De que Modo a Paz e a Liberdade Substituem o
Sofrimento
The Theosophical Movement

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Nota Editorial:
Publicado originalmente na Índia,
o
artigo a seguir [1] descreve o rumo e o
aprendizado de longo prazo da
alma humana.
O leitor deve levar em conta que uma
tal trajetória
se dá ao longo de várias encarnações. Por
outro lado,
alguns passos simples e
concretos, tomados hoje,
abrem caminhos e oportunidades para
o dia de amanhã.
Cabe lembrar o ditado taoista que
diz: “uma caminhada
de dez mil quilômetros começa com o primeiro passo”.
(Carlos Cardoso Aveline)
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Em algum ponto da sua jornada espiritual, todo estudante sério da sabedoria
tem necessidade de saber se está fazendo progresso. Quais são os sinais do
crescimento espiritual? Há estágios definidos de crescimento? Em que momento é
necessária a ajuda de um guru?
Todas as tradições espirituais recomendam que não nos
preocupemos com o progresso. Conta-se aquela história de um discípulo a quem
foi dito que necessitaria dez anos para alcançar a autorrealização. Ele quis
saber se, trabalhando duro, poderia alcançar a meta em menos tempo. A resposta
foi que neste caso ele demoraria muito mais tempo, porque, enquanto há preocupação
em alcançar a meta, não é possível dar o melhor de si para a busca
espiritual.
A obra “Luz no Caminho” recomenda:
“Cresce como a flor. Ela cresce inconscientemente, porém
com uma forte ansiedade por abrir a sua alma para o ar. Assim também tu deves
fazer um esforço para ir adiante e abrir a tua alma em direção ao eterno.” [2]
No entanto, é recomendável praticar a auto-observação ao
final de cada dia, para tornar-nos conscientes dos nossos pontos fortes e das
nossas fraquezas, tomando uma decisão eficaz de não repetir os erros.
O desenvolvimento espiritual é um processo lento. Como bons
jardineiros, devemos preocupar-nos somente com a tarefa de nutrir bem a planta
da alma, sem forçar o seu crescimento. Ela pode não estar suficientemente forte
para produzir frutos quando nós queremos, mas algum dia ela produzirá. Basta para
que isso aconteça que não sejamos ansiosos e que a alimentemos corretamente.
“Aprender significa estar contentes, ou melhor, resignados com nós mesmos e
nossas limitações, mesmo enquanto lutamos para ir além delas...... Não podemos viver todos nós imediatamente à
altura destes altos ideais, como alguns outros conseguem”, escreve William
Judge. [3]
Talvez durante um longo tempo não haja quaisquer sinais visíveis
do nosso progresso. Mas o importante nesta jornada não é o quanto nós progredimos. O importante é em que direção estamos
avançando. Há certos fatos que indicam se estamos mudando e crescendo, e se
estamos na direção certa. Certas experiências e intuições são comuns a todos os
aspirantes espirituais.
Pessoas diferentes têm modos diferentes de progredir.
Cada um abre para si mesmo um caminho único. O processo não ocorre como se
alguém avançasse por um caminho lamacento, deixando detrás de si pegadas
inconfundíveis que os outros podem seguir para alcançar a meta. H. P. Blavatsky
também disse:
“Não sigam a mim, nem meus passos, mas sigam o Caminho
que eu indico.”
Cada ser humano é único, e embora haja certas
experiências básicas pelas quais todos têm de passar, os passos exatos e o
ritmo de crescimento não são os mesmos. O Buddha diz que o caminho de uma
pessoa que alcançou a autorrealização “é tão difícil de determinar como o voo
dos pássaros pelo céu”.
Quando começa o processo da mudança, podemos ver a
transformação nos planos físico, mental, emocional e moral. À medida que
progredimos, somos capazes de permanecer serenos e continuar com nosso trabalho
mesmo quando o corpo está doente, porque somos capazes de dissociar-nos do
corpo. Mais adiante, percebemos que temos maior controle dos nossos pensamentos
e emoções. Há menos necessidade de depender dos outros. O antigo desejo por
novidades e sensações é lentamente substituído pela satisfação da paz. Podemos
descobrir que perdoamos mais e temos mais compaixão, e que aceitamos mais
facilmente as pessoas e as circunstâncias.
Há uma transição gradual no sentido de estarmos menos
centrados em nós mesmos. Passamos a ser mais solidários e altruístas, e isso
forma a essência do verdadeiro progresso. Janki C. dá uma descrição do processo
quando diz que, no primeiro estágio, estamos na Idade da Inocência, e
esperamos, como crianças, que alguém nos ame e cuide de nós. Deus existe para
atender os nossos desejos. O estágio seguinte é a Idade da Desilusão. Ao ver a
realidade da vida, muitos se tornam cínicos e materialistas. Vem depois a Idade
da Responsabilidade, quando o buscador começa a assumir o controle da sua
própria vida. Mais tarde ele avançará para o estágio seguinte, a Idade da
Solidariedade. Nela, ao invés de querer que os outros compartilhem da sua dor,
ele deseja aliviar a dor dos outros. A Idade da Iluminação ocorre muito depois
da Idade da Solidariedade. Agora o amor se torna universal, e há uma completa
identificação do indivíduo com os outros seres. É a culminação do crescimento
espiritual. É o estágio da autorrealização. [4]
Nesta jornada em direção à perfeição espiritual, cada
tradição religiosa fala de estágios definidos, que são marcos referenciais do
crescimento interior. Por exemplo, no livro budista Mahayana “A Voz do
Silêncio”, vemos quatro estágios de aperfeiçoamento espiritual, começando com Srotapatti,
“aquele que entrou na corrente” que leva ao oceano do Nirvana. Este é o
primeiro Caminho. O segundo é Sakridagamin, “aquele que nascerá só mais
uma vez”. O terceiro é chamado de Anagamin, “aquele que não reencarnará
mais”, a menos que decida fazer isso para ajudar a humanidade. O quarto é
conhecido como Rahat ou Arhat. Este é o mais alto. Um Arhat vê o
Nirvana durante a sua vida. [5]
Sangharakshita, um instrutor budista, explica estes
estágios em seu livro “A Guide to the Buddhist Path”. Ele assinala que segundo o
budismo há dez grilhões prendendo a pessoa à Roda da Vida ou bhavachakra.
Aquele que entra na corrente (Srotapatti) é alguém que desenvolveu uma grande
percepção espiritual sobre a natureza da existência, e foi capaz de quebrar
três dos dez grilhões.
Os três grilhões são os seguintes.
1. Satkaya-dristi
ou visão baseada na personalidade. Satkaya-dristi é a visão equivocada de que “eu sou eu”,
um homem ou uma mulher com um nome especial, ao invés de ser uma parte
inseparável do todo. Esta é a ideia de que o “eu” constitui alguma coisa em si
mesmo; de que eu, tal como me conheço aqui e agora, com este corpo e esta mente
particulares, sou uma espécie de entidade fixa e imutável. Em outras palavras, este
grilhão é a crença de que o “eu” é algo real. Você não pode entrar na Corrente
enquanto não tiver se afastado de nome e forma, da existência pessoal, de todas
as coisas em que você pensa como sendo “você”. Isso não significa dizer que não
existe um “eu”, mas significa admitir que todos os aspectos do seu ser estão
sujeitos a mudança. Quebrar este grilhão é compreender que depois da morte não
existe nem a completa aniquilação da identidade pessoal, nem tampouco a
persistência imutável da identidade
pessoal. O budismo ensina um caminho do meio. Mesmo quando o corpo morre, não
há uma alma-eu imutável que continue. É o processo - mental,
psicológico, espiritual - que continua, em toda a sua complexidade, sempre
mudando e fluindo como uma corrente.
2. O segundo
grilhão é vicikitsa ou dúvida cética. É a dúvida ou indecisão de uma pessoa que “fica no
muro”, oscilando o tempo todo, sem comprometer-se. Vicikitsa é a recusa
a comprometer-se sem reservas com a vida espiritual; você ouve falar dela, você
fala sobre ela, mas continua ficando para trás. Como você poderá se tornar Aquele
que entra na Corrente, se insiste em permanecer na margem? Se quiser nadar, não
adianta ficar alimentando dúvidas agarrado à beira. Você deve saltar. Vicikitsa
é um medo do salto e uma recusa a comprometer-se.
3. O terceiro
grilhão é silavratta-paramarsa. É pensar que as regras religiosas e éticas são fins em
si mesmas. O Buddha sempre disse que os preceitos éticos, as observâncias
religiosas e mesmo o estudo das escrituras são como um barco, um instrumento
para alcançar uma meta. Você não carrega o barco na sua cabeça depois que ele
cumpriu a função de permitir que você cruzasse o rio. Os preceitos e as práticas
se tornam grilhões, quando nós os cumprimos sem a devida reflexão. O apego à
moralidade convencional não pode levar-nos muito longe no caminho espiritual.
Há pessoas que parecem muito éticas e
nobres, e cumprem todos os preceitos, mas sofrem de uma certa obsessão em
relação à sua própria virtude e têm uma atitude de quem pensa que “é mais
espiritual que os outros”.
De acordo com a tradição budista, uma vez que o indivíduo
quebrou os três primeiros grilhões e alcançou o primeiro estágio - de Srotapatti
-, ele tem diante de si só mais sete encarnações, antes de alcançar o Nirvana.
O segundo estágio do caminho é o estágio daquele que
voltará uma só vez, Sakridagamin. Como ser humano, ele viverá na terra uma
última encarnação. Ele quebrou três grilhões, e enfraquece outros dois, que são kama-raga, o desejo de
existência sensorial, e vyapada, raiva ou animosidade.
O terceiro estágio é o daquele que não retorna, Anagamin.
Ele quebra estes cinco grilhões, de modo que não nasce mais no plano humano,
mas renasce nos planos chamados “moradas puras”. O quarto estágio é o de Arhat
(“o digno”), que alcançou a iluminação ao quebrar a outra série de cinco
grilhões, mais elevados. Assim,
podemos ver que a jornada é longa.
Na tradição de Raja Ioga, há vários graus de discipulado
(chelado).
Há chelas leigos, e há aqueles que estão tentando chegar
à condição de chelas leigos. “Um chela leigo é um homem do mundo que afirma o
seu desejo de tornar-se sábio nas coisas espirituais”. A seguir, o indivíduo se
torna um chela leigo em provação e, finalmente, um chela aceito.
Quanto aos chelas em provação, há uma regra segundo a
qual eles devem inevitavelmente passar pelo menos sete anos de testes. Estes
“testes” não são provas fixas. É examinada a atitude do chela diante de vários
acontecimentos e circunstâncias que surgem em sua vida. Ao final do período ele
pode ser aceito ou reprovado. O chela em provação estuda sob a orientação de um
chela mais antigo. Um chela em provação deve trabalhar inegoisticamente pela
humanidade e tentar libertar-se da ideia de “eu” pessoal, cultivando a
intuição. Algumas das qualificações esperadas de um chela são: perfeita saúde
física; absoluta pureza mental e física; intenção destituída de egoísmo;
solidariedade universal e compaixão por todos os seres vivos; veracidade; firme
confiança na lei do carma; e uma percepção intuitiva de que ele é um veículo ou
instrumento do Atma divino.[6]
Estas condições devem ser alcançadas na natureza interior
do chela por seus ESFORÇOS SEM AJUDA. Além disso, é apenas quando obtém o
controle do seu corpo (sharira); dos seus sentidos (indriya); e
quando domina seus erros (dosha) e seu sofrimento (dukha),
reconhecendo em Atma o mais alto princípio de orientação individual, que
o chela passa − de acordo com regras em vigor há muito tempo − a ser ensinado
por um dos Iniciados. Neste ponto ele torna-se um chela aceito.
No estágio de chela aceito, o indivíduo é colocado frente
a frente com seu Mestre e é instruído em ocultismo prático. Isto não acontece
rapidamente. É um processo longo e lento. Quando o Mestre (Guru) começa
realmente a ensinar, ele assume como se fossem seus − de acordo com a Ciência
Oculta - os erros daquele aluno. Isto ocorre em relação aos erros cometidos por
ação ou por omissão, até que o aluno alcance o estágio de adepto, através das
iniciações, e se torne por sua vez plenamente responsável. Até o estágio de
chela aceito, na tradição de Raja Ioga, o chela não tem permissão de usar os poderes
que possa ter adquirido. William Judge, em seu artigo “Of Occult Powers and
Their Acquirement”, conta que os poderes
adquiridos podem ficar adormecidos e paralisados como as rodas de uma caixa de música. É preciso dar a corda na caixa musical, para
que o mecanismo funcione. O Mestre pode dar corda e colocar o processo em
andamento; mas ele também pode se recusar a dar o impulso necessário. Além de recusar-se a dar o impulso, ele pode
também evitar que as engrenagens se movam. Na medida em que ele vê claramente a
motivação e a disposição do aluno, ele também pode fazer uma exceção.
É por isso que encontramos esta recomendação
em “A Voz do Silêncio”:
“Prepara-te, pois terás de viajar
sozinho. O Instrutor só pode apontar o caminho.” (Aforismo 197 na edição online
dos nossos websites associados.)
Enquanto o buscador não tiver alcançado o estágio em que
ele possui autoconfiança, intuição e um completo controle da sua natureza
pessoal, ele só terá a ajuda dos planos internos do seu ser, através de indícios,
ideias e inspiração. Se um Mestre fosse ajudar ou interferir em cada estágio,
não haveria crescimento. O fato é ilustrado pela história do homem que
encontrou um casulo de borboleta, no qual já havia uma pequena abertura. Ele observou
durante várias horas a luta da borboleta para romper o casulo e libertar-se. Decidiu
ajudar a borboleta. Para isso, cortou com uma pequena tesoura o que faltava
romper do casulo. Como resultado, a borboleta emergiu com um corpo inchado e um
par de asas pequenas e enrugadas, e ficou sem poder voar pelo resto da vida.
Acontece que, no processo natural, à medida que a
borboleta tenta abrir caminho através da pequena abertura no casulo que a
prende, o fluido se transfere do seu corpo para as asas. É assim que as asas se
expandem, se fortalecem e ficam prontas para o voo. “No mundo mental, assim
como no mundo espiritual, cada homem deve avançar por seus próprios esforços”,
escreveu H.P. Blavatsky.
NOTAS:
[1] Traduzido da edição de janeiro
de 2009 da revista internacional indiana “The Theosophical Movement”, pp.
83-88. Título original: “Stages of Spiritual Growth”.
[2] “Luz no Caminho”, M.C., The
Aquarian Theosophist, Portugal, 2013, ver p. 22.
[3] “Letters That Have Helped Me”, William
Judge, Theosophy Company, Los Angeles.
[4] Jornal “The Times of India”, 21
de julho de 2008.
[5] “A Voz do Silêncio”, Helena P.
Blavatsky, edição completa dos nossos websites associados, veja o aforismo 201
e sua nota de rodapé.
[6] Veja o texto intitulado “Chelas e
Chelas Leigos”, que está disponível em nossos websites associados.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação
do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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