Um
Fracasso Ético da Civilização Ocidental
Helena P. Blavatsky
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Nota
Editorial:
Neste texto vigoroso de 1883, H.P.B. mostra
o saldo ético negativo da chamada “civilização
cristã” em relação aos animais, e especialmente em
relação aos animais mais evoluídos, os “irmãos
menores” da humanidade. Com algumas boas
e nobres exceções, entre as quais a principal é a
de São
Francisco de Assis e do franciscanismo,
o cristianismo ainda hoje desculpa e “autoriza” o
covarde massacre cotidiano de animais indefesos.
Nesta primeira parte do século 21, nossa
civilização
começa a despertar. Os movimentos de defesa dos
animais são cada vez mais fortes. O vegetarianismo
se alastra,
e a consciência ecológica permeia
vastos
setores do
próprio cristianismo.
O texto de HPB, porém, permanece plenamente atual.
(Carlos Cardoso Aveline)
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P. É possível para mim, que amo os
animais, obter mais poder do que tenho para ajudá-los em seu sofrimento?
R. Um autêntico AMOR não egoísta,
combinado à VONTADE, é um “poder” em si mesmo. Aqueles que amam os animais
devem mostrar sua afeição de maneira mais eficiente do que cobrir seus animais
com fitas e levá-los para uivar e arranhar nas competições, em busca de
prêmios.
P. Por que os animais mais nobres
sofrem tanto nas mãos dos homens? Não preciso entrar em detalhes ou tentar
explicar esta questão. As cidades são lugares de tortura de animais que podem,
por qualquer motivo, ser usados e abusados pelo homem! E esses são sempre os
mais nobres.
R. Nos Sutras ou Aforismos de Karma-pa,
uma seita que é um ramo da grande seita Gelukpa
(capuz amarelo) no Tibete, e cujo nome indica sua doutrina – “os que acreditam
na eficácia do Carma” (ação, ou boas obras) – um Upasaka [1] pergunta a seu Mestre: “Por que o destino dos pobres animais
mudou tanto ultimamente? Nunca um animal era morto ou tratado injustamente nas
imediações de um templo budista ou outros templos na China, antigamente,
enquanto hoje em dia eles são mortos e livremente vendidos nos mercados de
várias cidades, etc.” A resposta é sugestiva:
. . . “Não ponha a culpa na natureza por esta injustiça
sem igual. Não procure inutilmente por efeitos cármicos para explicar a crueldade,
porque o Tenbrel Chugnyi (conexão
causal, Nidâna) não lhe mostrará nenhum.
É a indesejada vinda do Peling (cristão
estrangeiro), cujos três deuses ferozes recusaram-se a dar proteção para os
fracos e pequenos (os animais), que é
responsável pelos sofrimentos incessantes, e de fazer doer o coração, de nossos
companheiros mudos.”
A resposta à pergunta acima está
aqui em poucas palavras. Pode ser útil, ainda que mais uma vez desagradável,
dizer a alguns religiosos que a culpa por este sofrimento universal é
inteiramente da nossa religião e educação ocidentais. Cada sistema filosófico
oriental, cada religião e seita da antiguidade – bramânica, egípcia, chinesa e,
finalmente, o mais puro e nobre de todos os sistemas de ética existentes, o budismo,
ensinam bondade e proteção a cada criatura viva, desde o animal e o pássaro até
os seres rastejantes e mesmo o réptil. Só a nossa religião ocidental permanece
em seu isolamento, como um monumento ao mais gigantesco egoísmo humano jamais desenvolvido por uma mente
humana, sem uma palavra em favor ou proteção do pobre animal. Muito pelo
contrário. Porque a teologia, enfatizando uma frase do capítulo jeovístico da
“Criação”, interpreta-a como prova de que os animais, como todo o resto, foram
criados para o homem! Portanto, a caça se tornou um dos entretenimentos mais nobres das classes superiores.
Assim – pobres inocentes pássaros feridos, torturados e mortos aos milhões a
cada outono, tudo em países cristãos, para a recreação do homem. Disso também
surgiu a maldade, e frequentemente a crueldade a sangue frio, durante a
juventude do cavalo e do novilho, indiferença brutal com seu destino quando a
idade os torna incapazes para o trabalho, e ingratidão após anos de trabalho
duro para o homem e a seu serviço. Em todos os países que o europeu passa a
dominar, começa a matança de animais e o seu massacre inútil.
“Alguma vez o prisioneiro matou
animais por prazer?” perguntou um
juiz budista numa cidadezinha fronteiriça na China, infestada de piedosos homens de igreja e missionários europeus, a
respeito de um homem acusado de ter matado sua irmã. E, diante de uma resposta
afirmativa, já que o prisioneiro tinha estado a serviço de um coronel russo,
“um poderoso caçador diante do Senhor”, o juiz não precisou de nenhuma outra
evidência e o assassino foi considerado “culpado” – com razão, como sua
confissão posterior comprovou.
Deve o cristianismo, ou mesmo o
leigo cristão, ser culpado? Nenhum dos dois. É o sistema pernicioso da
teologia, são os longos séculos de teocracia e o feroz e sempre crescente
egoísmo dos países ocidentais civilizados. O que podemos fazer?
NOTA:
[1] Upasaka: discípulo. (CCA)
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O texto acima foi publicado pela primeira vez em maio de 1888. Título
original: “Why Do Animals Suffer?”. Ver
“Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, Volume
II, 532 pp., 1981, pp. 327-328.
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