A Arte do Arco e
da
Flecha Simboliza a
Concentração
“Tendo agarrado o arco, a grande arma, deves colocar
nele a
flecha, aguçada pela devoção. E então, tendo esticado
o arco com o
pensamento voltado para o que é verdadeiro, deves
alcançar o alvo,
ó amigo -, o
Indestrutível. OM é o arco. O Eu Superior é a flecha.
Brahman é o seu alvo. Ele será atingido por um homem
que não
age impensadamente; e, à medida que a flecha se torna
uma com
o alvo, o homem se tornará um com Brahman. Deves saber
que
só ele é o Eu Superior, deixando de lado outras
palavras. Ele é a
ponte para o Imortal. Medita no Eu como OM. Eu te
saúdo e
desejo que possas atravessar e ir até além do mar de
escuridão.”
MUNDAKA UPANIXADE, Seção II, 2: 3-6
A arte do arco e flecha
está sempre em uso, seja nas nações civilizadas ou entre povos de hábitos
selvagens. Nós vemos que Arjuna, um príncipe indiano, é dono de um arco
maravilhoso chamado Gandiva, presente dos deuses. Só o seu dono era capaz de
usá-lo, e, na guerra, ele espalhava terror nas fileiras do inimigo. Arjuna era
um guerreiro extraordinário. Ele podia usar Gandiva tanto com sua mão esquerda
como com sua mão direita, e em certa passagem do diálogo do “Bhagavad
Gita” Krishna se dirige a ele dizendo, “tu que utilizas as duas mãos”.
O
arco faz parte das vidas dos heróis gregos, e neste momento o romancista Louis
Stevenson está publicando um livro em que faz uma homenagem a um arco, o arco
de guerra que pertenceu a Ulisses. Quando chegava o momento da guerra, o arco
cantava a sua própria canção, peculiar, aguda, clara, e as flechas disparadas
dele alcançavam o alvo.
A
arte do arco e da flecha é uma prática que simboliza a concentração. Há o
arqueiro, a flecha, o arco, e o alvo a ser atingido. Para alcançar o alvo é
necessário concentrar a mente, o olho e o corpo em muitos pontos
simultaneamente, enquanto ao mesmo tempo a corda do arco deve ser liberada sem
perturbar a mira. O ato de puxar para trás a corda com a flecha deve ser feito
no nível correto, com firmeza, e na linha da visão. Quando a força, o impulso,
a mira e a linha da visão estão aperfeiçoados, a flecha deve ser liberada
suavemente no momento em que há força total, de modo que, pela volta do arco à
sua posição normal, ela possa ser deslocada em linha reta até o alvo.
Assim também, aqueles que buscam realmente a sabedoria são arqueiros
tentando atingir o alvo. Essa é a arte espiritual do arco e da flecha, e é a
ela que os versos do Mundaka Upanixade se referem.
Na
arte do arco e da flecha, deve-se assumir uma posição estável, e na busca da
verdade esta posição firme deve ser estabelecida e nunca abandonada, se é que
se pretende alcançar de fato, em algum momento, o objeto que se tem em vista.
O
olho não deve se desviar do alvo, porque, se isso acontecer, a flecha irá na
direção errada ou cairá antes de atingir a meta. Deste modo, se iniciamos a
busca da sabedoria, a mente e o coração não devem ter a possibilidade de
distrair-se, porque o caminho é estreito, e as distrações de um só dia podem
tornar necessários anos de esforço até que se alcance novamente o caminho.
A
qualidade do arco faz uma grande diferença nos resultados alcançados pelo
arqueiro. Se não for um arco eficiente, forte e com uma boa elasticidade,
as flechas não voarão em linha reta, ou não terão força suficiente para
percorrer a trajetória necessária; e o mesmo ocorre com o homem que é o seu
próprio arco. Se ele não tiver as características que o tornarão capaz de obter
todas as condições indispensáveis, o seu trabalho como um arqueiro espiritual
fracassará na mesma proporção.
Mas
ainda que o arco feito de madeira ou aço esteja sujeito a alterações, nós somos
intensamente encorajados pela ideia de que, conforme é mostrado pelas
leis do carma e da reencarnação, em outras vidas e em corpos melhores nós
poderemos fazer um trabalho melhor. O arqueiro diz, também, que o arco
frequentemente parece alterar-se de acordo com o tempo ou com outros fatores
terrenos, e em alguns dias funcionará muito melhor do que em outros.
A
mesma coisa é percebida pelo teosofista observador. Ele compreende que também
está sujeito, de tempos em tempos, a mudanças em sua natureza que o capacitam
para realizações maiores e para estar mais perto da condição espiritual. Mas a
corda do arco deve estar sempre firme; e isto, na arte espiritual do arco e da
flecha, simboliza a determinação constante de esforçar-se sempre para alcançar
a meta.
Quando
a flecha é apontada e lançada, ela deve estar um pouco erguida, levando-se em
conta a trajetória a ser percorrida. Caso contrário, cairá antes de chegar ao
alvo. Isso exemplifica no plano físico uma das necessidades da nossa
constituição humana, porque devemos ter uma meta mental e espiritual elevada,
se quisermos ter êxito.
Não
podemos alcançar a mesma altura da nossa meta, mas temos que levar em conta a
trajetória determinada pelas limitações da nossa natureza. A trajetória do arco
se deve à ação da força da gravidade sobre ele, e as nossas aspirações têm a
mesma curva, em consequência da atração dos sentidos, dos defeitos hereditários
e dos maus hábitos que nunca nos permitem fazer tanto quanto gostaríamos de
fazer.
Vamos
atingir o alvo, ó amigo! E o indestrutível alvo é a mais alta vida espiritual
de que somos capazes.
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O artigo acima foi traduzido da
coletânea em dois volumes “Theosophical Articles”, de William Q. Judge,
Theosophy Co., Los Angeles, 1980, ver volume II, 655 pp.,
pp.389-391. Título original: “Hit the Mark” (literalmente, “Atinja
o Alvo”). O texto foi publicado originalmente na Revista “Path”, de Nova
Iorque, em setembro de 1890, sob o pseudônimo de “William Brehon”.