Como o Corpus Hermeticum
Ensina o Cidadão a Viver Melhor
Carlos Cardoso Aveline
Ensina o Cidadão a Viver Melhor
Carlos Cardoso Aveline
O estudo do “Corpus Hermeticum” − antiga coletânea de textos atribuídos a
Hermes Trismegisto − produz um efeito que pode ser descrito como “calmamente
revolucionário”. Ele dirige a mente do cidadão moderno de volta para o alto, e
o liberta das estreitas preocupações de curto prazo do eu pessoal.
Foi em pleno século 19 que a pensadora russa Helena P.
Blavatsky questionou os alicerces da civilização materialista enquanto fazia
renascer a tradição esotérica. HPB desmascarou as ilusões das religiões
sacerdotais e monoteístas e estabeleceu as bases de uma aliança de longo prazo
entre três aspectos saudáveis da consciência humana: o pensamento científico, o
pensamento filosófico e a religiosidade não-dogmática.
Ela forneceu as chaves que permitem interpretar e ver a
sabedoria comum aos principais textos filosóficos e religiosos de todos os povos
e de todas as épocas. Ao propor a criação de um núcleo de fraternidade
universal que ignore fronteiras nacionais, classes sociais ou ideologias
políticas e religiosas, ela formulou a base filosófica da futura civilização
global e solidária que irá emergir durante o século 21.
HPB foi atacada quase por unanimidade pelos setores
dominantes da sociedade do seu tempo. Isso era inevitável. Assim como outros
grandes místicos e sábios de séculos e milênios anteriores, ela foi criticada e
perseguida − mas cumpriu sua missão. Hoje, o conhecimento universal de todos os
tempos está mais perto do cidadão comum. A filosofia teosófica inspira a vida
diária de dezenas de milhares de pessoas de todos os povos e, em grande parte
do mundo, já é fácil para qualquer indivíduo questionar o domínio autoritário
desta ou daquela igreja ou religião.
A sabedoria esotérica liberta a consciência humana, porque
ensina a alcançar a paz sem a intermediação deste ou daquele ritual ou
sacerdote. Sentimentos menores como medo, raiva, ambição e preocupações pessoais
perdem sentido quando o indivíduo contempla as verdades universais. Se olharmos
para o alto, o céu noturno nos mostrará um número ilimitado de estrelas situadas
a milhões de anos-luz. Quando pensamos no cosmo a partir de uma visão teosófica
ou hermética, redescobrimos com humildade a nossa pequena existência como indivíduos.
A grande tarefa existencial é tornar a nossa breve vida física muito mais
significativa, através da ampliação dos nossos limites de espaço e tempo. Os
sábios colocam conscientemente a sua existência individual dentro do contexto
imenso do espaço e tempo infinitos.
No entanto, enquanto a cabeça se eleva, é necessário
manter os pés firmemente no chão. Excessos de sonho ou de ambição atrapalham. Mesmo
os sonhos “espirituais”, se não forem acompanhados e testados pela ação prática
correspondente, serão muito mais parte do problema do que da solução. Para ligar
o sonho com a realidade, é preciso desenvolver três virtudes ao mesmo tempo:
paciência para aceitar o que não pode ser mudado, coragem para mudar o
que pode ser mudado, e sabedoria para distinguir uma coisa da outra.
Isso não é tudo. Devemos também simplificar a nossa vida.
É recomendável diminuir a quantidade de metas e de preocupações. Assim, o
aprendiz aprende pouco a pouco que renunciar à pressa é libertar-se
interiormente. E só então a prática da contemplação ganha um espaço duradouro
em sua existência. A partir deste momento o sentimento de paz se faz mais
presente, porque ele começa a transcender a ilusão. Apesar das suas limitações,
os textos atribuídos a Hermes Trismegisto ajudam a mapear o caminho deste
aprendizado.
Há hoje várias versões dos fragmentos reunidos no Corpus
Hermeticum , e uma das melhores é a compilação feita por um dos discípulos diretos
de H. P. Blavatsky.[1] O Corpus
Hermeticum parece ter sido organizado na forma atual entre os séculos II e
III da era cristã, e, sem dúvida, recebeu uma dose considerável de enxertos
teológicos cristãos, durante as recompilações feitas na idade média. Para HPB,
na verdade, eles são “lembranças mais ou menos vagas” dos textos autênticos que
haviam sido destruídos. Ela aponta como texto diretamente autêntico apenas a
Tábua de Esmeralda.[2]
“Hermes” é o nome grego de uma figura mítica transcendente,
um deus conhecido no Egito como Thot e no mundo romano como Mercúrio, mas que
também está ligado ao mistério de Buddha.
Helena Blavatsky esclarece:
“Thot-Hermes é um nome genérico, como é Enoch (....). Não
é o nome próprio de nenhum homem que tenha vivido, mas o título genérico de
muitos sábios. (....) Eles são todos patronos representativos da Sabedoria
Secreta.” [3]
A personalização das inteligências divinas e cósmicas é
um antigo recurso poético e simbólico, mas também uma alegoria que,
infelizmente, com frequência se transforma em dogma autoritário a serviço das
castas sacerdotais. Os sacerdotes geralmente preferem manter os povos na
dependência e na ignorância, mas, da sua parte, a ciência esotérica é
impessoal, independente de burocracias, e gira em torno das leis do universo.
Ela ensina que o caminho da libertação deve ser trilhado individualmente pelo
aprendiz, e que o ato de aprender, para ser eficaz, exige uma autonomia
solidária.
A filosofia hermética é tão velha quanto o hinduísmo, e a
sra. Blavatsky escreveu:
“Todas as verdades fundamentais da natureza eram
universais na antiguidade, e as ideias básicas sobre espírito, matéria e o
universo, ou Deus, Substância e ser humano, eram idênticas. Examinando com base
nas escrituras da Índia e do Egito as duas filosofias religiosas mais antigas
do globo, o hinduísmo e o hermetismo, vemos que a identidade das duas é
facilmente reconhecível.” [4]
Pouco conhecidos em português, os textos herméticos são
inspiradores, e vale a pena abandonar os assuntos de curto prazo para poder
apreciá-los sem pressa e meditar sobre seu conteúdo, que possui várias camadas
de significado.
Regente das ciências ocultas, Hermes Trismegisto –
“Hermes o Três Vezes Grande” – era na Grécia antiga um deus agrário que também
protegia as estradas e os processos de comunicação. A compilação do Corpus
Hermeticum parece ter sido feita no Egito quando este país já fazia parte
do império romano. A proposta do Corpus inclui a ideia de promover a
síntese das diferentes religiões e filosofias, e a elevação da consciência
humana até o mundo divino, o Logos, a mente universal. Seu conteúdo é, em
grande parte, comum ao pitagorismo e ao platonismo, mas também está ligado aos
movimentos gnósticos e ao cristianismo primitivo.
Como compilação, o Corpus possui um território em
comum com a teosofia eclética de Amônio Sacas de Alexandria e, naturalmente, com
a filosofia de Plotino e Porfírio, discípulos de Amônio. Quase dois mil anos
depois, seu conteúdo e sua visão da vida respondem adequadamente aos desafios
enfrentados pelo cidadão da primeira parte do século 21. Um deles é a ilusão
materialista que domina as mentes de milhões de pessoas. A visão meramente
material da vida está na origem da injustiça social, da destruição do meio
ambiente, das guerras, do crime, da violência urbana e da corrupção na
política.
Vítimas da premissa materialista, alguns cidadãos
explicam a sua situação da seguinte maneira:
“Eu gostaria de estudar filosofias e religiões orientais,
mas como posso fazer isso tendo tantas contas por pagar?”
E outros garantem:
“Minha prioridade pessoal é realmente aprender mais sobre
a vida, conhecer a mim mesmo e fazer o bem aos outros. Antes disso, porém,
preciso ganhar dinheiro.”
Este tipo de atitude é frequente mas não é realista. A
chave da transição pessoal para os padrões vibratórios da sociedade saudável do
futuro está em aceitar aqui e agora
a simplicidade e aquela paz interior que é incondicional e não depende de
condições externas para acontecer. Isso não significa abandonar as
responsabilidades pessoais diante da vida, mas implica fazer um uso correto do
tempo.
O Corpus Hermeticum fala de uma realidade suprema
que está além deste pequeno mundo egoísta, e que, uma vez percebida, nunca mais
se esquece.
No décimo texto desta compilação milenar, Hermes diz a
seu filho Tat que a Divindade e o Bem são a essência de tudo o que há, e que
nada pode existir sem a vontade divina; porém os seres humanos estão agora numa
situação tão precária que o seu
intelecto não pode captar este Bem. E ele explica:
“Só o perceberás quando chegares ao que é indescritível.
Este saber é o silêncio divino, que ultrapassa todos os sentidos. Quem o
percebe uma vez já não pode pensar em outra coisa, nem quer ouvir falar de mais
nada. (....) A beleza terá banhado com luz todo o seu intelecto. Sua alma
ficará iluminada e atuará de tal modo sobre o corpo que transformará o homem
inteiro.”
Mais adiante, o filho Tat pergunta a Hermes:
“E quem pode conseguir tal coisa?”
Resposta do Mestre:
“Aquele que não se perde pronunciando ou escutando
palavras.” [5]
Fica clara, deste modo, a importância do silêncio
interior. E a leitura, como a meditação, é silenciosa.
Cada vez que lemos um texto, ele precisa ser recriado por
nós. Ele só ganha significado real quando interage com nosso mundo psicológico
e interno. Somos todos coautores do
que lemos e ouvimos. Este fato é decisivo no aprendizado espiritual. Ele
significa que as palavras não podem substituir os fatos e, portanto, não
devemos deixar-nos hipnotizar por elas.
Um dos ensinamentos do Corpus Hermeticum elimina um grande medo subconsciente do ser
humano. Trata-se de algo de que muitos já ouviram falar, mas poucos
compreenderam: o fato concreto de que a morte para o verdadeiro eu não
existe, e constitui apenas “um conceito nascido da ficção”.
O oitavo tratado hermético ensina:
“Devemos levar em conta que a morte é associada à aniquilação,
mas que nada é aniquilado neste mundo.”
Este princípio hermético corresponde à moderna e
científica Lei de Lavoisier, que afirma: “Na natureza nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma”. Ou seja, tudo se recicla constantemente na natureza
e, portanto, a lei da reencarnação é a lei da reciclagem.
Helena Blavatsky chama atenção para o fato de que os
textos do Corpus Hermeticum foram em
grande parte “adaptados” aos dogmas cristãos durante a idade média. [6] No estado em que chegaram a nós,
eles insistem em falar de um “Deus Criador”, um personagem pensante e
excessivamente humano, que manipularia o universo de modo casuísta e conforme
seus caprichos. Com efeito, não faltam ilusões sacerdotais e imagens
antropomórficas nas versões disponíveis dos textos herméticos.
Para a filosofia esotérica, as divindades ou
inteligências cósmicas são plurais e constituem apenas manifestações
transcendentes e aspectos da Lei Una. Elas receberam uma aparência pessoal nos
contos e mitos populares de todos os povos, e mais tarde, infelizmente, foram
absolutizadas e transformadas em dogmas e deuses pessoais pelas religiões
exotéricas. No tratado número doze, por exemplo, Hermes – ele próprio um dos
deuses antigos – refere-se de modo contraditório à Inteligência Universal como
se ela fosse um Deus pessoal e monoteísta. Porém, basta usar a chave
interpretativa e traduzir a palavra “Deus” pela expressão “Inteligência
Universal”, para que o texto faça sentido. Hermes pergunta a seu discípulo
Tat:
“Como poderia ser, meu filho, que houvesse algo morto no
que é Deus, no que é a imagem do todo? A morte é decadência e destruição. Pois
bem, como podemos admitir que decaia e seja destruído algo do que é divino e
indestrutível? (....) Os seres humanos não morrem, mas se dissolvem, já que são
corpos compostos. Esta dissolução não é a morte, e sim a modificação de um
composto. Se os corpos se dissolvem, não é para que sejam destruídos, mas
renovados. Qual é a energia da vida? Não é movimento? Pois bem, o que há de
imóvel no mundo? Nada, meu filho.”[7]
Quando definimos “Deus” como mente universal e entendemos
os vários níveis do universo físico como aspectos externos desta mente, vemos
que os textos herméticos se harmonizam com a filosofia esotérica; e antecipam,
ao lado da teosofia, as teorias científicas de físicos recentes como Fritjof
Capra, Fred Hoyle e David Bohm, além de biólogos como Rupert Sheldrake. [8]
Tat, o discípulo, pergunta a Hermes no tratado número doze
se “Deus”, a mente cósmica, está presente também no mundo material. O mestre, o
mensageiro dos deuses, responde:
“Imagine por um momento, meu filho, que a matéria
estivesse fora de Deus. Onde a poderias colocar, fora Dele? Já dissemos que as
energias ativas são parte de Deus. Quem dá vida aos seres vivos? Quem provoca
as mudanças? Quando falares de matéria, de corpo ou de substância, lembra que
são energias de Deus; (....) e Deus é o todo. Nada há, no todo, que não seja
Deus.”
A Física moderna especula sobre o início e o fim do
universo conhecido.
Os buracos negros da astronomia atual absorvem toda
matéria e energia que passam por perto deles, lançando-as necessariamente em
outra dimensão, que David Bohm chama de “ordem implícita”. O paralelo com a
filosofia hermética é claro: para Hermes Trismegisto, o universo ocupa um lugar
imaterial.
No tratado número dois, o discípulo Asclépio pergunta
como se pode chamar o lugar em que está o universo: “É um incorpóreo”, responde
Hermes. “Um incorpóreo é um intelecto (uma mente) que se move a si mesmo, livre
de todo corpo, impassível, intangível, imutável em sua plena estabilidade.
Contém a todos os seres, que são como uma irradiação de bem e da verdade.”
O “incorpóreo” em que está o universo físico corresponde
não só à ordem implícita de David Bohm, mas também ao akasha da tradição
oriental, à luz astral ou éter da tradição esotérica ocidental. E
também é equivalente ao campo mórfico , conceito criado nos anos 1980
pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake. Os nomes mudam mas a realidade permanece
a mesma.
Para os autores que escreveram em nome de Hermes
Trismegisto, o universo é omniforme ou oniforme, isto é, tem
todas as formas. Ao mesmo tempo – dizem eles no tratado número onze – existe
uma forma ideal, incorpórea, que é a origem de todas as formas. Esta
realidade sutil e abstrata corresponde igualmente às ideias ou formas
abstratas e arquetípicas de Platão, e aos números de Pitágoras. Platão,
como se sabe, foi um pitagórico.
O nível supremo e último do incorpóreo é o puro
espaço infinito, abstrato e universal, que contém todas as coisas mas não se
compromete com nenhuma delas, e que equivale ao conceito oriental de Parabrahman.
Estas ideias e realidades são de grande utilidade prática
para o cidadão atento do século 21, e isso por um motivo muito simples. Cada
ser humano mantém, inevitavelmente, um contato direto com o universo, em todos
os seus níveis de sutileza e de densidade, e obedece sempre às suas leis, seja
consciente ou inconscientemente.
É sempre possível libertar-nos da escravidão submissa às
formas externas, e isso se dá através da
percepção direta da essência incorpórea da vida.
O conceito budista de vazio, Sunya, entra
neste contexto de percepção da realidade maior que está além de maya, a
ilusão. Em si mesmo, o mundo físico é “vazio”. A física quântica tem
demonstrado este fato. A verdadeira natureza do mundo é incorpórea e está no
plano sutil e interior. É apenas a incapacidade de compreender a essência que
nos faz ser dogmáticos, teimosos ou inflexíveis. O mundo da energia pura transcende
a forma, e os vários níveis de consciência cósmica são centros de energia
sutil. A Lei Universal é o aspecto dinâmico do Princípio Supremo indescritível,
a Causa Sem Causa, a fonte primeira das energias que mantêm ativa a Roda da
Vida universal.
O que os textos herméticos chamam de Intelecto
corresponde à Razão dos gregos, ao Nous, o eu superior, a
consciência da alma imortal, que se expressa racionalmente através do
equilíbrio, da harmonia, da percepção da verdade e da sua expressão.
No tratado número doze, o Mestre Hermes ensina:
“Quando a alma [eu inferior] se deixa conduzir pelo
intelecto [eu superior], este a banha com sua luz e se opõe às suas tendências
nocivas. Do mesmo modo que um médico pode provocar sofrimento tratando da parte
danificada quando o corpo está doente, assim também o intelecto pode
provocar dor na alma ao afastá-la do princípio do prazer, do qual surgem todas
as doenças anímicas.”
Para a filosofia hermética, as dores humanas − físicas ou
emocionais − são uma doença que surge da busca instintiva do prazer.
Quando a alma [emocional] segue a razão ou intelecto
[sede da sabedoria], ela é banhada pela luz da verdade que tudo harmoniza. Mas
ocorre o contrário, quando as almas não conseguem a orientação do intelecto e
ficam reduzidas à condição de animais. Neste caso, a lei divina, isto é, a lei
do Carma, irá fazer com que colham o que plantaram, até que compreendam o seu
erro e o corrijam na prática.
Para Hermes, a vida superficial é uma corrente imensa de
automatismos cegos e reações impensadas que transformam o cidadão ingênuo em
objeto e em observador passivo da sua própria vida. O mestre faz um apelo à
humanidade, cujas massas ingênuas, tomadas pela pressa, ele compara a um bando
de homens inebriados pelo vinho da ignorância. Ele pergunta, no tratado número
sete:
“Para onde correm vocês, bêbados? (....) Recuperem a
lucidez e abram os olhos dos seus corações. Se nem todos podem consegui-lo,
pelo menos que alguns o tentem. Pois o açoite da ignorância domina a Terra e
corrompe a alma aprisionada no corpo. Não se deixem levar pela corrente.
Retornem, se puderem, ao porto da boa saúde. Busquem um piloto que os conduza
até as portas da gnose, onde brilha uma luz deslumbrante, livre da
escuridão, na qual ninguém se embriaga, na qual todos estão sóbrios e dirigem
os olhos do coração para aquilo que merece ser contemplado, o inaudito, o
inefável, invisível aos olhos físicos, mas visível para a inteligência e o
coração.”
A gnose é o conhecimento direto (interior) das coisas
sagradas.
Há evidências de que os cristãos primitivos estavam
ligados aos gnósticos, além de serem influenciados pelo budismo. Eles se
organizavam em sociedades esotéricas ou semiesotéricas. São Paulo, por exemplo, é considerado um iniciado
nos mistérios. O objetivo comum de gnósticos, herméticos e cristãos primitivos
não era apenas adorar alguma divindade, mas trilhar diretamente o caminho da
libertação e vivenciar o mundo sagrado. “A virtude é a gnose, o conhecimento,
porque quem tem conhecimento é bom, piedoso e quase divino”, ensina Hermes no
parágrafo nove do décimo tratado. E no tratado número onze, ele
acrescenta:
“Se tu não te fazes semelhante a Deus, não poderás
compreendê-lo, porque só o semelhante pode entender o semelhante”.
“Deus” é a Lei Universal impessoal que se mostra em pelo menos sete níveis de
inteligência cósmica. E “tornar-se semelhante” à Lei do Universo é algo que
exige ir além de todo apego a coisas
pequenas. Hermes dá outras instruções práticas, em um trecho que faz referência
sutil aos mistérios das iniciações:
“Mediante um salto que supere todos os corpos, adquire a
condição do que é imenso. Supera todos os tempos, converte-te na própria
eternidade! Então poderás compreender Deus [a Lei]. Aceita a ideia de que nada
é impossível para ti. Imagina-te imortal e capaz de compreender todas as
coisas; toda a arte, toda a ciência, e o interior de todo ser vivo. Sobe até
acima da maior altitude. Desce até a mais funda profundidade. Abraça as
sensações de tudo o que existe, do fogo e da água, do seco e do úmido,
imaginando que estás em toda parte, sobre a terra, no mar, no céu, e que ainda
não nasceste, que estás no ventre materno, que és adolescente, que estás velho, que morreste e estás já além
desta existência. Se dominas com o teu pensamento todas estas coisas
simultaneamente, os seus tempos, lugares, substâncias, quantidades e
qualidades, então poderás conhecer Deus.”
A Lei do Universo regula todas as coisas e conduz a
consciência humana ao mundo divino. À medida que o indivíduo se liberta da
ilusão das formas externas, ele aprende a navegar no oceano insondável e sem
limites da verdade suprema. No mundo externo, ele se afasta gradualmente das
ilusões teológicas criadas por igrejas. Ele passa a vivenciar pessoalmente uma
ética universal que resulta da percepção da sua própria unidade individual com
todos os seres.
Ele sabe que o universo é um ecossistema. Assumindo
responsabilidade por seus atos e por tudo o que lhe acontece, ele abandona a
ignorância espiritual para cruzar o portal da gnose , o conhecimento sagrado, a sabedoria divina ou theos-sophia, que o liberta gradualmente
dos ciclos de vida inconsciente.
NOTAS:
[1] “Thrice Geatest Hermes”, de
G.R.S. Mead. São três volumes publicados em um só, edição fac-similar,
Kessinger Publishing Co., EUA, 560 pp. G.R.S. Mead foi secretário particular de
HPB durante alguns anos, até a morte dela em 1891. Pouco tempo depois, afastou-se
do movimento teosófico.
[2] Sobre a afirmativa de que os
textos atribuídos a Hermes, com exceção da Tábua de Esmeralda, são “recordações
vagas”, veja o artigo “Alchemy in the 19th Century” em
“Collected Writings”, H.P. Blavatsky, TPH, India/USA, 1973, vol. XI, p. 549. Leia
também o texto “A Tábua de Esmeralda”, que está disponível em nossos websites associados.
[3] “The Secret Doctrine”, Helena
Blavatsky, edição fac-similar da edição original de 1888, dois volumes, Theosophy
Company, Los Angeles, 1982, volume II, p. 211.
[4] “The Secret Doctrine”, obra
citada, volume I, p. 285.
[5] “Tratados del Corpus Hermeticum”,
Hermes Trismegisto, Introducción y Notas de J. García Font, MRA Editorial,
Barcelona, 1997, 255 pp., ver pp. 162-165.
[6] “The Secret Doctrine”, obra
citada, volume I, pp. 285, 286 e 287.
[7] “Tratados del Corpus Hermeticum”, obra citada, pp. 145-146 e 203-204. Há
outra versão interessante desta obra em espanhol: veja “Corpus Hermeticum”,
Hermes Trismegisto, Selección y Notas de Walter Scott, Editorial EDAF, Madrid,
247 pp. A editora Hemus, de S. Paulo, publicou uma edição brasileira preparada
por Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima. Intitulado “Corpus Hermeticum,
Discurso de Iniciação”, o volume tem 126 pp.
[8] Veja a este respeito o capítulo
17 do livro “A Vida Secreta da Natureza”, Carlos Cardoso Aveline, terceira
edição, 156 pp., Editora Bodigaya, Porto Alegre, 2007, 156 pp. O título do
capítulo é “A Ciência Exata Descobre a Ecologia Profunda”.
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A respeito da tradição hermética e alquímica, leia em nossos websites associados “A Tábua de Esmeralda”.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da
situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu
formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas
prioridades a construção de um futuro
melhor nas diversas dimensões da vida.
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