31 de agosto de 2025

Trauma, Iluminação e Sabedoria

 
O Mistério Alquímico da
Transmutação da Dor em Luz
 
Carlos Cardoso Aveline
  
A luz do Sol, ou fogo, queima o que é inferior
para iluminar as camadas superiores da alma



Todos têm traumas, grandes ou pequenos. Quem pensa que não tem trauma é porque está desinformado.

Trauma é uma ferida inegociável: um fato ou situação que traz intensa dor e que não há como digerir.

O trauma acontece, e nós o absorvemos ou engolimos: ele faz parte da vida do indivíduo, mas não pode ser processado, nem compreendido, tampouco transformado, elaborado, ou visto em suas numerosas partes constituintes.

Trauma é uma situação súbita, no sentido de que surge como algo inevitável, produzindo uma grande mudança dolorosa.  

O trauma é uma ruptura entre a dinâmica da vida individual e a dinâmica da vida coletiva. Mas também pode ser um choque frontal entre o carma de curto prazo e o carma de longo prazo. O poder do carma de longo prazo é muito maior.

O trauma ocorre quando o carma remoto do indivíduo surge de repente para atropelar com violência o ritmo estabelecido da vida. Ou quando o carma coletivo esmaga de súbito uma situação aparentemente estável do carma individual. Mas não há apenas traumas: há traumas e iluminações. Todos temos iluminações, grandes ou pequenas.

Cada trauma torna necessária uma iluminação, e a recíproca é verdadeira: com frequência a iluminação vem antes, tornando necessário o trauma quando a energia renovadora irreprimível atinge um eu inferior despreparado.

Iluminação Causa Sofrimento

Assim, uma iluminação súbita dos setores superiores do eu pessoal causa situações traumáticas para as camadas inferiores da alma.

É conveniente aceitar o fato de que trauma e iluminação ocorrem muitas vezes em paralelo. A luz do Sol ou fogo queima e ilumina. A súbita expansão de horizontes espirituais traz uma grande bênção para a parte superior da consciência, e provoca ao mesmo tempo um trauma doloroso para os setores terrestres e básicos do ser individual.

Veja como exemplo o texto A Intensa Dor da Felicidade Suprema, do filósofo brasileiro Farias Brito.

O trauma raramente é um momento isolado na linha do tempo. Ao contrário, ele costuma provocar uma situação restritiva durável. É o caso do trauma do medo de abandono ou desamparo na infância.

Traumas acontecidos em uma geração com frequência repercutem até duas ou três gerações mais tarde, na mesma família.

Cada indivíduo tem um patrimônio genético e subconsciente familiar (e social). Este conjunto de experiências acumuladas é feito de dores e oportunidades, de talentos e obstáculos, feridas cicatrizadas ou não, bênçãos e maldições. O carma do grupo em que nascemos passa a ser automaticamente nosso. Mas também possuímos um patrimônio cármico individual, resultado de vidas anteriores. A alma deve abrir caminho novo em meio ao cruzamento destes dois tipos de influência. Este cruzamento, constante ao longo do tempo, provoca de vez em quando grandes surpresas e transformações.   

O carma acumulado nas encarnações prévias incide - e às vezes desaba subitamente - sobre o processo da vida atual. Mas com muito mais frequência ele salva, guia, inspira, ilumina e abençoa a vida do peregrino. Também corrige o rumo quando necessário, atuando com rigor.

A compreensão, o processamento e a reintegração harmônica do fato traumático na alma do indivíduo provocarão a cura: mas esta transformação alquímica pode esperar décadas, ou talvez aguarde pela encarnação seguinte. Enquanto isso, a iluminação correspondente será o tempo todo um fato concreto, saudável e eficiente, em outros níveis de consciência e nos diferentes setores da alma.

O peregrino avançará evoluindo pelo caminho da luz, e ao mesmo tempo carregará suas cicatrizes, levando consigo a ferida ainda aberta do trauma que aguarda pelo momento da cura.

As feridas da alma fazem parte da cruz que o peregrino arrasta consigo, isto é, do carma que nos acompanha.

O trauma opera como uma maldição macabra e parece dizer ao peregrino: “Você está derrotado agora e será sempre um derrotado.”

A autoimagem é afetada por este script fatalista. A derrota traumática fica impressa na aura do peregrino, e convida subconscientemente as pessoas com quem ele se relaciona e que entram em contato com sua aura a verem-no também como um derrotado no aspecto da vida que foi atingido pelo trauma. Isto recriará e reafirmará a ferida do trauma inicial. Porém, as pessoas fortes e saudáveis ficarão de fora do cumprimento cármico desta “profecia” negativa, e, ao invés de reforçar a ferida, irão apoiando de modo espontâneo a tendência natural da alma no sentido de curar-se e recuperar a força da vitória.

A cura do trauma está em digerir lentamente o fato rejeitado, vendo e compreendendo os seus numerosos fatores constituintes. No tempo certo, a bênção substitui a maldição. O primeiro passo para isso é observar com calma o trauma e observar os seus efeitos e a sua realimentação ao longo do tempo.

O trauma tem várias camadas, assim como o solo possui diversas camadas. Por baixo do trauma visível que ocorreu em determinado momento, o processo de observação revelará outros fatores debilitantes que tornaram possível o trauma; que o tornaram mais grave; e que o sustentam, confirmam e renovam até muito depois de o “fato principal” acontecer. 

O Trauma e a Culpa

Trauma tem a ver frequentemente com um sentimento de culpa. Ele gera medo, raiva, separatividade, isolamento e outras emoções semelhantes.

Carregar nossas feridas dando a elas condições para que sua cura lentamente ocorra, faz parte da nossa responsabilidade à medida que avançamos pelo caminho para o alto. 

Exigir demasiado de si mesmo gera principalmente tropeços - que no entanto fazem parte, eles também, da aprendizagem.

O fato traumático rompe o esquema conceitual, referencial e operativo do peregrino. Ele revela a precariedade do sistema de auto-orientação usado até ali. Com frequência o trauma ocorre quando um carma familiar pesado destrói o sentido de segurança que a criança - ou adulto - tinha. O trauma fecha uma porta, e isso torna necessária uma iluminação correspondente. 

A reintegração do fato traumático na alma não é algo que se possa acelerar ou provocar artificialmente, de fora para dentro. Ocorrerá cedo ou tarde, mas ocorrerá de dentro para fora. As condições para esta cura e reintegração surgirão aos poucos, lentamente e quase sempre em silêncio.

De fora para dentro, se possível, devem vir o zelo para preservar a boa evolução da ferida na direção da cura, e um estímulo para o salto à frente quando as circunstâncias necessárias estiverem presentes. Até lá, é um dever reforçar a presença das condições favoráveis para a digestão do trauma.

O mero fato de tratar de compreender e digerir o trauma, gerando bom carma na direção oposta, começa a reduzir o seu impacto. Digerir significa decompô-lo em suas partes constituintes e absorver a energia vital presa ali, eliminando os dejetos ou energias inúteis. Assim se substitui lentamente a estrutura da dor por uma nova estrutura que produz segurança e contentamento. 

Durante este processo de digestão ou substituição, cabe evitar o excesso de raciocínios e informações. A cura necessita da quantidade adequada de um silêncio confiante. Cabe alimentar o subconsciente com força vital luminosa, sem expectativas de curto prazo.

A Disciplina da Cura

A boa vontade estável possui um grande poder de cura.

Pensemos por exemplo na prática diária consistente de leituras teosóficas combinadas com exercícios de respiração profunda e de fortalecimento da vontade de vencer - incluindo exercícios psicofísicos com frases-mantras e autoprofecias sobre vitória sem alusão a situações específicas de qualquer tipo. Cabe registrar que a respiração iogue profunda, o Pranayama (sem retenção) e o Bhastrika são exemplos de exercícios diários de respiração que têm profundo efeito positivo. Examine também Jatru Trataka, o Exercício. Veja nos websites da Loja Independente de Teosofistas a seção temática Autodisciplina e Concentração: Para Fortalecer a Vontade Espiritual.

Uma disciplina diária firme e flexível, que atue sobre o corpo e sobre a alma, remove o lixo recebido no subconsciente devido ao convívio desde a infância com uma sociedade materialista e decadente. A disciplina construtiva substitui os venenos da ignorância herdada por material novo e saudável nos diferentes planos da vida, físico, vital, emocional, mental concreto e mental superior. Trata-se de uma transmutação do magnetismo: uma transfusão da vitalidade.

O efeito curativo do esforço correto pode tardar, mas não falha.
  
O processo precisa ser constantemente renovado nos seus aspectos externos concretos, sempre com base na observação dos resultados obtidos. Porém, deve ser desenvolvido de modo sustentado, com perseverança e numa perspectiva de longo prazo que inclua as encarnações futuras.

O esforço é consciente, mas a cura é subconsciente, e surge como uma dádiva inesperada. Cabe a cada um de nós uma tarefa simples: apenas fazer por merecer, confiando sem pressa na Providência Divina, isto é, na boa Lei do Carma. 

O silêncio que abençoa é habitado por uma calma boa vontade e por um sentimento de paz e sossego profundo, que sabe esperar milênios.

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O artigo Trauma, Iluminação e Sabedoria está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 31 de agosto de 2025. 

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No contexto do movimento de Constelações Familiares e Constelações Sistêmicas, estavam disponíveis em 2025 no YouTube várias aulas interessantes de Cristina Florentino sobre o processo do trauma e a sua superação.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.

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