A Filosofia Esotérica Ensina a
Sabedoria, Não a Ilusão; Imagens
Simbólicas Não Devem Ser Aceitas Literalmente
Carlos Cardoso Aveline
A Lei do Carma e do Equilíbrio é
central e imutável: portanto, ela é Real.
A Teosofia não está limitada à linguagem externa. Em
filosofia esotérica, as palavras são instrumentos sagrados que nos ajudam a obter
e transmitir sabedoria e compreensão diretas.
O real significado das palavras deve ser examinado,
portanto.
O uso desatento da palavra “Maya”, por exemplo, é
perigoso porque causa confusão. Devidamente percebido, o perigo se torna fonte
de aprendizagem. Ao compreender a possibilidade do erro, o aprendiz obtém uma
visão mais ampla das coisas e desenvolve uma atenção profunda diante da vida.
A palavra sânscrita “Maya” significa “Ilusão”, e se
aplica tanto ao Universo como à Natureza observável em nosso planeta.
O “Glossário Teosófico” de Helena Blavatsky (Ed. Ground)
acrescenta:
“Segundo a filosofia hindu, apenas aquilo que é imutável
e eterno merece o nome de realidade.”
Este axioma deve ser corretamente compreendido. Ele não
condena os seres humanos a uma lamentável situação em que eles teriam que pensar:
“Se tudo no universo é ilusão, então é correto iludir a nós próprios
enquanto iludimos os outros”.
Longe disso.
A Lei do Carma é central e imutável: portanto, ela é
real. E nós podemos conhecer a lei do carma. Podemos estudá-la. Podemos
percebê-la. Podemos observar o seu funcionamento prático em nossas vidas e na
Natureza ao nosso redor.
As três Leis de Newton são aspectos da lei do carma. A
reencarnação é um aspecto da lei do carma. O mesmo pode ser dito da lei dos
ciclos, da lei da simetria, e assim sucessivamente.
Os Adeptos, os Iniciados e os Mahatmas estão sujeitos à
maré e às oscilações do Carma. Mas eles compreenderam completamente a Absoluta
Lei da Justiça que governa o universo; e cooperam com ela.
Dentro das nossas limitações, nós também não só
sabemos, mas também podemos verificar por nós mesmos que tudo é governado pela
Lei. Assim, a ideia de que o Universo seja uma Ilusão no sentido comum da
palavra não faz sentido. A culpa não é do Universo, se os seres humanos iludem
a si próprios. O Universo é a Verdade em Movimento, e ela se movimenta de acordo
com a Lei.
Na lenda do Buddha, Maya é o nome da mãe de
Gautama. A ideia de uma mãe é um símbolo do amor altruísta. A afinidade
e a harmonia movem a Natureza, e o Amor é inseparável da Verdade. A Natureza só
é ilusória nos seus aspectos externos, ou quando é vista por indivíduos que não
percebem a Lei do Equilíbrio e da Simetria guiando-os silenciosamente, dando um
rumo às suas ações e a tudo o que os rodeia, e regulando constantemente o ritmo
da vida.
Vamos supor, no entanto, que podemos deixar de lado por
um momento a ideia de Lei, e dizer que “só o Absoluto insondável é
Realidade, e tudo o mais é ilusão”.
Neste caso devemos admitir, honestamente, o fato de que
esta noção é adotada por nós apenas por ouvir dizer, já que não estamos
de modo algum perto do Absoluto em nossa mente racional.
Quem já visitou o Absoluto e voltou até nós para dizer
que “Só o Absoluto é Real”? E que provas tal pessoa possui para demonstrar tal
afirmação? A expressão poética sobre o mundo ser uma “Ilusão” pode ser escutada
por nós com base na tradição, e muito modestamente. Neste caso não estamos
diante de nada que faça sentido, de modo literal, desde o ponto de vista do
nosso aprendizado. Filosoficamente, dizer que nós “vivemos em Ilusão”
deve ser na verdade uma expressão simbólica, cujo significado real é: “Vivemos em uma realidade que está
perpetuamente renovando a si mesma”.
Caso contrário a ideia é pior que inútil e um absurdo
infeliz.
Cada ciclo de espaço-tempo tem a sua própria realidade,
ou níveis de realidade, e tais realidades são verificáveis. O Universo não é
unilinear. Ele é setenário. Cada um dos seus sete níveis é por sua vez também
setenário, e assim sucessivamente.
O universo inclui um número infinito de linhas cármicas
de evolução, cada uma com os seus próprios aspectos e ciclos e suas variadas
linhas de tempo. Há, portanto, múltiplas realidades. Todas elas mantêm um
eterno diálogo entre si, e estão estreitamente unidas através da Lei Universal
que rege a cada uma delas.
Examinando a Palavra
“Realidade”
É também aconselhável examinar a palavra “realidade”. Ela
vem do termo do latim “Res”, que significa “coisa”. A palavra
“república”, por exemplo, significa “a coisa pública”.
Dizer que “Só o Absoluto é Real” constitui uma contradição
em termos, um absurdo, se encarado de modo literal, porque significa que “Só o
Absoluto é uma Coisa”, ou “Só o Absoluto é uma Coisa De Fato”, e todos sabem
que o Absoluto não pode ser uma coisa ou objeto.
O Absoluto está muito além de qualquer “res”. Ele transcende
toda “realidade” ou “situação das coisas”.
É inútil especular sobre o Absoluto. Assim, dizer que só
o Absoluto é, literalmente, real e verdadeiro, constitui uma especulação
indevida. A palavra “só” implica uma separação do Absoluto, uma exclusividade
para ele; e ninguém pode dizer que o Absoluto está separado, ou apartado, do
Universo.
A Verdade e a Lei são universais, e, portanto, estão em todo
lugar. A Lei e a Verdade são onipresentes, embora possam estar implícitas, e os
humanos têm a possibilidade de percebê-las por mérito próprio.
Cada ser humano vive rodeado de coisas, tanto objetivas
quanto subjetivas. Ele está rodeado de realidades. Se deixarmos de lado
as expressões poéticas do idioma sânscrito, veremos que há algo muito melhor do
que repetir resignadamente que a “nossa realidade é uma ilusão”.
É mais eficiente dizer que a nossa realidade é dinâmica;
que ela muda; que é cíclica, e, portanto, impermanente em seus
efeitos externos. Nossa realidade é muito consistente, no entanto, dentro
dos seus próprios ciclos de evolução.
Cada ser vive em sua “realidade individualizada”. Mas ele
também compartilha parcelas de realidade - e de realidades - com todos os
outros seres e ordens de seres.
O mosquito e o ser humano vivem em diferentes realidades ou
espaço-tempos. Mas eles podem interagir. Nas obras “Transactions of the
Blavatsky Lodge” e “The Secret Doctrine Dialogues”, ambas publicadas pela
Theosophy Co., H.P. Blavatsky discute a inteligência das formigas. Embora a
formiga seja altamente inteligente, a realidade do seu espaço-tempo é bastante diferente
do espaço-tempo dos humanos. Seria inútil para as formigas discutirem conosco, tentando
convencer-nos de que o nosso espaço-tempo é uma ilusão. Nossa realidade é
apenas diferente.
É igualmente inútil para os humanos afirmarem que o
espaço-tempo de um formigueiro é ilusório, enquanto precisam prestar atenção
para não pisarem nele ao caminhar. O espaço-tempo de um formigueiro não é uma
ilusão. Ele não é igual ao nosso espaço-tempo, mas os dois interagem de várias
maneiras.
Assim como há um número desconhecido de formigueiros em
nosso planeta, há também um número desconhecido de universos, ao longo de um
número incalculável de pralaias e manvântaras[1], em uma Duração Ilimitada.
Ao viver a dinâmica da sua própria realidade ou condição
mutante das coisas, cada ser autoconsciente do universo pode avançar por
decisão própria em direção à teosofia, ou conhecimento dos aspectos
ilimitados da vida.
Este conhecimento não é alcançado através do sonho de que
“vivemos em uma ilusão”. O sonho (ou pesadelo) da ilusão apenas nos levaria a
viver como médiuns irresponsáveis.
O progresso em direção à teosofia é feito deslocando
nossas prioridades. Consiste em dar menos importância aos pequenos círculos espaciais
e reduzidos ciclos temporais da vida, para estudar com mais atenção os círculos
e ciclos que são maiores e mais amplos. Deste modo o estudante passa a compreender
algo daquele Espaço Ilimitado Abstrato e Eterno que permanece livre de todo
condicionamento, e com o qual o seu próprio Eu Superior está em harmonia e
unidade desde tempos imemoriais.
A Teosofia pode ser aprendida através da percepção da Lei
Única, e da cooperação com ela, tanto quanto possível, em cada aspecto da nossa
vida diária.
Um nome adequado para esta “estratégia” é ética
universal. Outro nome é o cumprimento do dever. A estratégia também
pode ser chamada de busca da sabedoria ou autoconhecimento.
A coisa em si, no entanto, está além dos nomes. Se
tivermos humildade suficiente, paciência suficiente, e suficiente coragem, podemos
avançar em direção a ela.
NOTA:
[1] Pralaias e manvântaras. Períodos de descanso e de manifestação do universo,
ou de um sistema solar, ou de um planeta. No universo, cada espaço tem o seu
próprio tempo, e seus ciclos de descanso e atividade.
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O conteúdo deste artigo corresponde ao capítulo seis da
obra “The Fire and Light of Theosophical Literature”, de Carlos Cardoso Aveline
(The Aquarian Theosophist, Portugal, 2013, 255 páginas). Título em inglês, “Truth and ‘Maya’ in Theosophy”.
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Em setembro de 2016, depois de
cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como
uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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