A Vida Diária De Quem Vive a
Sabedoria
The Theosophical Movement
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Nota
Editorial:
O artigo a seguir revela
aspectos práticos, mas pouco
conhecidos, da filosofia esotérica ensinada pelos Mestres
de Sabedoria. Alguns estudantes
não serão capazes de trilhar
de imediato este caminho, mas
isso não é motivo para desanimar.
Ao contrário. A compreensão deve
anteceder a ação. A pressa é
inimiga do aperfeiçoamento. O
aprendiz tem que preparar-se
serenamente para a caminhada -
e deve fazer isso em seu próprio
ritmo.
“A Firmeza de Propósito” foi publicado inicialmente na
revista “The Theosophical Movement”, edição de janeiro
de 2003.
(CCA)
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“Tendo-se tornado indiferente aos objetos de percepção,
o aluno deve buscar o Rajá dos sentidos, o Produtor de Pensamentos, aquele que
desperta a ilusão ....
Quando para ele a sua própria forma parece irreal,
assim como parecem irreais ao despertar
todas as formas que ele vê em sonhos;
Quando ele deixa de ouvir os muitos sons, ele pode
discernir o UM - o som interior que
elimina o som externo .... .
Antes que a Alma possa compreender e consiga lembrar,
ela deve estar unida ao Orador Silencioso ....
Porque então a Alma escutará, e lembrará.
E então, o ouvido interior irá escutar
- A VOZ DO SILÊNCIO.”
- “A Voz do
Silêncio”, livro de H. P. Blavatsky.
É
em
torno das poucas linhas acima que o estudante de Teosofia deve construir a sua
resolução, a sua conduta e a sua prática espiritual diária. Os seus esforços
têm que ser concentrados em função de um só objetivo - discernir o UNO - o som
interior que elimina o som exterior. Se isto estivesse além do alcance do
estudante, a instrução não teria sido colocada na forma como foi. Na verdade,
todo o resto do livro “A Voz do Silêncio” só poderá ter utilidade se as poucas
indicações contidas nestes versos forem seguidas. A obra é destinada apenas a
aqueles que tentam tornar-se indiferentes aos objetos de percepção, e que
persistem no esforço enquanto os anos passam, um após o outro, até que a
mensagem da vida espiritual se torne clara e forte.
Antes que possa pensar em meditação, o aspirante tem que alcançar um
certo grau de concentração. A cada vez, antes que entre em sua hora sagrada dedicada ao mundo
espiritual, ele tem que imunizar-se contra todas as reações inferiores e
estabilizar-se tornando-se indiferente a visões e sonhos - tanto externos como
internos - que projetem objetos de percepção em sua mente. Seu esforço
preliminar deve ser por tornar as emoções incapazes de perturbar sua serenidade,
pelo menos durante aquela hora.
Ficar aborrecido por sofrer uma injustiça; a indignação e a vergonha de
ser alvo de calúnia; o sentimento de ser esquecido e marginalizado pelas
próprias pessoas de quem deveria esperar amizade e compreensão - estas são
apenas algumas circunstâncias que a vida produz e que, se enfocadas
corretamente, tornam-se meios de treinamento para alcançar a indiferença mais
elevada. São circunstâncias como estas que ensinam ao discípulo como ir além da
atmosfera viciada da existência pessoal. Também há dias de tristeza em que nada
parece dar certo, em que sentar para praticar concentração só produz oscilações
mais intensas. Surgem momentos em que imagens indesejáveis aparecem uma após a
outra, espontaneamente, maldosas e cheias de terror. A matéria tem destas
tendências, mas a Alma do homem é mais forte do que qualquer compulsão que elas
possam provocar. Também pode haver dias em que, contorcendo-se sob a tirania de
outros, ele chega a duvidar de que a fraternidade seja um fato e constitua a
chave para a emancipação. Tais são os acontecimentos que testam as almas dos
homens, e que, pela sua própria
violência, despertam a força da alma e o seu poder de erguer-se e vencer.
Pode-se dizer que o estudante está concentrado quando faz com que toda a
sua consciência (corpo, desejos, mente) se volte para um ponto focal de
atenção.
Em tais ocasiões, ele coloca toda a força dos seus pensamentos sobre um
só ponto, de modo que não há distração nem relaxamento do esforço, durante o
tempo em que a concentração é praticada. A energia assim fixada em qualquer assunto
ou objeto é intensa e produz resultados cuja magnitude ultrapassa as
realizações das mentes que o mundo considera brilhantes.
Durante este esforço concentrado não pode haver desvio de atenção, nem
diminuição da unidade compacta do esforço. A fixidez de propósito, a
unidirecionalidade, a recusa de qualquer coisa que o afaste do objetivo
desejado, e o fechamento de todos os canais que podem trazer para o interior
quaisquer elementos externos perturbadores, são requisitos desta prática de
concentração. A saúde do corpo é tão vital, para esta prática, quanto uma mente
em paz e um temperamento sereno. Sendo algo que leva a um despertar da Alma,
esta prática exige uma devoção exclusiva que sabe discriminar entre os
diferentes sons, visões, emoções e atos, e que classifica cada um deles como favorável
ou como desfavorável ao seu desenvolvimento. Sobre isso, Krishna afirma:
“Esta disciplina divina não pode ser alcançada pelo homem que come em
excesso ou come muito pouco, nem por aquele que tem o hábito de dormir muito,
ou de dormir muito pouco. A meditação que destrói o sofrimento é produzida
naquele que é moderado na comida e na recreação, que é moderado em suas ações,
e tem hábitos regulares no sono e na vigília.”
(“Bhagavad Gita”, Theosophy Company, Los Angeles, Capítulo VI, pp. 16-17.)
Ele diz em seguida que tal pessoa deve concentrar seu coração no
verdadeiro Eu e libertar-se de apego a qualquer desejo. Só deve adotar esta
prática quem estiver preparado para concentrar seu coração no verdadeiro Eu,
que é o Eu de todas as criaturas. Aquele que praticar concentração para algum
objetivo diferente deste não está devotado ao Mais Alto, e faz apenas um
esforço para possuir a força elevada em função de usá-la em propósitos
inferiores e até mesmo não-espirituais.
Se for dada a devida importância às palavras sábias de Krishna, ficará
claro que elas exigem uma atenção ativa do aspirante em toda a sua vida diária,
sem a exclusão de momento algum. Neste contexto, as ações triviais, feitas ao
longo do dia, podem ser obstáculos para a vida elevada. Os costumes estabelecidos
na sociedade são prejudiciais. A rivalidade nos negócios e a busca de prazeres
“inocentes” são elementos de dissuasão e barreiras para o progresso. A
“concentração” é o ato, consciente e cauteloso, de tentar encontrar uma
localização para a Alma no Mais Elevado. Esta não é uma tarefa fácil, porque,
já no Capítulo Onze do “Bhagavad Gita”, Arjuna confessa que durante sua
caminhada ao longo da vida ele havia esquecido quem era Krishna, e havia cometido
portanto o erro de não manter a devida reverência pela presença ubíqua que é
Krishna. Embora fosse um discípulo de Krishna, ele não havia podido ver a
diferença entre o Krishna mortal e o aspecto de Krishna que está presente em
todas as coisas. É neste contexto amplo que as palavras de Arjuna devem ser
colocadas. Diz ele:
“Tendo sido incapaz de ver a tua majestade, eu te considerei um amigo e
me dirigi a ti dizendo: ‘Oh Krishna, filho de Yadu, oh, amigo’ ; e, cegado pelo
afeto e pela presunção, eu às vezes te tratei sem respeito no esporte, na
recreação, no descanso, em tua cadeira, e durante as tuas refeições, em público
e em privado.”
É para evitar tal perda da memória do mais elevado que se deve ter
cuidado, porque, se esta memória não estiver sempre presente, a alma não será
capaz de descansar no espírito durante cada momento de lazer.
A concentração que o discípulo deve buscar é totalmente diferente do que
se entende por concentração em épocas mais recentes. Os charlatães são muitos e
o mercado de aprendizes ambiciosos se expande rapidamente. Concentração parece
ser apenas o uso de uma força que, como qualquer outra, pode ser aplicada para
bons ou maus objetivos. Está na moda adquirir concentração para obter progresso
pessoal e conseguir domínio sobre os destinos de outros homens. O estudante de
Teosofia é advertido contra a prática de concentração em função de objetivos
ignóbeis e pessoais. Sendo alguém que tenta colocar os interesses dos outros
acima dos seus próprios, espera-se que ele adquira estabilidade mental e acumule
reservas de força interior. Ele deve fazer isso para que esteja melhor
preparado para servir a humanidade. Os seus esforços de concentração devem
girar em torno do desejo de tornar a Teosofia um poder vivo, capaz de manifestar-se
através da sua força vital. Na concentração, ele deve encontrar aquela potência
que irá capacitá-lo a produzir um vasto amor fraterno, capaz de atravessar as
barreiras de raça, casta, credo e cor. Ele tem que reunir em si mesmo vastos
estoques de energia, que mais adiante lhe darão a força necessária para
trabalhar inegoisticamente pela humanidade, e por todos os homens, bons ou
maus. Para alcançar um objetivo tão elevado, ele deve deixar de ser um homem
arrastado pelos desejos, e transformar-se em uma força impessoal para o bem. Ele
treina a si mesmo para colocar os seus sentidos e seus órgãos de ação a serviço
do esforço para beneficiar a todos. Consequentemente, quando um tal aspirante
senta-se para praticar concentração, ele tenta esquecer por completo o seu eu
pessoal. Ao fazer isso, ele fica mais preparado para ser completamente tomado
por aquele sincero altruísmo que não conhece barreiras e está livre de toda
limitação.
Uma vez que o estudante tenha este objetivo nobre, como é que ele pode
planejar seus próximos passos? Que conhecimentos ele busca, que poderes ele
ambiciona?
A concentração deve tornar-se um modo de vida e um atributo íntimo do
homem desperto. No entanto, para aquele que prefere aproximar-se gradualmente
da concentração, o melhor exercício é o de revisar o que ele fez como ser pessoal
nas vinte e quatro horas anteriores. Será que a Teosofia caminhou junto com ele
pelo caminho espinhoso da disciplina? Será que ela foi o pano de fundo dos seus
planos, dos seus êxitos e fracassos? Ao olhar para cada acontecimento, ele deve
examiná-lo como se estivesse no trono do Altíssimo. Será que o ideal de uma
fraternidade universal da humanidade está presente em sua interação com os
outros? Será que ele mostrou indiferença em relação a seus próprios sofrimentos
e manteve sua alma em paz mesmo quando a injustiça pessoal foi praticada contra
ele, e de modo cruel? Será que ele foi procurar quem estava necessitado de uma
palavra de sabedoria e mostrou para esta pessoa a proteção benigna de uma LEI
viva? Ele teve
compaixão pelas fraquezas dos outros? Cumpriu seus deveres? Ou não os cumpriu? Ou
cumpriu-os com indiferença? Ou cumpriu-os com uma dedicação total, nascida de
um sentimento de devoção? Ele foi fraterno com todos os seres? Abriu espaço
para que o progresso de outras pessoas estivesse assegurado? Cada acontecimento
deve ser visto em retrospecto, e de cada um deve ser tirada uma lição para a vida
que deve ser vivida.
Diante de cada ação, e cada reação, cinco perguntas devem ser feitas:
1) Minha ação evocou em mim aquela solidariedade que é manifestação do
amor imortal?
2) A ação sintetizou a unidade entre pensamento, palavra e atitude
prática?
3) A ação serviu para construir reservas daquela calma que permanece
imperturbável ao longo de todas as experiências?
4) Foi manifestada aquela coragem que surge da alma desperta?
5) Esteve presente com eficiência, em todos os níveis do ser, uma divina
indiferença em relação a dor e prazer?
Independentemente do fato de as respostas serem “sim” ou “não”, o esforço
de concentração registrará na memória qual deve ser a movimentação ideal da
alma para que ela continue em pleno contato com sua fonte e origem.
Tudo isso ocorre no retrospecto -; o levantamento de créditos e débitos,
a assimilação da experiência, a produção de um conhecimento capaz de fazer
frente a situações similares no futuro. O exercício marca o final de um dia de
vinte e quatro horas. Mas há também outro exercício em que a imaginação é convidada
a cumprir um papel extremamente importante na vida do indivíduo. No início do
dia, a Alma deve registrar a sua visão no corpo físico, prevendo e planejando
através de imagens mentais como será o dia. Que deveres devem ser cumpridos?
Qual será sua atitude em tal ou qual momento do dia? Com quem ele se
encontrará, provavelmente? É possível que ele tenha que ouvir calúnias? Se isto
ocorrer, como ele se comportará? Será que ele poderá atrair alguém para o
caminho correto? Se há a possibilidade de que alguém seja injustamente atacado
em sua presença, como é que ele fará sua defesa e ao mesmo tempo preservará o
padrão de respeitabilidade, decência e bom comportamento? Se podem surgir
circunstâncias calamitosas, de que modo ele controlará suas reações, como usará a circunstância para
vencer um mau hábito ou aumentar um mérito - nele mesmo e nos outros? Uma meia hora dedicada a tal
trabalho tende a crescer mais e mais, até que cada momento livre passa a ser
usado para aproximar a personalidade individual da sua luz interior.
Como um bom artesão, o homem que pratica concentração seleciona e
arranja os seus instrumentos para o esforço a ser empreendido. O escultor, o
pintor e o artista invocam suas musas; por que motivo aquele que esculpe e pinta
com a vida não faria o mesmo? É exatamente isso que ele deve fazer com o poder
de concentração, depois de estabelecer sua ligação com o eu superior. Ele tem o
privilégio e a responsabilidade de criar e projetar neste plano as imagens que
a sua alma constrói - imagens de ações bem feitas e de dias e noites dedicados
à busca do sagrado.
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Título
original do texto acima: “Fixity of
Purpose”. O artigo pode ser
encontrado em inglês em nossos websites associados.
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Para conhecer a teosofia original desde o
ângulo da vivência direta, leia o livro “Três
Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi
publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.
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