Os Cidadãos de Boa Vontade
Têm Um Dever Diante de Si
Carlos Cardoso Aveline

É notável a dificuldade da
civilização atual de pensar o conjunto da questão planetária. Estamos vendo em
primeira mão o que ocorre quando o carma coletivo amadurece e o prazo de
validade de uma forma de organização está vencido.
Há bem mais que uma limitação cultural. Há uma
cegueira organizada, e ela boicota toda capacidade de enxergar. De fato, o pior
cego é aquele que não quer ver. Mas isso vai mudar. Já aumentam os sinais de um
despertar da consciência planetária.
A civilização de hoje, como grande parte das
civilizações anteriores, é baseada na premissa de que a natureza é inimiga do
homem.
A ideia primordial, ainda que implícita, é de que a
natureza deve ser substituída pelo asfalto, pela energia atômica, pelo
desmatamento, pela desertificação, pelas guerras, pela especulação imobiliária,
pelo massacre dos animais, e - claro - por uma filosofia social darwinista,
segundo a qual devem dominar “os mais aptos”. Os mais “aptos” são, deste ponto
de vista, os mais egoístas, os mais gananciosos, os mais astutos, aqueles que
são espiritualmente destituídos de alma e de consciência ética. E, no contexto
atual, pode-se mesmo constatar que alguns dos indivíduos “poderosos” cuja fé
está colocada na premissa darwinista têm, literalmente, a consciência ética e
filosófica de um gorila das selvas. Só lhes falta o respeito instintivo pela
vida natural e pela lei do carma que os gorilas autênticos possuem. Os macacos
tecnológicos não sabem o que é equilíbrio.
Seria agradável se a ignorância espiritual
socialmente organizada pudesse ser eliminada com um custo histórico baixo. Não
é isso que estamos vendo, no entanto. As notícias sobre exemplos de
desorganização climática se espalham e se tornam coisas cada dia mais
corriqueiras. Sua importância é ignorada. Grandes catástrofes são tratadas
como fato banal, enquanto a novela de televisão, as entrevistas dos
“famosos” e as últimas falsas novidades sobre qualquer assunto fútil estão no
centro das atenções da mídia dominante.
A cultura civilizatória atual ainda não adotou de modo amplo os parâmetros filosóficos que a permitirão compreender melhor o processo planetário. Há na psicologia coletiva de hoje um medo profundo de alterações climáticas. Elas são associadas subconscientemente a velhas imagens de “fim de mundo”, que, na verdade, não indicam o final do planeta, mas apenas transformações geológicas, em alguns casos rigorosas. O terror supersticioso paralisa a capacidade de preparar-se com ética e com bom senso para uma mudança planetária.
Por outro lado, a teosofia ensina que a decadência
da base geológica da atual civilização está diretamente ligada à decadência das
bases mentais, intelectuais, morais e emocionais da etapa humana que está
terminando. A decadência precede, e prepara, a regeneração.
O planeta é um único processo multidimensional. Ele
tem sete níveis de consciência operando simultaneamente, e todos esses níveis
estão vivendo - entre o século 19 e o século 22 - o final de um ciclo e o
começo de outro.
O receio subconsciente de enfrentar os fatos é,
pois, um fator que não pode ser subestimado. Grandes mudanças provocam medo,
inclusive quando são geológicas, e o filósofo espanhol Emilio Mira y López
escreveu:
“Terremotos, incêndios, inundações, raios,
avalanchas, são (...) eventos não só capazes de assustar-nos com sua presença,
mas também de fazer-nos estremecer ante sua real ou suposta iminência. Não é
apenas por pressentir a probabilidade de um dano físico mais ou menos grave que
tais cataclismos nos aterrorizam, mas por outros motivos, entre os quais se
destacam os de sua ancestralidade, seu imenso poder e sua inevitabilidade.
Realmente, desde os tempos mais remotos, esses fenômenos têm causado a morte
das mais variadas espécies animais. Por isso, em nosso genoplasma, estão
latentes os dispositivos de alarme e fuga ante a simples evocação de sua imagem
ou lembrança.”[1]
Isso explica grande parte da dificuldade de uma
mudança de atitude diante da questão ambiental.
No entanto, é cada dia mais fácil acelerar a
ampliação do caminho do meio entre dois extremos igualmente
paralisantes.
De um lado, temos o apego à rotina consumista, que
nega a necessidade de uma mudança na relação da humanidade com o ambiente
natural. De outro lado, há o conhecido fatalismo que considera o “fim do mundo”
inevitável, e pensa que só o deus imaginário criado pelos sacerdotes
profissionais é capaz de enfrentar o assunto.
O caminho do meio, que é o caminho do bom senso, ainda
parece estreito e difícil. Mas ele já existe e é claramente indicado pela
filosofia e pela teosofia.
Ao longo dos milênios, inúmeras civilizações
cumpriram suas missões e foram substituídas, frequentemente através de crises
ambientais. A civilização atual não é eterna e está em crise. Mas o final de
uma civilização e o começo de outra não são algo súbito. Eles devem ser
encaminhados passo a passo e gradativamente.
Nem a preguiça nem o pânico são bons conselheiros. O
momento atual é de preparação para um despertar. O planeta
Terra pode funcionar como um jardim comunitário, e já
são grandes as oportunidades para que os cidadãos ajam criativamente. Começa a
surgir uma nova consciência ética universal. O renascer não pode ser acelerado
pela propaganda, mas sim pela vivência interna da sabedoria universal, pela
prática da ajuda mútua, e pelo plantio de bom carma no plano da alma.
NOTA:
[1] “Os Quatro
Gigantes da Alma”, Emilio Mira y López, Livraria José Olympio Editora, RJ,
1980, 224 pp., ver p. 33.
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Uma versão inicial do texto acima
foi publicada de modo anônimo na edição de agosto de 2010 de “O Teosofista”.
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Em setembro de 2016, depois de
cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como
uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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