Uma Oração Não é uma Coleção
de Palavras, Mas um Estado da Alma
Carlos Cardoso Aveline

O pensador
francês Voltaire (1694-1778) ajudou a fazer o “século das luzes”
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A natureza
tem grande número de vozes diferentes. Elas fluem em conjunto, ensinando
sabedoria em meio ao contraste, e podem ser escutadas por um coração sem medo
que trabalha em paz.
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As árvores estão entre os melhores amigos do ser humano. Há muito por aprender
através de um diálogo sem palavras com as folhas das árvores, estejam elas
sendo movimentadas ou não pelo vento e pela chuva, ou talvez caídas, no outono
e no inverno.
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A ação correta é vista e compreendida sem palavras. A parte mais importante das
nossas ações ocorre nos níveis silenciosos da realidade. O silêncio ilumina o
som, e o som abre caminho de volta para o silêncio. O sentimento de comunhão acontece
sem ruído, assim como a percepção da verdade suprema.
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Cada vez que começamos um ciclo, inauguramos uma tendência, um padrão vibratório.
Seja um dia ou uma década, todo começo convida o indivíduo a compreender o privilégio
de ser o principal responsável pelo seu próprio futuro.
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A vida é feita de bênçãos se focarmos a consciência nos seus aspectos
abençoados. No entanto, “abençoado” não é sinônimo de “confortável”. As bênçãos
costumam vir em momentos difíceis, enquanto o apego ao conforto produz a rotina
cega. Para viver de modo bem-aventurado, o aprendiz precisa renovar-se sempre
que necessário e ser mais forte que as circunstâncias.
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É preferível ser derrotado tentando o nosso melhor do que vencer tendo
desistido da ação mais correta.
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Bem-estar e autocontrole não se separam. A disciplina eficiente preserva a
espontaneidade colocando-a para funcionar dentro dos limites do bom senso. O
discernimento eficaz implica moderação. A ação que evita o exagero é durável e
tem mais eficácia no longo prazo. É através da calma que chegamos a uma meta
valiosa.
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O peregrino que possui pouca experiência não deve projetar inteiramente as boas
sementes da sua própria sabedoria sobre uma organização ou líder. Neste caso
ele iria adorar meros reflexos da sua própria ilusão.
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As projeções psicológicas ou “efeito espelho” são uma parte necessária e
saudável da realidade. No entanto, elas devem ser compreendidas e colocadas em
um contexto maior. Cada colega de caminhada de um peregrino reflete,
potencialmente, tanto o melhor como o pior da sua natureza. A euforia e a
decepção devem ser vividas com moderação e independência. O correto é ajudar o
crescimento da bondade, assim como do discernimento. Cabe renunciar todo dia a
novas formas de ignorância, no jogo de espelho da vida, de modo que a luz da
sabedoria secreta presente na alma possa tornar-se visível.
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Para alcançar a paz no futuro, é preciso vivê-la interiormente no momento de
agora. E a harmonia não pode ter como base o medo de conflito. É a luz da paz
que faz um guerreiro lutar melhor por uma causa nobre. Enquanto enfrenta
desafios, o peregrino permanece disponível para o sentimento de sossego, e vê
sua paz interior como um talismã.
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Embora o passado e o futuro nunca estejam separados um do outro, a simetria da
sua união é mais bela quando chega o final de um ciclo e o começo de outro.
Então é preciso dizer adeus a um conjunto de energias. Há uma promessa no ar
falando de uma nova etapa. Cabe preservar o que é bom e renovar o que precisa
ser renovado.
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Muitos querem saber o que está acontecendo aqui ou ali. Outros preferem tomar
medidas para que aconteça a coisa certa.
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Parece agradável desejar isso ou aquilo e ser governado pela esperança sem
base. Na verdade, o “caminho fácil” cria o pior tipo de dificuldade. Parece
duro o caminho do autoconhecimento e da autorresponsabilidade, porém ele leva ao
contentamento durável.
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A vida ocorre em círculos concêntricos. Para compreender adequadamente os fatos,
é preciso olhar para eles desde o ponto de vista mais profundo e elevado
possível. Esta perspectiva não exclui nada do seu campo geral de visão, mas dá
prioridade ao que é eterno e altruísta.
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O mundo precisa de menos doutores sabe-tudo
e mais buscadores da verdade. A chamada opinião pública é em grande parte
governada pela propaganda, mas as aparências são tão enganosas quanto os
políticos que obedecem apenas ao vento e à maré.
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Quando alguém coloca a popularidade acima do dever, não há progresso real, por
maior que seja o esforço e sejam quais forem as aparências. Quando o peregrino coloca
o dever acima da popularidade, o progresso pode ser lento, mas será real.
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A quantidade de trabalho feita por alguém é importante, mas a sua possível relevância
resulta em grande parte da qualidade. Quantidade gera qualidade, e trabalhar
muito é o primeiro passo. O segundo consiste em identificar as questões
decisivas nas quais trabalhar, e o ponto
de vista desde o qual desenvolver o esforço. Os melhores resultados não
surgem de esforços feitos com pouco discernimento. A sabedoria oriental afirma
que o sábio obtém a vitória antes de começar o aspecto visível do seu trabalho.
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Em qualquer tempo e lugar, a vida tem potencialidades sagradas quase incalculáveis.
As nossas limitações, porém, podem impedir-nos de ver as sementes da vitória e
de aproveitá-las.
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As condições cármicas individuais e coletivas têm importância, e tanto ajudam
como atrapalham o buscador da verdade. A observação silenciosa, se for orientada
por uma firme boa vontade, mostrará a seu tempo as oportunidades para “nascer
de novo” nos níveis abençoados da vida.
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As palavras não substituem os fatos. Não é possível transmitir aos outros
aquilo que não vivenciamos. Antes de ter esperança de influenciar o mundo
externo, é preciso controlar a si mesmo com eficiência.
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A tentativa contínua de obter felicidade através de meios e objetos externos é
especialmente lamentável se considerarmos que a maior parte da humanidade é
prisioneira desta ilusão, e permanece apegada a ela ao longo de uma encarnação
depois da outra. É necessário ter uma visão ampla da vida para compreender que
a fonte da felicidade é interna e tão ampla quanto o universo, e não externa ou
pessoal.
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As relações humanas baseadas na preguiça e na indulgência mútua são piores que
inúteis. O sofrimento é um toque de campainha que alerta para a existência de
ignorância.
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A ausência de sabedoria produz frutos, e as suas causas devem ser
identificadas, em seguida combatidas. Em qualquer país, família ou comunidade, assim
como nas associações teosóficas, as relações corretas são aquelas que criam
estímulos para as pessoas aprenderem coisas valiosas e melhorarem a si próprias
interiormente.
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“Devagar se vai ao longe: se você
quiser ser mais rápido, avance com lentidão, pois a pressa provoca perda de
tempo.” As tradições orientais estão bem familiarizadas com este
princípio, e ensinam o cultivo da calma.
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Só quem permanece de fora do vício da alta velocidade pode ter discernimento
sobre o que é ou não correto fazer.
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Numa sociedade materialista, cujos alicerces emocionais são a pressa e a
ansiedade, o estudante de filosofia vive rodeado de pessoas que perdem o seu
tempo e dedicam suas vidas à superficialidade. Lentamente percebe-se a verdade
durável.
Oração Sem
Palavras
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Se “oração” pode ser definida como a prática de erguer a mente até o mundo
divino, então é possível realizar uma oração completa em dois segundos. O
estudante de filosofia ora enquanto realiza qualquer tarefa honesta. Uma tal
oração não é uma coleção de palavras. Constitui um estado da alma.
As Formas de
Silêncio
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Há um tempo para confrontar obstáculos, e um tempo para permanecer sem ser
visto, sem ser ouvido, sem nada dizer, exercendo uma presença desconhecida.
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Há um silêncio que produz compreensão profunda, e outro que é nocivo para o bom
aprendizado. Nas formas equilibradas de silêncio harmonizam-se todas as coisas.
O tipo certo de ausência de som é o herdeiro e a origem da ação sábia. No
silêncio opera construtivamente a lei da vida. Nele a consciência eterna pode
ser percebida, e colocada em unidade conosco.
A Força do
Inesperado
* A vigência da Lei do Carma em tudo o que existe não significa que a influência dos acontecimentos imprevistos é pouca. É ilusão pensar que os fatos futuros são facilmente previsíveis e irão constituir uma extensão bem disciplinada do passado e do presente. O funcionamento da lei do Equilíbrio é complexo. O próximo instante contém sempre um número ilimitado de possibilidades.
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A prática de ações eficientes aumenta as chances de que ocorram acontecimentos
iluminados no longo prazo, mas não há garantia. Na verdade, ao aprender algo
sobre a lei do universo, o carma individual se acelera. A nossa atitude diante
dos fatos inesperados muda para melhor enquanto os desafios aumentam.
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Voltaire mostra na sua obra clássica “Zadig” como a força dos acontecimentos
inesperados é enorme em todos os momentos da existência de alguém. Cada ser
humano é um hóspede no tempo e no espaço. É limitada a sua compreensão do carma
e do dharma. Como hóspede, ele deve ter um comportamento correto. Haverá
surpresas: acontecimentos não planejados mudarão a sua vida de vários modos uma
e outra vez.
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O peregrino deve ser humilde diante das mudanças agradáveis e estoico nas
situações difíceis. O propósito da sua alma é aprender e não buscar conforto.
Através do estudo e da pesquisa sobre serendipidade teosófica [1], é possível acelerar o nascimento
da bem-aventurança.
NOTA:
[1] Veja o artigo “Aspectos Sagrados da Serendipidade”.
Leia a “Oração Diante do Futuro”.
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“Ideias ao
Longo do Caminho - 29” foi publicado como artigo independente em 12 de
fevereiro de 2020. Uma versão inicial e anônima dele faz parte da edição de janeiro
de 2017 de “O Teosofista”, pp. 11 a
13. Algumas notas curtas, escritas pelo mesmo autor e publicadas naquela edição,
estão também incluídas no texto.
Embora o título “Ideias ao Longo do Caminho”
corresponda ao título em língua inglesa “Thoughts Along the Road”, também
de Carlos C. Aveline, não há uma identidade exata entre os conteúdos das duas
coletâneas de pensamentos.
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