As Raízes dos Sentimentos Inferiores
Merecem Ser Observadas o Tempo Todo

A raiva não é uma coisa bonita de se ver. No entanto, é recomendável evitar o contágio: não vale a pena ficar “demasiado indignado” diante dela.
Se você tiver uma reação muito rancorosa contra pessoas agressivas, isso pode significar que sente inveja delas, e gostaria de ser tão espontâneo como elas em sua ignorância natural e sua tendência infantil para destruir. Se preferimos não abandonar o nosso estado mental equilibrado, cabe lembrar que a raiva é uma forma de doença psíquica e espiritual e abre as portas para enfermidades físicas.
Individualmente, o rancor consistente reduz ou impede o contato com a alma imortal. A raiva coletiva em larga escala ajuda a provocar crise política e social, guerra civil, e guerras entre nações.
Não há dúvida de que, conforme H.P. Blavatsky escreve, reprimir a raiva é com frequência uma obra-prima da hipocrisia. E a hipocrisia alimenta a raiva.
“Nenhum homem ou mulher ‘culto’ jamais mostrará raiva em sociedade”, diz HPB. “Controlar e reprimir toda mostra de desagrado é demonstração de boas maneiras, certamente, mas também uma considerável façanha em matéria de hipocrisia e dissimulação. Há um lado oculto nesta regra de boa educação, e ele é revelado em um provérbio oriental: ‘Não confie num rosto que nunca mostra sinais de raiva, nem num cachorro que nunca late’. Os animais de sangue frio são os mais venenosos.” [1]
Duas atitudes gêmeas - uma constante má vontade e uma falsidade em relação aos outros - são filhas da ignorância espiritual e da falta de discernimento, e muitas vezes alimentam uma à outra. Uma expressão de vez em quando de raiva moderada ou de sentimentos semelhantes, como arrogância e ambição, é melhor do que um tipo de repressão neurótica que tornará esses sentimentos mais profundos e difíceis de observar, fazendo com que sejam disfarçados e protegidos pela astúcia e pela malícia.
É uma regra da filosofia esotérica - como esclarece H.P. Blavatsky em “Ísis Sem Véu” - que o peregrino não deve esconder demasiado os seus próprios erros, nem fazer propaganda das suas supostas vitórias no caminho da sabedoria. Deve-se evitar a máscara do fingimento da perfeição, usada por aqueles que já obtiveram um doutorado em hipocrisia. Esses são os “sepulcros caiados” sobre os quais Jesus proferiu um de seus sermões mais inflamados - senão irados - do Novo Testamento.
A irritação moderada desempenha portanto um papel positivo na vida.
Como algo que expressa a frustração, a raiva pode ser um elemento auxiliar do autorrespeito, depois de um longo período de profundo sofrimento. Ela pode defender a verdade, quando a verdade tem sido atacada pelos inimigos de quem é sincero. A irritação normalmente abre caminho para emoções mais construtivas, especialmente quando é observada com respeito, ao invés de ser cegamente condenada ou reprimida.
Desde um ponto de vista teosófico, as Causas da raiva são mais importantes que os seus Sintomas.
Nos escritos de Helena Blavatsky e nas Cartas dos Mahatmas, o leitor percebe que os Iniciados não são máquinas sorridentes distribuindo bênçãos não merecidas para todos e qualquer um. A raiva está ligada à rejeição, assim como o amor está ligado ao apego. Os dois sentimentos têm a natureza do desejo.
Apegos e rejeições são formas de sofrimento. E tanto os sádicos como os masoquistas sentem um prazer doentio diante da dor.
As bases e raízes de todos os sentimentos inferiores merecem ser observadas atentamente, nos sete dias da semana. Elas alimentam a sensação de Ahamkara, ou eu pessoal. O aprendiz bem informado percebe a simetria e o equilíbrio entre a atração cega e a rejeição que não vê coisa alguma.
Robert Crosbie e a Compaixão
Depois que alguém começa a pensar que é moralmente superior aos outros, surge às vezes a tentação de ficar furioso com os erros alheios. Ao mesmo tempo o criticador ingênuo ignora os seus próprios erros, ou pelo menos se convence, superficialmente, de que eles são irrelevantes.
Robert Crosbie escreveu:
“Em uma reunião, a questão da caridade com as fraquezas alheias foi levantada e gerou uma longa discussão sobre por que essa atitude é absolutamente necessária, do ponto de vista do Ego espiritual, para o correto desenvolvimento da percepção e do conhecimento espirituais na mente. Foi registrado que todos os erros de qualquer vida resultam, na realidade, de uma mentalidade doentia - se não insana, pelo menos não-sana. Uma imperfeição é uma imperfeição - a diferença no tipo da imperfeição não é algo de que alguém possa ter orgulho.”
“O nosso dever não é libertar os nossos semelhantes das imperfeições deles, mas libertar a nós mesmos das nossas. Falou-se do orgulho que resulta de uma virtude imaginária; do julgamento dos outros através da raiva - e que a raiva passa, mas o julgamento permanece como uma distorção na mente e um obstáculo para aquele que é julgado; falou-se do perigo de, assim, atrapalhar o caminho do outro, para não falar do efeito negativo sobre nós mesmos. A conversa surgiu devido à tendência das mentes em geral de se orgulharem de não ter os defeitos que os outros têm, enquanto, ao mesmo tempo, podem possuir defeitos que, embora não tão óbvios - segundo são classificados pelo mundo - são ainda piores, por serem mais profundamente enraizados e mais difíceis de erradicar, além de mais amplamente prejudiciais.” [2]
Crosbie está correto.
E ser capaz de perdoar os erros, inclusive os nossos, não significa aceitá-los como são. No entanto, a maneira eficiente de combater as falhas - principalmente as nossas e secundariamente as dos outros - é promover ações corretas que sejam opostas aos erros, tal como sugerido nos Aforismos da Ioga de Patañjali.
Os erros só podem ser corrigidos na presença da vontade e da capacidade de enxergá-los humildemente, em primeiro lugar, e depois promover um tipo inteiramente diferente de ação, que pode curar a ferida correspondente na alma. É necessário um sólido sentimento de boa vontade, junto com autoestima e confiança na Vida e na Lei Una.
Boris de Zirkoff escreveu:
“Deveríamos também lembrar que aquilo que nós vemos nos outros é frequentemente o que os outros veem em nós. Somos espelhos uns para os outros. Embora sejamos externamente diferentes, todos partilhamos da mesma consciência fundamental - a consciência do Ser Uno Universal. Vistos deste ponto de vista, os seres humanos são todos apenas átomos vivos de uma vasta corrente evolucionária que flui ao longo das eras.” [3]
A raiva é uma forma perigosa de desperdício da energia vital. O hábito da irritação destrói a vitalidade do corpo humano, reduzindo todo sentimento nobre. O rancor é um sério obstáculo nas artes marciais. Ele tem a mesma substância do medo.
Nenhum perigo pode ser enfrentado com lucidez se o indivíduo estiver com a vista turvada pela irritação, pelo medo, ou pela esperança. Um guerreiro só é eficaz quando está livre dessas emoções pessoais. Os guerreiros sábios são guiados por seu senso de paz interior e por seu amor pela ação correta.
A possibilidade da raiva deve ser observada portanto desde uma perspectiva ampla, profunda e de longo prazo, de modo a evitar a Causa do rancor, que geralmente é a ignorância espiritual, embora agindo sob diferentes formas.
NOTAS:
[1] Veja o artigo “Reflexões de Uma Filósofa Impopular”.
[2] “The Friendly Philosopher”, Robert Crosbie, Theosophy Co., Los Angeles, 1945, 415 pp., ver pp. 86-87.
[3] Do texto “A Vida de Boris de Zirkoff”.
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O artigo “O Perigo da Raiva em Teosofia” foi publicado nos websites da Loja Independente de Teosofistas no dia 22 de agosto de 2025.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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