5 de novembro de 2012

Uma Batalha Diária

A Ponte Para Uma Bênção Infinita
Pode Ser Encontrada no Ciclo de 24 Horas

Carlos Cardoso Aveline




 “Só é possível viver corretamente o dia de
hoje se olharmos para ele como se fosse o último.”

Musônio Rufo (28?-100? E. C.) [1]



“Não há nada como um dia depois do outro”, diz um provérbio. E não há, de fato.  

Pode-se ter mais informação - ou menos - sobre a arte de viver e sobre o caminho da sabedoria; e tal informação pode ser confiável ou não. Em todos os casos, a grande batalha que se deve travar é a batalha de cada novo dia na vida.

A luta por agir de modo correto é simultaneamente física, emocional e mental. Deve-se estabelecer melhores hábitos. É necessário reduzir ou eliminar padrões errados de vibração. Ao preparar a si próprio através de intenções nobres, pensamentos adequados e ações justas, o indivíduo purifica seu instrumento - o eu inferior - e se liberta gradualmente de ilusões e sofrimentos desnecessários. Assim ele alcança uma paz que é interna, e não externa. O sofrimento humano será seu até o final, mas ele aprenderá a ser maior que a dor.

Um único esforço de longo prazo, feito desde o ponto de vista correto, coloca todos os fatores da vida em seu devido lugar. Mas para que isso ocorra, uma concentração mental e um horizonte mental amplo são igualmente indispensáveis.

O ponto e o círculo são um. A concentração e a visão ampla devem ocorrer ao mesmo tempo, ainda que o equilíbrio entre os dois seja, inicialmente, precário. Uma mente aberta é absolutamente necessária para que o indivíduo veja, perceba e decida qual deve ser o centro estável da sua encarnação inteira. Uma vez que o esforço esteja sendo feito na direção correta, cada dia de trabalho traz mais uma - e decisiva - vitória.

A concentração é diferente de ambição e de teimosia, porque estes dois sentimentos são cegos, mas a concentração não é cega. Ela se fortalece pelo discernimento. Uma concentração duradoura, natural e quase sem esforço resulta da renúncia decidida ao que não tem importância desde o ponto de vista filosófico.

A concentração também depende de ver a importância de cada minuto na vida. A visão universal acentua a intensidade da percepção. Se temos uma meta nobre e clara, sabemos que cada segundo conta. Uma hora é como uma eternidade. Há eras insondáveis contidas em uma semana. E, por outro lado, uma vida inteira é apenas um momento que passa.

O tempo é elástico, portanto, e não mecânico. Cada ciclo de 24 horas contém um manvântara e um pralaya. Ele é uma unidade básica, um tijolo de tempo com o qual podemos fazer um bom edifício cármico - nossa atual encarnação - e entregá-lo no final a seu legítimo proprietário, nosso próprio Eu Superior.  

“Assim é em cima como embaixo”, diz a tradição hermética. Assim na terra como no céu. O todo está presente em cada uma das suas partes. Do mesmo modo que cada átomo é uma miniatura do sistema solar, um dia contém a semente e a substância da eternidade.

A literatura teosófica visa oferecer ferramentas para que os estudantes construam ciclos corretos de 24 horas - um após o outro - até que a separação artificial entre o “momento atual” e a “eternidade” se dissolva na mente como um pedaço de gelo que se desfaz sob o calor do sol.

O desafio diário inclui saber que cada vida humana individual é uma gota passageira no oceano do Espaço, e no oceano da Eternidade. Mas isso não é tudo. Cada dia de 24 horas da nossa existência física é em si mesmo uma gota nos mesmos oceanos. E ela é sagrada e valiosa - porque a gota contém os oceanos.

Assim, as antigas perguntas pitagóricas possuem importância decisiva ao final do esforço de cada dia:

1) De que modo eu vivi hoje?  
2) O que eu fiz corretamente?
3) Quais foram os meus erros? Como irei corrigi-los amanhã?
4) Tenho um modelo claro e correto do que deve ser um dia da minha vida?  
5) Até que ponto estou seguindo este modelo e cumprindo o meu dever?

Pouco a pouco, o estudante aprende a viver cada dia na vida como algo completo em si mesmo e como uma obra de arte. Ele vê que deve haver simetria e equilíbrio entre o som e o silêncio, entre a ação e a percepção, a aspiração e a renúncia. Marco Aurélio Antonino, o imperador e filósofo romano, escreveu em suas Meditações:

“A perfeição moral consiste em viver cada dia como se fosse o último, evitando a agitação excessiva, a indiferença e a hipocrisia.”[2]

Em outra ocasião, o pensador estoico anotou para si mesmo:

“Pensa firmemente a cada instante, como romano e como homem, em fazer o que estiver em tuas mãos com uma seriedade total e sincera, com sentimento, independência e justiça; e trata de livrar-te de quaisquer outras preocupações. Livrar-te-ás delas se praticares cada ação de toda vida como se fosse a última, evitando a negligência, a aversão doentia ao domínio da razão, a hipocrisia, o egoísmo e o inconformismo diante do que te foi destinado.” [3]

NOTAS:

[1] “Tabla de Cebes, Disertaciones y Fragmentos Menores de Musonio Rufo, Manual y Fragmentos de Epicteto”, Biblioteca Clásica Gredos, 207, Editorial Gredos, Madrid, 1995, 250 pp., ver p. 149.

[2] “Meditações”, Marco Aurélio, Clássicos de Bolso, Ediouro, RJ, parágrafo 69, Livro VII, p. 84.

[3] “Meditações”, Marco Aurélio, Ediouro, Livro II, parágrafo 5, p. 31.

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O artigo acima foi publicado pela primeira vez em outubro de 2012 em língua inglesa em nossos websites associados. Título original: “The Daily Battle”.

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Veja também o texto “Um Confronto Diário no Templo”, do mesmo autor.  

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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.

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