Deixado Pela Pensadora Russa
Carlos Cardoso Aveline
Helena Blavatsky (1831-1891)
“Me refiro à palavra inteligente
gravada na alma do aprendiz...”
(Sócrates, em “Fedro”, de Platão, trecho 276)
As obras escritas por Helena P. Blavatsky estão entre as mais significativas da literatura filosófica de todos os tempos. Basta um olhar panorâmico para perceber isso.
No entanto, não seria correto atribuir apenas a ela o mérito pela literatura que ela colocou no papel. Ela escreveu em cooperação com raja-iogues dos Himalaias que estão muito além do estágio atual da evolução humana.
É a primeira vez, nos últimos dois mil e quinhentos anos, que se ensina de modo tão claro a sabedoria de todos os tempos. Em quantidade e qualidade, os escritos de HPB não têm igual na literatura filosófica. Sua obra é maior e mais clara que a de Platão. É mais universal e mais abrangente que o Talmude, ou que os Upanixades. Sua influência sobre a evolução e a história da humanidade é sutil, mas é enorme, como comprova a parte sete do livro “Helena Blavatsky”, de Sylvia Cranston. [1]
E cabe perguntar:
“Qual é a obra mais importante que HPB produziu?”
A verdadeira obra-prima desta pensadora russa não é “A Doutrina Secreta”, nem “Ísis Sem Véu”. Não é “A Voz do Silêncio” nem “A Chave da Teosofia”. Nem está em qualquer um dos 15 volumes dos seus extraordinários textos curtos, os “Escritos Reunidos” (Collected Writings). [2]
A verdadeira obra-prima de HPB - e o seu maior presente para a humanidade - é provavelmente o próprio movimento teosófico, visto como um processo magnético vivo e coletivo, isto é, social e compartilhado, de conexão com o mundo da alma imortal.
Trata-se de um processo de pesquisa, de ensino e aprendizagem. E também de um campo vibratório sutil, um espaço de ajuda mútua e aprendizagem de almas. Sendo vivo, está sujeito aos altos e baixos da maré de tudo o que existe. Precisa passar por momentos de relativa morte, de ampla derrota, para ter depois a ressurreição, o renascimento, a vitória. Precisa passar pela experiência desagradável de perder o rumo, para então recuperar-se e retomar a caminhada na direção da luz.
A obra escrita de HPB, embora seja admirável, nunca foi uma meta em si mesma. Seus escritos são um instrumento prático para que a humanidade cumpra melhor a próxima etapa do seu processo evolutivo. Os livros de Blavatsky são parte do movimento teosófico. São ferramentas de trabalho dos teosofistas, à medida que eles tratam de viver e despertar mais fortemente o processo de surgimento de uma nova consciência universal.
E neste ponto há um fato que muitos ignoram.
O ensinamento teosófico só pode ser compreendido quando é examinado desde o ponto de vista do esforço coletivo que HPB criou, ou seja, desde o ponto de vista do movimento teosófico, cuja meta é trabalhar para que a humanidade se liberte pelo menos dos aspectos mais grotescos da ignorância espiritual, da esperteza egocêntrica e do desrespeito pela vida.
Não basta, e é relativamente inútil, portanto, tratar de apropriar-se das informações presentes nos livros de HPB, ou mesmo nas Cartas dos Mestres, e recitá-las com elegância enquanto bebe chá com os amigos. É preciso morrer internamente para a ilusão egocêntrica, antes de perceber o significado mais profundo do ensinamento teosófico. A caminhada nesta direção pode ser longa, mas este é o Caminho. Nele avançamos pouco a pouco.
Francisco de Assis ensinou a mais perfeita teosofia ao dizer que “é morrendo que se nasce para a vida eterna”. Porque é, sem dúvida, morrendo para a ignorância ética e para a mera preocupação consigo mesmo que se nasce para a compreensão da teosofia e para o altruísmo.
O significado dos melhores textos teosóficos só pode ser compreendido quando existe no leitor um compromisso pessoal durável com a sua própria autotransformação para melhor, e com a transformação do mundo inteiro para melhor. Estes dois aprendizados são inseparáveis, e devem ocorrer através das lojas teosóficas.
O espelho, o exemplo e o estímulo dados pelos seus semelhantes são fundamentais para o progresso do peregrino. Diante dos desafios e perigos da vida, o aprendiz de teosofia tem três refúgios principais. O primeiro é a fonte viva da sabedoria que ele encontra gradualmente em sua própria alma. O segundo refúgio é o ensinamento autêntico, registrado por escrito, que ele pode estudar individualmente e em grupo. O terceiro é a comunidade de buscadores, a Loja Teosófica, cujo ambiente de convívio e cujo trabalho conjunto permitem que ele teste o seu aprendizado na prática, tirando lições dos tropeços próprios e alheios, e também das vitórias.
Os três refúgios são essencialmente inseparáveis.
O despertar individual só acontece quando está unido ao despertar do mundo. Ele só pode ocorrer através do esforço altruísta orgânico. Uma loja teosófica, pedagogicamente consciente e centrada na teosofia autêntica, é o ambiente em que acontece a transformação alquímica do chumbo egocêntrico no ouro da fraternidade altruísta.
O movimento teosófico autêntico é, na realidade, uma escola prática de filosofia. Ele é “uma pedagogia em movimento”. Ele permite trazer para a vida diária, no século 21 e nos séculos seguintes, o ensinamento ético, místico e filosófico de todos os tempos. Ele dá as chaves de interpretação que permitem compreender melhor as diferentes tradições culturais e religiosas.
A sabedoria transcende as palavras.
Os escritos são úteis. As palavras corretas são sagradas. Mas elas podem apenas apontar na direção da sabedoria.
O movimento teosófico, quando sensato, é o âmbito de pesquisa e aprendizagem em que as palavras são testadas na prática e transformadas em ação. Por isso ele constitui em si mesmo um núcleo vivo de transformação da vida humana para melhor. Este núcleo tem o privilégio de participar ativamente da preparação das próximas etapas da humanidade.
A Loja Como Laboratório
Entre as diferentes escolas internacionais de pensamento teosófico, a Loja Independente de Teosofistas ocupa posição pioneira. Ela pertence à aquela linhagem ainda pequena que já reconhece o ensinamento das Cartas dos Mahatmas e dos escritos de HPB como a grande chave e a grande prioridade do movimento [3]. Por esse motivo, a Loja Independente não segue nenhuma das linhagens mais burocráticas do movimento, organizadas por Annie Besant e por William Q. Judge.
A verdadeira obra-prima de HPB não é só dela. Não está totalmente escrita nem publicada na Internet, ou em papel. Cada estudante sincero em qualquer país pode ser seu coautor. Está a seu alcance criá-la e mantê-la viva em sua própria existência diária.
A obra-prima deve ser escrita na alma, como ensinou Platão. Trata-se de uma reedição permanente. Cada estudante atento é capaz de captar a força viva dos escritos altruístas de Blavatsky e das Cartas dos Mestres. Ele pode registrá-los e gravá-los todos os dias em sua existência e em seu próprio espírito. E isso ele consegue na medida em que trabalha para fazer da sua loja teosófica um perfeito laboratório alquímico, dedicado à produção prática do ouro da fraternidade com discernimento.
NOTAS:
[1] Editora Teosófica, Brasília, 1997, 678 páginas.
[2] O volume XV é o índice remissivo; e um outro volume traduz ao inglês os escritos de HPB em língua russa: “From the Caves and Jungles of Hindostan”.
[3] Leia os artigos “Estudos Sobre a Pré-História da LIT” e “O Perfil da Loja Independente”.
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Uma versão anterior do texto “A Obra-Prima de H.P. Blavatsky” foi publicada sem indicação de nome de autor na edição de novembro de 2009 de “O Teosofista”. Título original: “Qual é a Obra-Prima de H.P. Blavatsky?”. O artigo foi publicado como texto independente em abril de 2010, tendo sido atualizado em junho de 2024.
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Leia mais:
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Sobre o crescimento interior e a
transformação pessoal no século 21, leia a obra “O Poder da Sabedoria”, de Carlos Cardoso Aveline.
O livro foi publicado pela Editora
Teosófica, de Brasília, tem 189 páginas divididas por 20 capítulos e inclui uma
série de exercícios práticos. Está na terceira edição.
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