A Ponte Para Uma Bênção Infinita
Pode Ser Encontrada no Ciclo de 24 Horas
Carlos Cardoso Aveline
“Só é possível viver corretamente o dia de
hoje
se olharmos para ele como se fosse o último.”
Musônio Rufo (28?-100? E. C.) [1]
“Não há nada como um dia depois do outro”, diz um provérbio.
E não há, de fato.
Pode-se
ter mais informação - ou menos - sobre a arte de viver e sobre o caminho da
sabedoria; e tal informação pode ser confiável ou não. Em todos os casos, a
grande batalha que se deve travar é a batalha de cada novo dia na vida.
A
luta por agir de modo correto é simultaneamente física, emocional e mental.
Deve-se estabelecer melhores hábitos. É necessário reduzir ou eliminar padrões
errados de vibração. Ao preparar a si próprio através de intenções nobres,
pensamentos adequados e ações justas, o indivíduo purifica seu instrumento - o
eu inferior - e se liberta gradualmente de ilusões e sofrimentos
desnecessários. Assim ele alcança uma paz que é interna, e não externa. O
sofrimento humano será seu até o final, mas ele aprenderá a ser maior que a
dor.
Um
único esforço de longo prazo, feito desde o ponto de vista correto, coloca
todos os fatores da vida em seu devido lugar. Mas para que isso ocorra, uma
concentração mental e um horizonte mental amplo são igualmente indispensáveis.
O
ponto e o círculo são um. A concentração e a visão ampla devem ocorrer ao mesmo
tempo, ainda que o equilíbrio entre os dois seja, inicialmente, precário. Uma
mente aberta é absolutamente necessária para que o indivíduo veja, perceba e
decida qual deve ser o centro estável da sua encarnação inteira. Uma vez que o
esforço esteja sendo feito na direção correta, cada dia de trabalho traz mais
uma - e decisiva - vitória.
A
concentração é diferente de ambição e de teimosia, porque estes dois
sentimentos são cegos, mas a concentração não é cega. Ela se fortalece pelo
discernimento. Uma concentração duradoura, natural e quase sem esforço resulta
da renúncia decidida ao que não tem importância desde o ponto de vista
filosófico.
A
concentração também depende de ver a importância de cada minuto na vida. A
visão universal acentua a intensidade da percepção. Se temos uma meta nobre e
clara, sabemos que cada segundo conta. Uma hora é como uma eternidade. Há eras insondáveis
contidas em uma semana. E, por outro lado, uma vida inteira é apenas um momento
que passa.
O
tempo é elástico, portanto, e não mecânico. Cada ciclo de 24 horas contém um
manvântara e um pralaya. Ele é uma unidade básica, um tijolo de tempo com o
qual podemos fazer um bom edifício
cármico - nossa atual encarnação - e entregá-lo no final a seu legítimo
proprietário, nosso próprio Eu Superior.
“Assim
é em cima como embaixo”, diz a tradição hermética. Assim na terra como no céu.
O todo está presente em cada uma das suas partes. Do mesmo modo que cada átomo
é uma miniatura do sistema solar, um dia contém a semente e a substância da
eternidade.
A
literatura teosófica visa oferecer ferramentas para que os estudantes construam
ciclos corretos de 24 horas - um após o outro - até que a separação artificial
entre o “momento atual” e a “eternidade” se dissolva na mente como um pedaço de
gelo que se desfaz sob o calor do sol.
O
desafio diário inclui saber que cada vida humana individual é uma gota passageira
no oceano do Espaço, e no oceano da Eternidade. Mas isso não é tudo. Cada dia
de 24 horas da nossa existência física é em si mesmo uma gota nos mesmos
oceanos. E ela é sagrada e valiosa - porque a gota contém os oceanos.
Assim,
as antigas perguntas pitagóricas possuem importância decisiva ao final do
esforço de cada dia:
1)
De que modo eu vivi hoje?
2)
O que eu fiz corretamente?
3)
Quais foram os meus erros? Como irei corrigi-los amanhã?
4)
Tenho um modelo claro e correto do que deve ser um dia da minha vida?
5)
Até que ponto estou seguindo este modelo e cumprindo o meu dever?
Pouco
a pouco, o estudante aprende a viver cada dia na vida como algo completo em si
mesmo e como uma obra de arte. Ele vê que deve haver simetria e equilíbrio
entre o som e o silêncio, entre a ação e a percepção, a aspiração e a renúncia.
Marco Aurélio Antonino, o imperador e filósofo romano, escreveu em suas
Meditações:
“A
perfeição moral consiste em viver cada dia como se fosse o último, evitando a
agitação excessiva, a indiferença e a hipocrisia.”[2]
Em
outra ocasião, o pensador estoico anotou para si mesmo:
“Pensa
firmemente a cada instante, como romano e como homem, em fazer o que estiver em
tuas mãos com uma seriedade total e sincera, com sentimento, independência e
justiça; e trata de livrar-te de quaisquer outras preocupações. Livrar-te-ás
delas se praticares cada ação de toda vida como se fosse a última, evitando a
negligência, a aversão doentia ao domínio da razão, a hipocrisia, o egoísmo e o
inconformismo diante do que te foi destinado.” [3]
NOTAS:
[1]
“Tabla de Cebes, Disertaciones y Fragmentos Menores de Musonio Rufo, Manual y
Fragmentos de Epicteto”, Biblioteca Clásica Gredos, 207, Editorial Gredos,
Madrid, 1995, 250 pp., ver p. 149.
[2] “Meditações”,
Marco Aurélio, Clássicos de Bolso, Ediouro, RJ, parágrafo 69, Livro VII, p. 84.
[3] “Meditações”,
Marco Aurélio, Ediouro, Livro II, parágrafo 5, p. 31.
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O
artigo acima foi publicado pela primeira vez em outubro de 2012 em língua
inglesa em nossos websites associados. Título original: “The Daily Battle”.
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Veja também o texto “Um Confronto Diário no Templo”, do mesmo autor.
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Em
setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento
esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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