Catorze Pontos Para Um Trabalho Mais Eficaz
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
1.Examinando os Alicerces
Vale a pena examinar as bases da
caminhada em direção à sabedoria.
Não há
dúvida de que uma parte fundamental dos alicerces está na literatura. O
ensinamento é o marco referencial das transformações. As obras filosóficas clássicas
são ferramentas do esforço teosófico moderno.
E há
outro aspecto igualmente importante da caminhada: sem ele a literatura não
produziria efeitos e o ensinamento ficaria sendo virtualmente inútil. Trata-se
do estudo e da vivência do caminhante
individual e de um grupo de trabalho.
Nada é
automático ou garantido na vida. Nada pode ser considerado imutável. Tudo deve
ser reexaminado a cada dia. “Ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio”, diz
Heráclito, o sábio da Grécia antiga. E o escritor argentino Jorge Luís Borges
acrescenta: não só porque o rio mudou, mas também porque aquele que se banha é
outro, tem outras ideias e outras emoções.
Se
tudo muda a cada momento e cada coisa deve ser olhada sempre como se fosse pela
primeira vez, então também a prática do estudo e a experiência direta do
ensinamento precisam ser regularmente repensadas e reavaliadas. A filosofia
esotérica original nos convida a reexaminar a cada dia as bases e premissas da
nossa existência pessoal.
Ao
estudar teosofia, as mudanças podem ser lentas, mas são substanciais. À medida
que avançamos no caminho, o chão que pisamos passa a ser outro. O céu que nos
ilumina também já não é o mesmo, é maior - e as tempestades que ele nos traz
são diferentes.
Desse
modo, avaliar o que fazemos de prático com o ensinamento é tão importante
quanto responder quatro questões simultâneas: 1) Com que literatura vamos
trabalhar? 2) O ensinamento é confiável? 3) Ele amplia nossos horizontes e
transforma nossa vida para melhor? 4) Como fazer o estudo? Estes vários pontos
devem ser resolvidos em conjunto.
2. O Desafio da Vivência
Um
mestre de sabedoria usou palavras de um poeta inglês para definir o processo
maior dentro do qual se desenvolve o estudo diário do estudante. Ele citou:
“Autorrespeito,
autoconhecimento, autocontrole, só estes três dão à vida um poder soberano.” [1]
O
autoconhecimento permite o estabelecimento de um eixo simétrico que
equilibra, de um lado, o autorrespeito, e de outro, o autocontrole. E isso
obedece a uma lei, porque tudo é simétrico no caminho espiritual. O estudante deve
desenvolver os três elementos citados pelo mestre através de um tipo adequado de
vida cotidiana.
Em
outra carta, o mesmo raja-iogue dá sugestões valiosas para a disciplina diária de um aprendiz:
“Como
você pode discernir o real do irreal, o verdadeiro do falso? Só através do
autodesenvolvimento. Como conseguir isto? Primeiro, precavendo-se contra as
causas do autoengano. E isso você pode fazer dedicando-se, em determinada hora
ou horas fixas, a cada dia, totalmente só, à autocontemplação, a escrever, a
ler, a purificar suas motivações, a estudar e corrigir seus erros, ao planejamento
do seu trabalho na vida externa. Essas horas deveriam ser reservadas como algo
sagrado para este propósito, e ninguém, nem mesmo seu amigo ou seus amigos mais
íntimos, deveria estar com você naquele momento. Pouco a pouco sua visão ficará
clara, você descobrirá que as névoas se dissipam, que suas faculdades
interiores se fortalecem [...] e a certeza toma o lugar das dúvidas.”[2]
O
aprendiz deve criar o seu próprio esquema de disciplina diária. Quando
confrontado com a ideia de abrir um tempo regular para a sua prática
espiritual, porém, uma das primeiras reações do estudante é lamentar a força e
a intensidade dos seus compromissos familiares e profissionais. Essa questão específica é abordada por
um raja-iogue. Diz o Mestre:
“Parece
pouco a você que o ano anterior tenha sido empregado apenas em seus ‘deveres
familiares’? Não; que melhor causa para recompensa, que melhor disciplina que o
cumprimento do dever a cada hora e a cada dia? Creia-me, meu ‘aluno’, o homem
ou a mulher que é colocado pelo Carma no meio de deveres, sacrifícios e
amabilidades pequenos e definidos irá, através do fiel cumprimento deles,
erguer-se à dimensão maior do Dever, do Sacrifício e da Caridade para com toda
a humanidade. Que melhor caminho, para a iluminação buscada por você, que a
vitória diária sobre o Eu, a perseverança apesar da ausência de progresso
psíquico visível, o suportar da má-sorte com aquela serena resistência que a
transforma em vantagem espiritual - já que o bem e o mal não podem ser medidos
por acontecimentos no plano inferior ou físico? Não fique desencorajado porque
sua prática cai abaixo das suas expectativas; no entanto, não se satisfaça
apenas admitindo isso, já que você
reconhece que sua tendência é com demasiada frequência em direção à indolência
mental e moral, inclinando-se mais a avançar à deriva com as correntes da vida
que a definir seu próprio rumo direto. Seu progresso espiritual é maior do que
você sabe ou pode compreender [3], e
você faz bem em acreditar que este desenvolvimento é em si mesmo mais importante que a compreensão dele pela sua
consciência do plano físico.” [4]
3. Os Objetivos de um Grupo
Teosófico
Tanto
individual como coletivamente, a prática correta do estudo permite realizar os
três objetivos do esforço teosófico.
O primeiro
deles é a formação de um núcleo de fraternidade universal. Cada grupo deve
ver-se, na medida do possível, como um núcleo consciente dessa fraternidade sem
fronteiras: desse modo os seus membros entram gradualmente em sintonia com a
lei universal. A meta é reconhecer a unidade oculta que liga todos os seres sem
negar a diversidade da vida. Um olhar atento permite ver além das diferenças e revela a fraternidade universal que une não
só a espécie humana, mas todos os seres. A fraternidade transcendente entre todos
os seres é percebida como lei quando há um despertar de buddhi-manas - a
inteligência da alma imortal. Este é o próximo passo da evolução humana.
A luz de
Buddhi se abre em todas as direções.
Ela ilumina Manas, a mente. Ela purifica as emoções (Kama), aumenta nossa vitalidade (Prana), otimiza as condições de Linga-Sharira (o arquétipo vital que inclui o DNA e a carga
genética), e otimiza o funcionamento do corpo físico (Sthula-sharira). [5]
Um
segundo objetivo de um grupo de trabalho vivencial é o estudo comparado de
ciências, filosofias e religiões, com ênfase para a sabedoria oriental. Essa
meta aponta para a observação da verdade desde diferentes ângulos. Assim se rompe
dogmas, liberta-se a mente das formas externas e se estimula a luz da alma imortal.
Nesta tarefa avançamos através da compreensão. A submissão cega a supostas
autoridades espirituais é prejudicial, mas a devoção é bem-vinda quando está
firmemente ancorada na capacidade de pensar por si mesmo. É
necessária a iluminação gradual da mente, o princípio imediatamente inferior a Buddhi, que funciona como o centro de
gravidade da consciência na humanidade de hoje. O indivíduo deve deixar que Manas, seu mundo mental, seja invadido pela energia de Atma-Buddhi, a mônada, a alma superior.
Só assim a iluminação e a purificação dos seus princípios inferiores será
autêntica e duradoura. Nesse processo, o estudo meditativo cumpre função decisiva.
É preciso avançar articuladamente. O caminho
teosófico é trilhado à medida que o aprendiz transforma os vários aspectos da
sua vida e os coloca, um a um, a serviço da vivência do ensinamento. O estudo
de diferentes filosofias, ciências e religiões amplia horizontes e permite ao
indivíduo expandir sua mente em direção aos assuntos sagrados. Esta elevação
leva no seu devido tempo ao terceiro objetivo do movimento: quando o indivíduo
se torna um pioneiro das futuras civilizações baseadas na sabedoria, ele faz
despertar em si mesmo de modo natural as novas potencialidades da consciência
humana.
4. Reforçando Ligações Entre Teoria
e Prática
O estudo
da Sabedoria Divina é com frequência acusado de “excessivamente teórico”. Na
verdade, a sociedade consumista promove um desprezo quase oficial por tudo o
que exige reflexão. O cidadão ingênuo é levado hipnoticamente a pensar que uma
vida tensa e agitada é prática. Ele perde
a bênção de ler bons livros porque, governado pela ansiedade, pensa que a calma
leitura, sendo “teórica”, não é necessária.
A
verdadeira teoria, no entanto, é
contemplativa. A palavra vem do grego, theoria,
e significa originalmente “a ação de
contemplar”. Outras acepções do termo são menos importantes. A verdadeira teoria não só inclui a função
meditativa, mas anda junto com a prática. Apenas a falsa teoria é um
discurso vazio e desvinculado da realidade.
O
desprezo instintivo por palavras como “intelectual”, “racional” e “teórico” é
resultado da ação de duas antigas inimigas do buscador da verdade. Uma delas é
a preguiça mental. A outra, a ignorância espiritual. As
duas se reforçam mutuamente, e nenhum de nós está inteiramente livre
delas.
Como
desculpa para justificar a preguiça e evitar o estudo, alguns desorientados
usam o fato de que os grupos espiritualistas têm uma capacidade limitada de vivenciar
o bom ensinamento. Esta dificuldade é humana e natural. Devemos reconhecer com
franqueza as dificuldades individuais e coletivas. Mas a solução para esse
desafio não é, de modo algum, renunciar ao ideal. Assim agem apenas os que optam
pela covardia silenciosa. A solução é manter o ideal elevado, embora ele seja
desafiante, e renovar o método de estudo e trabalho, reforçando as ligações entre teoria e prática. É recomendável olhar
a teoria do ponto de vista da prática, e examinar a prática do ponto de vista
da teoria. Assim agem os sábios de todas as épocas e os seus aprendizes.
Será importante,
também, criar espaço para que se discuta com naturalidade, à luz da moderna psicologia, os
mecanismos produtores de hipocrisia, de jogos de aparência, de vaidade e de luta
por poder nos grupos humanos. Devemos discutir meios de criar grupos sempre mais
eficazes, com métodos transparentes e uma busca mais intensa e realista da
Verdade.
5. Uma Renovação Constante do
Trabalho
Foi
mencionado no item 1 o fato
de que nada é automático ou garantido na vida. Com a prática da caminhada, o aprendiz
de filosofia torna-se cada vez mais consciente desse “princípio da constante
mudança externa”. Já que tudo muda o tempo todo, é preciso examinar com atenção
e recriar constantemente o modo como se trabalha. Vejamos, em cinco itens,
algumas ideias úteis para essa tarefa:
a) Felicidade. Um grupo de trabalho teosófico
deve ter claro que o caminho da filosofia é o caminho da verdadeira felicidade,
e não do sofrimento. A sabedoria reduz as causas da dor física e elimina -
através da compreensão - as causas da dor emocional. O caminho da plenitude é
percorrido investigando a natureza da felicidade espiritual, da paz interior e
da bem-aventurança. A aprendizagem teosófica nada tem a ver com a religiosidade
autoritária, que pinta o caminho espiritual como algo que necessita de uma
resignação cega e de um sofrimento masoquista. É verdade que o caminho
teosófico requer uma sábia indiferença a dores e prazeres de curto prazo: mas o
que essa indiferença produz é contentamento duradouro, felicidade interior, e libertação
espiritual.
b) Convivência. Além da
compreensão do ensinamento escrito em si mesmo, deve haver espaço nas reuniões para
a discussão impessoal da arte de colocar o ensinamento em prática, sem abordar
situações pessoais vividas pelos presentes. Mesmo discutindo a prática, o clima
e a atitude impessoal devem ser mantidos. Independência solidária, e autonomia
com ajuda mútua, são ideias-chave. É recomendável que haja um bom intervalo
para lanche e bate-papo, e momentos de convivência amistosa e relaxada entre as
pessoas. Também no trabalho teosófico realizado online é possível promover uma troca
impessoal de experiências em que a caminhada de cada um fortalece a caminhada
de todos os outros. O esforço altruísta comum irmana as pessoas e faz com que o
indivíduo seja simultaneamente aluno e professor. Os resultados dos esforços se
comunicam. Quando um erra, é como se todos errassem; quando um acerta, é como
se todos acertassem.
c) Ambiente natural. O grupo deve fazer de tempos em
tempos um pequeno retiro durante um final de semana, se possível em uma área
rural e sossegada. Tais vivências podem ser também individuais. São ocasiões
dedicadas ao estudo, à reflexão e ao convívio direto com o ensinamento, e permitem
um encontro pessoal com a natureza e com o silêncio interior da sua própria
alma imortal. Nestas ocasiões, são testados, renovados e fortalecidos os laços
entre os companheiros de caminhada. Os retiros permitem que nos afastemos
durante algum tempo da aura psíquica contaminada das cidades para experimentar
uma imersão um pouco maior na sabedoria eterna. Não é à toa que, ainda no
século 19, em plena Índia, quando um raja-iogue desejava falar no plano físico com um discípulo, ele algumas
vezes pedia que o discípulo se afastasse da cidade. As vibrações densas da vida
urbana dificultam a circulação das energias sutis do altruísmo e da sabedoria.
Em todo o mundo, os movimentos espiritualistas mais eficazes dispõem de locais
de retiro e de trabalho junto à natureza. Em escala maior, a busca de sossego
junto à natureza é um fenômeno sociológico: dezenas de milhares de pessoas buscam
sossego passando a morar em pequenas chácaras nas periferias urbanas. Ou optam
por viver em pequenas cidades. Não há razão para o movimento teosófico ficar alheio
a essa tendência saudável.
d) Parcerias. Um grupo eficiente
de estudo filosófico deve estar aberto à criação de parcerias com outros
setores sociais. É bom estimular iniciativas comunitárias e culturais amplas,
que contribuam para a reconstrução da sociedade nos seus mais diversos
aspectos, a partir da ideia central da fraternidade sem fronteiras. O grupo
deve ter um sentimento de simpatia por todos os movimentos que visam melhorar a
condição humana e criar um novo tecido
social, um novo modo de viver
que é guiado pelo princípio da criatividade solidária.
e) Ousar viver o ensinamento. O que dá força e durabilidade ao
grupo é o fato de haver nele indivíduos que dedicam sua vida ao caminho da
verdade. O trabalho teosófico depende do impulso e do exemplo daqueles que renunciam
às ilusões materiais. Estes indivíduos abrem espaço para a caminhada espiritual.
Eles aceitam o silêncio interior e mergulham no aparente vazio do desapego.
Isso abre a porta para a plenitude da felicidade incondicional.
6. Os Desafios no Grupo e em Casa
O estudo
de filosofia rompe as rotinas física, emocional e mental. Ele abre novas
conexões entre os neurônios, e cria desafios. A mente pode ser como aquele
cavalo que deseja voltar para casa e que, ao primeiro sinal de distração de um cavaleiro
inexperiente, muda o rumo para onde prefere e vai rapidamente em direção ao
lugar costumeiro. A dinâmica acumulada dos apegos emocionais busca anular a
caminhada teosófica transformando-a num processo meramente nominal. A mente
subconsciente considera que o real é a rotina, e a rotina é o real. O que é
novo parece artificial e absurdo, mesmo que seja correto. Olhamos as coisas
erradas e dizemos “é lamentável, mas é a realidade”. Por isso é difícil, e
meritório, caminhar de fato em direção à libertação espiritual. É necessário nadar
contra a correnteza, mas, havendo firmeza, as dificuldades diminuem. Os
pitagóricos ensinavam:
“Faze o
que é correto, e isso com o tempo te será agradável.”
Não se
trata apenas de romper velhos hábitos. É preciso criar novos padrões de ação
prática, que reflitam o ideal buscado. Só o que é novo pode desativar as velhas
rotinas de ignorância. Pensamentos corretos, produzidos conscientemente, afastam
pouco a pouco os pensamentos errados. O mesmo ocorre no plano dos sentimentos e
das ações.
A leitura atenta de um bom livro filosófico educa
e fortalece nossa vontade. Ler não é só “escutar a voz do autor”. É, também,
uma forma de diálogo. É útil parar a cada parágrafo e debater com nós mesmos o
significado das frases lidas, avaliando as consequências potenciais da leitura
sobre nossa vida.
Toda leitura deve ser um debate vivo do qual
participam os vários níveis de consciência do leitor. Dessa maneira o ato de
ler deixa de ser um dever cansativo e passa a ser uma satisfação.
O objetivo do estudo filosófico não é memorizar coisa
alguma, mas compreender melhor a nossa própria vida e a vida maior da qual
fazemos parte, de modo a eliminar as causas do sofrimento e alcançar a
felicidade incondicional, unindo nossa pequena vontade à grande vontade da lei que
movimenta o universo. Em estratégia militar, informação é definida como “aquele conhecimento que nos permite
tomar melhores decisões”. O mesmo vale para o caminho teosófico. O conhecimento
verdadeiro é aquele que aumenta nossa aptidão para ser interiormente felizes e
nos permite tomar decisões mais corretas na vida. O resto é desinformação e
ruído.
7. A Prática do
Estudo: Manter o Foco
Durante os estudos em grupo, pequenas tentações
como a conversa paralela, o comentário pessoal e as histórias que um conta para
o outro são agradáveis para a mente corriqueira, porque servem como mecanismo
de descontração depois de um dia de trabalho e tensão. Afinal, o indivíduo está
entre amigos e quer desfrutar desse prazer.
Por isso, antes e depois de uma reunião de estudo,
deve haver alguns minutos para que os comentários e as conversas pessoais
possam ocorrer livremente.
Porém, uma vez que a reunião de estudo comece, é a
mente adulta que deve estar presente. É o coração que deve ser ouvido. E então
as conversas paralelas devem ser reconhecidas como uma praga que dispersa a
mente do grupo, dissolve o magnetismo do trabalho e transforma a reunião em um
conglomerado de mentes confusas.
O bate-papo solto, antes do início do estudo, deve
ser suficientemente longo para acalmar as emoções. Então vem a meditação de
abertura, que pode ser dirigida por um estudante experiente, e que serve para
que todos se esvaziem psicologicamente de assuntos pessoais de curto e médio
prazo, focando suas mentes e corações nas questões mais importantes e
duradouras da vida.
Depois do estudo, uma nova meditação fecha os
trabalhos, trazendo desde o plano verbal até o silêncio do coração a energia
gerada pelo esforço comum. Antes de todos saírem do local, há mais alguns
minutos em que cada um pode conversar livremente com esse ou aquele, e talvez
tomar um gole de chá, combinando detalhes do trabalho, trocando novidades,
tirando alguma dúvida pessoal do estudo ou esclarecendo um ponto que ficou
obscuro no que se falou.
8. Dinâmica do Grupo e
Democratização do Saber
Em um
estudo em grupo, não há apenas níveis superiores de consciência em ação. A
interação das pessoas é uma oportunidade para perceber de que modo ferimos as
pessoas, de que modo elas nos incomodam, em que devemos mudar e como se pode
aumentar a eficiência da caminhada de todos, incluindo o plano emocional.
Durante
a reunião, é recomendável observar simultaneamente três níveis da realidade em
movimento: 1) a dinâmica de estudo do tema em foco; 2) o processo intuitivo da
inteligência espiritual que o estudo estimula no grupo; 3) a interação
emocional das pessoas, que frequentemente distorce a verdade.
Assim se
desenvolve uma atenção capaz de expandir os processos conscientes e
supraconscientes e de educar os processos subconscientes, purificando-os e
transmutando-os. À medida que o trabalho avança, os processos subconscientes
são colocados a serviço da inteligência espiritual. Todo grupo tem um drama e
uma dinâmica de emoções. As pessoas cumprem papéis socialmente estabelecidos. Talentos
e defeitos são distribuídos a este ou aquele. Que papel eu escolho desempenhar
em um grupo? Que papel o grupo atribui a mim? Que papel o meu subconsciente
atribui a mim mesmo, ou a quem me admira, ou a quem não pensa o melhor a meu
respeito? E que papel atribuo conscientemente a mim mesmo?
Será que
eu cumpro o papel do distraído, do rebelde, do chato, do descuidado, o papel do
teórico, do sábio, do humilde, ou o papel da autoridade? Será que cumpro esses
papéis segundo minha opinião, ou segundo a opinião dos outros? Que papéis eu
cumpro na opinião das diferentes pessoas? Como se dá todo esse jogo de imagens?
Será que eu sou independente dele? E - até que ponto?
Para que
o jogo de aparências não asfixie a expressão do espírito, não deve haver papéis
muito rígidos em um grupo. O líder de um dia pode e deve ser o rebelde de
outro. Semana que vem o mesmo estudante pode se comportar como um chato ou um
descuidado, aos olhos de um ou de outro, ou aos olhos do grupo em seu
conjunto.
Em todo
esse jogo de papéis deve haver sinceridade, equilíbrio, tolerância e firmeza ao
mesmo tempo. Devemos reconhecer que cada ser humano é muito maior e mais vasto
que os papéis psicológicos e emocionais que desempenha momentaneamente em um
grupo determinado.
É
preciso observar como eu me comporto, e quais são minhas emoções quando o outro
brilha; ou quando o outro se mostra orgulhoso; ou quando alguém discorda de
mim. E quando cometo um erro, será que posso admiti-lo com naturalidade? Ou
serei alguém que, supostamente, sabe tudo e jamais comete um erro?
Uma
questão básica diz respeito aos conflitos. Estamos marcados por uma “cultura da
escassez”. Nela, acredita-se que se alguém tem algo, o outro não tem. Se um
está certo, o outro está errado. Para alguém vencer, outro deve ser derrotado.
Em uma discussão, se alguém está certo, quem pensa diferente deve
necessariamente estar errado. Essa ideia dualista, baseada na premissa da
infelicidade, não é verdadeira. Trata-se apenas de uma postura emocional rasa, uma
atitude adquirida por imitação, algo que surge como um fantasma irracional nas
relações humanas.
Em
compensação, quando as discussões de um grupo são permeadas pela atitude de que
“eu estou OK, você está OK”, nos termos do autor de um livro sobre análise
transacional [6], então há
vencedores mas não há derrotados. Todos estão certos e os erros são abandonados
com naturalidade. Para isso, basta respeitar sempre a “okeidade fundamental de todo
estudante”. Um líder ineficaz pode corrigir atropeladamente algo incorreto
dito por um estudante menos experiente. Ao fazer isso, ele fere o sentimento de
autoconfiança do outro, e causa um dano mais grave do que a incorreção
conceitual que causou sua interferência. Afinal, há uma sabedoria conceitual,
mas há também uma sabedoria das relações humanas.
Às vezes
surgem discussões acirradas em torno de uma questão metafísica. Vejamos alguns
exemplos:
*Pode
ser criado carma novo, ou não, após a morte?
*O
sétimo princípio, Atma, pertence ou não ao mundo manifestado?
*Além de
Parabrahman e do princípio absoluto indescritível, existe algo no universo que
esteja realmente livre de condicionamentos cármicos?
Nessas
horas o melhor é definir com clareza o significado das palavras, talvez até com
ajuda de dicionários e glossários.
É
preciso estar atento a dois processos, o filosófico e o emocional, porque eles
são diferentes. Nas discussões acaloradas, falamos rápido. O pensamento
acelerado, que não dá espaço para a interrogação, perde eficácia. Falar devagar
e pausadamente produz lucidez e permite evitar mais facilmente o sentimento equivocado
de que “alguém está certo” e “alguém está errado”. Não há ninguém certo ou
errado: as pessoas não se medem por suas opiniões. Há ideias que podem ser
certas ou equivocadas no contexto filosófico em que nos colocamos.
Havendo equilíbrio
e ponderação, podemos perceber que às vezes pontos de vista diferentes, são
apenas verdades específicas que fazem parte de uma verdade maior e mais
abrangente. Mas ainda quando fica demonstrado que havia um ponto de vista
realmente errado e ilusório, é absurdo ferir alguém por causa disso. Por outro
lado, não há necessidade de alguém sentir-se
ferido apenas porque ficou claro que sua opinião estava errada.
Quando
existe o clima correto de trabalho, os membros do grupo consideram que o
importante é a verdade; que errar é natural; e todos sabem muito bem que só devido
a grandes doses de ignorância espiritual alguém poderia ter orgulho pessoal de seus
pobres conhecimentos. No estágio em que estamos, já é possível criar grupos em
que a liderança é transparente e presta contas pelo que faz; em que não se
permite o surgimento de “donos da verdade”; em que os líderes não se comportam
como barões, mas se colocam a serviço do crescimento de todos.
Quando
surge uma controvérsia azeda, a melhor tática é voltar a focar a mente coletiva
no tema filosófico em questão. Deve ser lembrado que ninguém é tão sábio que
conheça tudo, e ninguém é tão ignorante que não tenha coisas para ensinar ao
grupo. Um dos pontos básicos da pedagogia de Paulo Freire - e a pedagogia dos
Mahatmas ou Raja-Iogues dos Himalaias aponta na mesma direção - é que, em uma
sala de aula, não há alunos destituídos de saber. Cada pessoa tem uma concepção
de universo e uma filosofia de vida. O professor vai dar elementos para a
construção autônoma desse saber em um processo permanente e ininterrupto. As
pessoas devem lembrar que o saber não está nas palavras, embora as palavras
sejam um reflexo dele. O
saber é construído pelo fio de coerência
que a filosofia esotérica permite estabelecer entre as práticas do pensar, do
intuir, do sentir e do agir.
O saber
é dado pela média desses quatro planos concretos da vida. Em certo sentido, a
intuição búdica e a percepção espiritual também são coisas objetivas. Elas têm
importância prática. Elas transformam nossa vida.
9. Dificuldades
nos Relacionamentos
É uma ingenuidade pensar que basta
o estudo de temas relativos à sabedoria divina para que os membros de um grupo teosófico
se purifiquem e trilhem o Caminho. No entanto, esta visão desinformada faz hoje
parte do nosso subconsciente coletivo.
Muitos ficam sinceramente surpresos e até indignados quando veem uma
contradição e uma incoerência em alguém que se diz espiritualista. Outros desanimam
quando enfrentam um fracasso em suas tentativas pessoais. E há quem considere
inconcebível e inaceitável que haja dificuldades nas relações entre
companheiros de caminhada.
O primeiro passo para enfrentar
essas ideias ilusórias é ver com naturalidade as limitações humanas. Quando se
desperta a luz, desperta-se a sombra. Cada centímetro a mais de sabedoria na
alma do estudante requer que ele transmute um centímetro de sombra em luz, de
ignorância em virtude. E isso provoca uma grave luta, dentro dele mesmo e em seus
relacionamentos com os outros.
Quem descobre que há uma verdade
universal presente em todas as grandes religiões e filosofias passa por uma
radical ampliação de horizontes mentais. Este fato provoca um certo despertar
de buddhi-manas, o que, por sua vez,
faz com que amadureça uma porção do carma pessoal que, de outro modo,
continuaria mais tempo adormecido.
Como resultado, não basta que o
grupo de trabalho aborde a sabedoria divina no plano verbal. O grupo deve
colocar ao alcance de cada pessoa instrumentos para enxergar com realismo - e
para vencer - o novo nível de obstáculos e desafios práticos que ocorre quando alguém
nasce para a visão filosófica da vida. O próprio grupo deve ter instrumentos
para identificar coletivamente os seus erros e aprender com eles.
O processo grupal e o processo
individual andam juntos. Os buscadores da Verdade devem criar vínculos de ajuda
mútua. É essencial que eles possam confiar uns nos outros. Uma só pessoa falsa
e insincera poderia arruinar ou prejudicar seriamente um trabalho em grupo.
Os relacionamentos devem incluir uma
afinidade impessoal. A verdadeira amizade, conforme ensina o pensador clássico
Cícero, se dá no interior de um ideal maior, a serviço de uma causa nobre, e se
guia por um sistema correto e equilibrado de valores éticos. [7]
A sinceridade evita o surgimento
de pragas emocionais como má vontade, ingratidão, intolerância, deslealdade, medo
de agir, apego cego à comodidade, convívio “tolerante” com erros inaceitáveis, incapacidade de perdoar o erro alheio ou
impossibilidade de aceitar nossas próprias falhas.
O amigo normalmente não nos
critica, mas quem antipatiza conosco poderá mostrar melhor nossos erros. Os que
se opõem a nós nos ensinam mais. Em astrologia, são as incômodas quadraturas
que empurram a alma para a frente e a forçam a dar um novo passo evolutivo. Nos
grupos de estudo, são as relações menos harmônicas e as situações difíceis que
nos mostram a impossibilidade da eterna acomodação, da dispersão mental e da
preguiça.
Apesar do que dizem alguns
instrutores, o objetivo da caminhada espiritual não é alcançar um delicioso
samadhi, mas, sim, queimar as
impurezas no fogo implacável da lucidez. O êxtase virá em seu devido momento,
de modo natural, quando tivermos feito o trabalho de purificação. O mesmo pode
e deve ser dito do trabalho em grupo. A função dos nossos companheiros de
caminhada não é elogiar-nos e dizer que somos pessoas extraordinárias. As
dificuldades nos relacionamentos nos trazem lições inumeráveis. Se elas forem
vividas honestamente e com uma dose razoável de respeito mútuo, não haverá má
vontade e não surgirão sistemas estáveis de rancor organizado. Assim
aprenderemos o que temos de aprender.
É verdade que o clima de trabalho
deve ser sempre celestial. O trabalho e a convivência devem estar voltados para
a verdade eterna, para o ponto mais alto possível da consciência. Mas quem
disse que não deve haver tempestades no céu? E o que seria da terra se não
fossem os ventos radicais, os raios e trovões que trazem a chuva? A noite
escura também é parte da vida celestial: mas cada noite prepara um novo
amanhecer.
10. A Psicologia da Consciência Instintiva
O
caminho espiritual não é percorrido em uma torre de marfim ou num tubo de
ensaio em laboratório isolado do mundo. Ele é percorrido na vida de relações. A
vida espiritual se dá no convívio do casal, na relação com os filhos, no
trabalho, na convivência com amigos e oponentes, gente que se harmoniza e que
não se harmoniza com o aprendiz. Um grupo de estudos e vivência é uma
oportunidade excepcional para observar a si próprio e conhecer melhor o ser
humano com tudo o que ele tem de luz, de bondade, e também de ignorância. Um
grupo é como uma sala de espelhos. Cada pessoa reflete uma imagem diferente do
nosso eu. Nenhum dos espelhos reflete tudo a nosso respeito. Mas os
relacionamentos altruístas permitem ir além do jogo de imagens com seus medos e
esperanças de pequeno porte.
A Psicologia ensina que há uma dimensão na vida de
todo grupo em que os líderes ou dirigentes são vistos e percebidos como
patriarcas. Um patriarca inspira profundos sentimentos subconscientes de
admiração, temor, adoração, devoção, rancor, inveja ou amizade.
Nessa dimensão instintiva do grupo as pessoas se
comportam como crianças temerosas ou desafiadoras, e ficam inclinadas a usar
diversos meios para chamar atenção, ou para tentar ocupar, mesmo que
irresponsavelmente, o lugar central de “pai” ou “mãe”. Exatamente porque essa
dimensão é subconsciente, algumas pessoas, se confrontadas com esses mecanismos
sem a devida estrutura conceitual, podem simplesmente negar tudo e qualificar
como absurda a confrontação. Os teosofistas devem buscar maneiras corretas de
perceber e fazer aflorar os conteúdos subconscientes do grupo. Desse modo a
atenção se ampliará, o autoconhecimento será maior, e os instintos destrutivos
perderão espaço. O boicote, mesmo encoberto, é inaceitável.
Aprender algo sobre como funcionam os grupos e os
indivíduos no plano subconsciente permite criar mecanismos que ampliem a
lucidez do aprendiz nos diferentes âmbitos coletivos de que participa.
O casal é um grupo a dois, a família é um grupo
maior, o ambiente profissional é outra teia de relacionamentos, e o grupo de
estudos e vivência sobre o caminho espiritual é só mais um exemplo de ação em
grupo. Os membros de uma associação teosófica devem refletir regularmente sobre
os seus mecanismos emocionais, utilizando alguns elementos conceituais, alguns
instrumentos e procedimentos para realizar essa reflexão com lucidez e
desapego.
Um primeiro conceito importante é o de resistência. Todo grupo opõe,
subconscientemente, uma resistência a quaisquer mudanças. Qualquer incerteza
que quebre a visão rotineira e linear do futuro é suficiente para despertar
ansiedades. A angústia será controlada ou eliminada na medida em que o grupo
tiver:
A) clareza em relação à meta comum
e ao método empregado no trabalho;
B) confiança mútua entre seus integrantes;
e
C) confiança entre líderes e
liderados.
Uma segunda constatação básica sobre as dinâmicas
emocionais coletivas é que todo grupo tem normas e regras. No entanto, elas podem
ser explícitas ou implícitas, discutidas com transparência ou impostas cega e
sorrateiramente.
Um terceiro fator é que os integrantes de um grupo
transferem para o seu líder ou dirigente sentimentos emocionais de conteúdo
involuntário e subconsciente. Essa projeção normalmente desconhecida da
consciência cerebral é chamada de transferência.
Na obra “Liderando Grupos”, a pedagoga Áurea
Castilhos escreve, em relação ao líder de um grupo qualquer:
“Por ser percebido, por todos aqueles que não
detêm o poder, como aquele que institui a ideologia da organização, você passa
também a receber toda a carga emocional daqueles que (...) questionam a
situação, o status quo. Compreender a
vivência transferencial como um processo dinâmico com a relação de poder e
autoridade leva o gerente/consultor [líder] a reduzir o seu estado de ansiedade,
por ‘atribuir ao seu papel’, não a si mesmo, mas à manifestação desses
sentimentos. Compreender essa dinâmica relacional é a melhor forma de
interpretar os fatos. (...) Além das questões transferenciais, não é raro o
jogo de disputas, fofocas, boatos, enredos, com o qual as pessoas se envolvem
pelos seus ciúmes, pelo desejo de chamar a atenção sobre si mesmas, etc. Não
raro, quando esse jogo passa a ser uma prática estimulada, de forma consciente
ou não, nas organizações, a quebra de comportamento ético passa a ser uma
constante, com grandes ‘puxadas de tapetes’, sendo essa a expressão mais
visível dessa prática.” [8]
Um bom grupo de estudos pode estar atento a essas
dimensões da interação humana. Vale a pena estudar o livro de Áurea Castilhos, e
também outras boas obras sobre planejamento de trabalho, psicologia, pedagogia,
dinâmicas de grupo, inteligência emocional, inteligência múltipla, administração
de empresas e liderança. [9]
Livros sobre administração permitirão introduzir
linhas de planejamento no trabalho de um grupo filosófico, fazendo com que a
porção de Carma Ioga presente na atividade dê melhores frutos. A questão dos
processos pedagógicos já não pode deixar de ser reconhecida como um ponto
decisivo para a busca, a produção e a transmissão de conhecimento espiritual. O
processo pedagógico deve ser transparente, combinando rigor com flexibilidade,
responsabilidade com técnicas participativas, liderança forte com comunhão
interior.
Esses estudos, feitos individual ou coletivamente,
melhorarão a eficácia do grupo como um espelho em que se refletem tanto o eu
superior como o eu inferior do aprendiz; tanto sua gloriosa alma imortal como
sua pobre alma animal; tanto sua luz espiritual como sua base emocional, que
ele aprende a consolidar para caminhar com passos mais firmes ao longo do
caminho.
11. Aumentar a
Criatividade
Na árvore do conhecimento, as
ciências modernas da psicologia, pedagogia e administração são como folhas
novas, e a filosofia esotérica representa o tronco centenário - na verdade,
milenar. O tronco precisa das folhas, assim como as folhas precisam do tronco.
Mas o que provoca a primavera espiritual são as condições propícias para que as
folhas se multipliquem, expressando a vida eterna de modo adequado para o
momento presente, com variedade de cores e aspectos externos. Devemos estar
abertos ao novo, sem perder de vista o que é fundamental e eterno. As novas
ciências têm uma contribuição a dar ao trabalho filosófico. Não é difícil
detectar erros administrativos em grupos espiritualistas. Nossas limitações
pedagógicas são fáceis de perceber. Psicologicamente, temos muito por melhorar
em nossas dinâmicas de grupo, e nosso corpo e nossa saúde merecem a atenção e o
carinho devidos. Todas as partes da árvore do conhecimento são importantes,
quando são autênticas e fazem o bem.
12. A Força da Palavra Escrita
A caneta, o lápis e o computador são
instrumentos fundamentais na caminhada espiritual. Marcar, sublinhar e anotar
comentários nas margens do livro que lemos são táticas eficazes que nos ajudam
a interagir criativamente com o texto e as ideias do autor. O mesmo ocorre com
a prática de anotar em um caderno ou notebook as ideias surgidas durante
a leitura.
A força de vontade e a
determinação permitem criar o hábito saudável de meditar sobre o sagrado, de
contemplar a verdade e de estudar reflexivamente textos filosóficos. E também o
costume de registrar as nossas dúvidas e conclusões sobre a arte de viver.
Escrever é organizar ideias. Constitui
uma prática de dharana ou
concentração - um ponto fundamental na prática do Ioga. Se passamos muito tempo
escrevendo e reescrevendo uma só página, esse não é um tempo perdido. Anotar em
um caderno pessoal o que é mais significativo daquilo que aprendemos durante a
leitura constitui um instrumento de grande importância. Veja algumas razões
disso:
A) Fazer anotações sobre os temas
da filosofia esotérica é uma forma de aprofundar nossas ideias, e nos permite
perceber melhor o rumo correto a seguir na vida;
B) Essa prática abre terreno para
que as meditações e reflexões sejam mais produtivas, e aumenta a força do nosso
intelecto;
C) Temos a opção de reler nossas
anotações a cada final de ano, ou em outras ocasiões especiais, e fazer assim
avaliações bem documentadas do progresso que ocorreu ao longo do tempo.
Assim, registrar em um caderno os
ganhos e perdas da nossa luta pela verdade é bem mais interessante que
organizar um álbum de fotos. O álbum mostrará o amadurecimento e o
envelhecimento do nosso corpo físico, as mudanças de casa e cidade, e guardará
imagens físicas dos nossos parentes e amigos. O caderno de anotações registrará
o progresso da nossa alma.
13. A Calma Concentração da Mente
A
propósito dos obstáculos que o praticante deve enfrentar, os minutos ou horas
de retiro, estudo e reflexão individual diária são, para o iniciante, algo
geralmente difícil. Podemos ser assaltados durante tal recolhimento pela ideia
de que “temos muita coisa por fazer”
ou pela sensação irresistível de que “hoje
não há tempo para o estudo”.
Depois
da leitura, podemos observar como aquilo que parecia tão sensacional, urgente e
grave na hora da prática de recolhimento agora é observado por com grande tranquilidade
e até indiferença. A sensação de urgência é produzida durante a leitura ou
meditação pela força subconsciente do hábito e da rotina - os elementais de que falava Helena
Blavatsky.
O que
está em questão, afinal de contas, é saber quem dá o rumo à vida do estudante.
Será a sua consciência do que é certo e errado? Sua vocação natural para a paz
e a sabedoria? Ou serão as preocupações e cobiças do seu pequeno eu pessoal de
curto prazo? Essa questão fundamental se coloca a cada instante ao longo de
décadas, tanto para um indivíduo como para um grupo de trabalho. A serenidade
mental é uma conquista e não um presente caído do céu. Um raja iogue deu a um
discípulo leigo este conselho válido para todo aprendiz:
“Para a
obtenção do objetivo a que você se propõe, isto é, para uma compreensão mais
clara das teorias extremamente abstrusas e inicialmente incompreensíveis da
nossa doutrina oculta, nunca deixe que a serenidade da sua mente seja
perturbada durante as suas horas de trabalho literário[10], nem antes de começar a trabalhar. É sobre a serena e plácida
superfície da mente imperturbada que as visões captadas do mundo invisível
encontram uma representação no mundo visível. De outro modo você buscaria em
vão aquelas visões, aqueles raios de luz súbita que já ajudaram a resolver
tantos problemas menores, e que são os únicos que podem colocar a verdade
diante dos olhos da alma. É com zeloso cuidado que temos de proteger nosso
plano mental de todas as influências adversas que surgem diariamente em nossa
passagem pela vida terrestre.”[11]
A
ansiedade é uma das pragas emocionais do nosso tempo. Uma das curas para ela
está em eliminar da nossa vida os compromissos desnecessários e as atividades
supérfluas. Se examinarmos com calma a questão, veremos que há muito por fazer
nessa linha de trabalho, embora tudo deva ser feito gradualmente.
É
possível diminuir a importância da televisão em nossa rotina e em nossos
momentos de descanso. A simplificação da nossa vida econômica, social, familiar
e profissional melhorará a qualidade da
nossa atividade em cada uma dessas áreas, liberando mais tempo e mais espaço
para o estudo filosófico e a meditação. É necessário ter a compreensão, por
exemplo, de que “não fazer nada” do
ponto de vista físico é um ponto importante da nossa agenda diária. Assim podemos ficar relativamente ao abrigo dos
altos e baixos da vida externa. O raja-iogue escreveu o seguinte a Laura
Holloway, avaliando o estágio de desenvolvimento em que ela estava:
“O lago
das alturas montanhosas do seu ser é, um dia, um desperdício imenso de águas,
com uma rajada de caprichos ou mau-humor varrendo sua alma; outro dia, quando
estes sentimentos acalmam-se, o lago é como um espelho e a paz reina na ‘casa
da vida’. Um dia você dá um passo à frente; no outro, dois passos para trás. O
chelado [12] não admite ninguém tão
instável; sua primeira e constante qualificação é um estado mental calmo,
equilibrado, contemplativo (que não é a passividade mediúnica), adequado para
receber impressões psíquicas de fora e transmitir suas próprias de dentro. A
mente pode ser posta a trabalhar com rapidez elétrica, num grau de elevada
excitação; mas buddhi nunca.” [13]
Uma
relativa ausência de pressa e ansiedade é, portanto, essencial para que
possamos estudar e meditar corretamente. A calma é irmã do desapego, e o
desapego é necessário porque nos liberta tanto das angústias como das satisfações
que a vida nos oferece. A dependência de satisfações causa dor e sofrimento.
Quando aceitamos a calma como estilo de vida, temos tempo de ler, desenvolvemos
paciência para escutar os outros e conseguimos refletir sobre a vida
espiritual. Cabe lembrar o que disse certa vez um aprendiz: “Pensar que não se
tem tempo para ler e refletir é o mesmo que avançar às cegas por uma floresta,
com um pano amarrado à frente dos olhos, e alegar que não há tempo suficiente
para tirar a venda dos olhos”.
14. A Oração de
Gandhi
Para concluir, vejamos um recurso
prático que ajuda a colocar cada momento do trabalho no contexto maior do
pensamento positivo, da ação construtiva e da ajuda mútua. [14]
O líder indiano Mohandas Gandhi
criou uma oração que invoca a harmonia em um grupo de trabalho. Os seus versos
simples colocam ao nosso alcance uma boa estrutura de meditação criadora e
alguns parâmetros saudáveis para o estudo.
A oração pode ser recitada na
meditação de abertura ou de fechamento de cada reunião de trabalho:
“Om... Que a Lei da Harmonia
Universal nos proteja. Que ela nos apoie. Que possamos compartilhar nosso
aperfeiçoamento. Que nossos estudos frutifiquem. Que nunca tenhamos má vontade
uns contra os outros. Om, shanti, shanti, shanti.” [15]
Shanti significa paz, em sânscrito. E paz é sinônimo de felicidade.
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, editadas por C. Jinarajadasa, Ed. Teosófica, 1996, seção de Cartas
Para e Sobre a Sra. Laura Holloway, Carta IV, p. 148.
[2] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, obra citada, seção de Cartas Para e Sobre a Sra. Laura Holloway,
Carta II, p. 146.
[3] No nosso caso, podemos
interpretar essa frase no sentido de que nosso progresso é maior do que podemos
compreender, quando fazemos o esforço correto. Porque o verdadeiro
progresso é oculto e não aparece. Por outro lado, nem tudo que reluz é ouro. O
progresso que é visível é ilusório, ao menos naquele nível em que ele é visível
externamente. O progresso que é real não é visível, embora ele possa ter efeitos externos visíveis. Diz o
clássico chinês “Tao Te King”, em seu primeiro verso: “O Tao de que se pode
falar não é o verdadeiro Tao”.
[4] “Cartas dos Mahatmas Para A. P.
Sinnett”, transcritas por A. T. Barker, Editora Teosófica, Brasília, 2001, ver
carta 123, no volume dois, pp. 269-270.
[5] Para estudar o funcionamento
desses vários níveis de consciência, veja “Os Sete Princípios da Consciência”, Carlos Cardoso Aveline. O texto pode
ser encontrado em nossos websites associados.
[6] “Eu Estou OK, Você Está OK”, Dr.
Thomas Harris, Ed. Artenova Ltda., RJ, 1977, 307 pp.
[7] Veja o texto A Amizade, no
livro Saber Envelhecer, de Marco
Túlio Cícero, editora L & PM, Porto Alegre, 1997, 151 pp.
[8] “Liderando Grupos, um enfoque
gerencial”, de Áurea Castilhos,
Qualitymark Editora, RJ, 1999, 123pp. Ver pp. 3-4.
[9] Algumas obras ou artigos que
podem ser úteis: 1) “Monte Sua Equipe!”, de
Steve Smith, Série Caixa de Ferramentas da Quest, Clio Editora, SP, 128
pp.; 2) “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, de Edgar Morin,
Cortez Editora, UNESCO, SP/Brasília,
2000, 117 pp.; 3) “Como Liderar Reuniões, Seu Guia de Estratégia Pessoal”, de
Tim Hindle, Publifolha, SP, 71 pp. ; 4) “Liderança - aprenda a mudar em
grupo”, de Maria Leonor Cunha Gayotto e Ideli Domingues, Ed. Vozes, RJ, 98 pp.;
5) “Líderes - estratégias para assumir a verdadeira liderança”, de Warren Bennis e Burt Nanus, Ed.
Harbra, SP, 1988, 197 pp.; 6) “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire, Ed. Paz e
Terra, SP, edição de bolso, 165 pp.; 7) “Os Ciclos de Vida das Organizações”,
de Ishak Adizes, Livraria Pioneira Editora, SP, 1996, 379 pp; 8) “Psicologia de
Grupo e Análise de Ego”, ensaio de Sigmund Freud na edição standard das suas
obras completas, volume 18, ed. Imago, RJ, pp. 79-154; e “A Geometria da Boa
Reunião”, Carlos Cardoso Aveline, texto que pode ser encontrado em nossos
websites associados.
[10] “Trabalho literário” inclui
leitura e estudo.
[11] “Cartas dos Mahatmas Para A.P.
Sinnett”, obra citada, Carta 65, volume um, p. 270.
[12] Chelado, isto é, discipulado.
[13] “Cartas dos Mestres de
Sabedoria”, obra citada, Seção de Cartas Para Laura Holloway, Carta I, p. 145.
[14] “Pensamento positivo, ação
construtiva e ajuda mútua”. Estes três fatores surgem naturalmente da percepção
da unidade da vida.
[15] “A Roca e o Calmo Pensar”, de
Mahatma Gandhi, Editora Palas Athena, SP, 249 pp., ver p. 228. Na oração
citada, substituo a palavra “Deus” por “Lei da Harmonia Universal”, expressão
mais adequada do ponto de vista da filosofia esotérica. A teosofia clássica
ensina que os deuses monoteístas são invenções infelizes de sacerdotes
profissionais, usadas como pretextos para justificar guerras, manipulação dos
povos e autoritarismo.
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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