22 de maio de 2013

Por Que os Animais Sofrem?

Um Fracasso Ético da Civilização Ocidental

Helena P. Blavatsky


  
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Nota Editorial:

Neste texto vigoroso de 1883, H.P.B. mostra
o saldo ético negativo da chamada “civilização
cristã” em relação aos animais, e especialmente em
relação aos animais mais evoluídos,  os “irmãos
menores” da humanidade. Com algumas boas
e nobres exceções, entre as quais a principal é a
de  São Francisco de Assis e do franciscanismo,
o cristianismo ainda hoje desculpa e “autoriza” o
covarde massacre cotidiano de animais indefesos.

Nesta primeira parte do século 21, nossa civilização
começa a despertar.   Os movimentos de defesa dos
animais são cada vez mais fortes. O vegetarianismo
se alastra,  e a consciência ecológica permeia  vastos
setores  do próprio cristianismo. 

O texto de HPB, porém, permanece plenamente atual.

(Carlos Cardoso Aveline)

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P. É possível para mim, que amo os animais, obter mais poder do que tenho para ajudá-los em seu sofrimento?

R. Um autêntico AMOR não egoísta, combinado à VONTADE, é um “poder” em si mesmo. Aqueles que amam os animais devem mostrar sua afeição de maneira mais eficiente do que cobrir seus animais com fitas e levá-los para uivar e arranhar nas competições, em busca de prêmios.  

P. Por que os animais mais nobres sofrem tanto nas mãos dos homens? Não preciso entrar em detalhes ou tentar explicar esta questão. As cidades são lugares de tortura de animais que podem, por qualquer motivo, ser usados e abusados pelo homem! E esses são sempre os mais nobres.

R. Nos Sutras ou Aforismos de Karma-pa, uma seita que é um ramo da grande seita Gelukpa (capuz amarelo) no Tibete, e cujo nome indica sua doutrina – “os que acreditam na eficácia do Carma” (ação, ou boas obras) – um Upasaka [1] pergunta a seu Mestre: “Por que o destino dos pobres animais mudou tanto ultimamente? Nunca um animal era morto ou tratado injustamente nas imediações de um templo budista ou outros templos na China, antigamente, enquanto hoje em dia eles são mortos e livremente vendidos nos mercados de várias cidades, etc.” A resposta é sugestiva:

. . . “Não ponha a culpa na natureza por esta injustiça sem igual. Não procure inutilmente por efeitos cármicos para explicar a crueldade, porque o Tenbrel Chugnyi (conexão causal, Nidâna) não lhe mostrará nenhum. É a indesejada vinda do Peling (cristão estrangeiro), cujos três deuses ferozes recusaram-se a dar proteção para os fracos e pequenos (os animais), que é responsável pelos sofrimentos incessantes, e de fazer doer o coração, de nossos companheiros mudos.”

A resposta à pergunta acima está aqui em poucas palavras. Pode ser útil, ainda que mais uma vez desagradável, dizer a alguns religiosos que a culpa por este sofrimento universal é inteiramente da nossa religião e educação ocidentais. Cada sistema filosófico oriental, cada religião e seita da antiguidade – bramânica, egípcia, chinesa e, finalmente, o mais puro e nobre de todos os sistemas de ética existentes, o budismo, ensinam bondade e proteção a cada criatura viva, desde o animal e o pássaro até os seres rastejantes e mesmo o réptil. Só a nossa religião ocidental permanece em seu isolamento, como um monumento ao mais gigantesco egoísmo humano jamais desenvolvido por uma mente humana, sem uma palavra em favor ou proteção do pobre animal. Muito pelo contrário. Porque a teologia, enfatizando uma frase do capítulo jeovístico da “Criação”, interpreta-a como prova de que os animais, como todo o resto, foram criados para o homem! Portanto, a caça se tornou um dos entretenimentos mais nobres das classes superiores. Assim – pobres inocentes pássaros feridos, torturados e mortos aos milhões a cada outono, tudo em países cristãos, para a recreação do homem. Disso também surgiu a maldade, e frequentemente a crueldade a sangue frio, durante a juventude do cavalo e do novilho, indiferença brutal com seu destino quando a idade os torna incapazes para o trabalho, e ingratidão após anos de trabalho duro para o homem e a seu serviço. Em todos os países que o europeu passa a dominar, começa a matança de animais e o seu massacre inútil.

“Alguma vez o prisioneiro matou animais por prazer?” perguntou um juiz budista numa cidadezinha fronteiriça na China, infestada de piedosos homens de igreja e missionários europeus, a respeito de um homem acusado de ter matado sua irmã. E, diante de uma resposta afirmativa, já que o prisioneiro tinha estado a serviço de um coronel russo, “um poderoso caçador diante do Senhor”, o juiz não precisou de nenhuma outra evidência e o assassino foi considerado “culpado” – com razão, como sua confissão posterior comprovou.

Deve o cristianismo, ou mesmo o leigo cristão, ser culpado? Nenhum dos dois. É o sistema pernicioso da teologia, são os longos séculos de teocracia e o feroz e sempre crescente egoísmo dos países ocidentais civilizados. O que podemos fazer?

NOTA:

[1] Upasaka: discípulo. (CCA)

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O texto acima foi publicado pela primeira vez em maio de 1888. Título original: “Why Do Animals Suffer?”. Ver “Theosophical Articles”, H.P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, Volume II, 532 pp., 1981, pp. 327-328.

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