19 de outubro de 2016

Cartas Confidenciais de Blavatsky

 Correspondência Reservada de HPB e
Judge Mostra as Pedras no Caminho do Discipulado

Carlos Cardoso Aveline

 A Loja Independente de Teosofistas afirma que todos os discípulos, inclusive  
os mais avançados como Helena Blavatsky (foto),  precisam aprender com seus erros




Em 2010, os nossos websites associados compraram alguns exemplares raros e caros de uma revista em língua inglesa pouco conhecida, “Theosophical History”.

O enfoque da revista é acadêmico. Os exemplares adquiridos são da década de 1990 e contêm uma série de textos com boa parte da correspondência confidencial entre Helena Blavatsky e William Judge a respeito do trabalho e das dificuldades da escola esotérica do movimento teosófico. O material foi então reforçado com outros textos e publicado em inglês com comentários nossos, em 19 partes.[1]  

As dezenas de cartas que publicamos vão desde meados dos anos 1880 até o final da vida de HPB. Revelam o sofrimento, as tensões, a decepção, a frustração e a luta pessoal tremenda que implicava estar na liderança do movimento teosófico naqueles tempos difíceis.

Ao ver as expressões amargas colocadas por HPB em suas cartas e o sentimento de desânimo de Judge em mais de um momento, alguém pode pensar: 

“Isso é decepcionante. Sendo a fundadora do movimento, HPB tinha o dever de estar sempre sorrindo, posando para fotos, distribuindo autógrafos, parecendo simpática, abençoando seus amados alunos com um estilo cuidadosamente angelical em seu modo de expressar-se.”

Esta visão ingênua do caminho espiritual leva à hipocrisia. A idealização fantasiosa é estimulada por organizações que vivem de aparências e falsa espiritualidade. O fato é que o caminho espiritual é árduo. Expressões amargas e notícias de dificuldades tampouco faltam nas “Cartas dos Mahatmas”. Em todas as religiões, os verdadeiros místicos têm e tiveram vidas difíceis, no mundo exterior, ao mesmo tempo que tinham e têm acesso a bênçãos de grande porte no plano mais elevado. A vida é simétrica, e a bem-aventurança interna do Caminho é diretamente proporcional às suas dificuldades externas.

Trabalhar pela libertação da humanidade implica trazer para si e enfrentar a soma do sofrimento humano, tal como narrado simbolicamente na lenda dos evangelhos do Novo Testamento.

E isso não é fácil.

Aliás, nos evangelhos também há expressões amargas de Jesus em relação a seus discípulos, quando eles falham nas provas e testes.

Cabe examinar o modo como olhamos para a correspondência reservada de HPB e William Judge. 

A tendência academicista, nos estudos de história do movimento teosófico, tende a esmiuçar as coisas do ponto de vista da mera curiosidade sobre fatos externos, e, especialmente, fatos de natureza pessoal.  O acadêmico geralmente teme trilhar o caminho. Em função deste medo interno, ele se protege através do intelecto analítico e míope que só vê detalhes externos.

“HPB e Judge estavam discutindo sobre as decisões a tomar”, pensa ele. 

“Eles estavam frustrados, cansados, esgotados, estressados”. 

“Judge tinha momentos de quase depressão”.

“HPB estava decepcionada e hoje, retrospectivamente, podemos ver que estava avaliando de modo ingênuo as personalidades de algumas pessoas”.  

Mas o que é, de fato, relevante? 

O relevante é que enquanto os eus inferiores de HPB e Judge estavam submetidos a tremendas tensões e dificuldades, o eu superior dela, sobretudo, e o eu superior dele, até certo ponto, estavam trabalhando em níveis de consciência onde não há sofrimento. Eles estavam construindo as bases complexas de um movimento esotérico autêntico de longo prazo, capaz de abrir caminho para a futura religiosidade filosófica e universal.

Cabe lembrar que HPB era um ser humano, e que os Mestres de Sabedoria não a protegiam de seus próprios erros. Esta é a pedagogia de todo verdadeiro Mestre. Um discípulo, por mais avançado que seja, erra e deve aprender com suas próprias falhas.

Pensar que um discípulo é “protegido pelo Mestre” para que não erre constitui uma ilusão que ocupa lugar de destaque entre as fraudes e falsificações produzidas pela pseudoteosofia.

Uma vez que o discípulo é sincero, honesto e autêntico, ele deve observar seus erros e tirar lições. E quem não é sincero não chega perto de qualquer coisa parecida com aprendizado esotérico. A sinceridade fará com que seus acertos sejam maiores que seus erros, mas os fracassos são valiosos como fontes de lições, e fazem parte da caminhada. 

É neste contexto realista que podemos compreender as dificuldades humanas de HPB, os fracassos de William Judge, e as suas discussões difíceis sobre como liderar melhor a escola esotérica e a instância confidencial do movimento. São diálogos circunstanciais, sobre decisões de curto prazo, nos anos 1880 e início dos anos 1890. Envolvem eus inferiores de diferentes pessoas e o aspecto mais árduo de um trabalho sagrado. 

O verdadeiro movimento teosófico ocorre nos planos superiores de consciência, mas para que isso seja possível se paga um preço. 

Todo estudante deve ser informado da verdade: há no Caminho da Sabedoria um processo de provação ocorrendo incessantemente nos planos inferiores. Isso é algo  que podemos ver, por exemplo, estudando a vida lendária de São Francisco de Assis, ou os Evangelhos cristãos (também lendários), e examinando as vidas de Paracelso, de Lúcio Sêneca, de São João da Cruz, William Wilberforce, Marco Aurélio, Musônio Rufo, Epicteto e outros grandes filósofos e místicos.

Uma bênção invisível da Loja Independente de Teosofistas está no fato de que ela aponta para o ensinamento e para o poder transformador que este ensinamento tem sobre a vida do estudante; ela não aponta líderes supostamente infalíveis como pessoas. A vivência do ensinamento teosófico nos dá o ponto de vista a partir do qual podemos compreender corretamente as limitações humanas e circunstanciais.

Fundada em 2016, a Loja Independente visa operar acima das preocupações pessoais e lutas de poder, e perto daquele estudo transcendente e profundo em que ocorrem dois processos inseparáveis: o autoconhecimento e o autoesquecimento.  

Esquecendo de si mesmo, porque já se conhece, o estudante lembra de trabalhar pela humanidade, e alcança gradualmente a libertação.

Helena Blavatsky cometeu erros, mas cabe acrescentar que os erros dela ocorreram principalmente no modo como avaliava pessoas. Ela não previu a tempo a traição de Annie Besant, por exemplo. Ela tendia inevitavelmente a julgar os outros do ponto de vista da sua própria lealdade e devoção à verdade. 

Assim, de um lado ela idealizava excessivamente alguns. De outro, ela se decepcionava em excesso com outros.

Este tipo de erro é comum em quem vive em níveis altruístas de consciência. Ao desenvolver o discernimento das coisas espirituais, perde-se o discernimento para as coisas inferiores,  assim como a lente de um telescópio adequada para ver as coisas do céu não é eficiente para ver as coisas da terra a curta distância.

Disso decorre sofrimento, e HPB sofria.

Estes fatos são fontes de lições. Ao analisar os erros e acertos do movimento ao longo da história, aprendemos o que deve ser feito e o que deve ser evitado. Deste modo o nosso esforço avança orgânica e criativamente como um processo vivo, e melhorando sempre. 

NOTA:

[1] Veja em nossos websites a série de 19 artigos intitulada “Letters Between Blavatsky and Judge”.

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada na edição de dezembro de 2010 de “O Teosofista”, sem indicação de autor e sob o título “Desmistificando o Esforço Espiritual”.

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Em 14 de setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, LIT, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida. 

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