futuro as palavras serão
reconhecidas como meros instrumentos externos da consciência. E quando as
pessoas se compreenderem sem a intermediação de frases, a mentira será
impossível.
A Substância do
Contentamento
*
A felicidade é a percepção de que tudo está correto com a Vida e de que não
existe motivo de preocupação. Não há palavras para descrever este nível da
realidade. É como um sol que nunca se põe, mas que nem sempre pode ser visto
por todos.
*
O contentamento estável resulta da unidade consciente do indivíduo com a Lei e
com o Cosmos, e do seu sentimento de amizade universal por todos os seres. No
entanto, esta consciência não precisa usar palavras.
*
Em certos momentos do esforço da existência, surge o sentimento de que “a vida
é perfeita”. Para a alma espiritual, um contentamento ilimitado está sempre
presente. O sofrimento é um visitante e um professor: a paz constitui o espaço
onde tudo acontece.
NOTA:
[1] “Memórias dum
Médico”, de Alexandre Dumas. Ver parte dois, intitulada “O Colar da Rainha”,
edição em quatro volumes, Livraria Editora Guimarães e Companhia, Lisboa, sem
data, volume III, p. 05. O exame da obra em papel indica que foi impressa na
primeira metade do século 20.
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“Ideias ao Longo do Caminho - 30” foi publicado como artigo
independente em 18 de fevereiro de 2020. Uma versão inicial e anônima dele faz
parte da edição de fevereiro de 2017 de “O
Teosofista”, pp. 16 a 18. Os três parágrafos finais, do mesmo autor, estão
publicados como uma nota curta à página sete daquela edição.
Embora o título “Ideias ao Longo do
Caminho” corresponda ao título em língua inglesa “Thoughts Along the
Road”, também de Carlos C. Aveline, não há uma identidade exata entre os
conteúdos das duas coletâneas de pensamentos.
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