Não Há Nada Separando a Nossa
Vida Interna do Universo Exterior
Carlos Cardoso Aveline


Um
princípio básico da filosofia esotérica é o da correspondência inevitável entre o mundo externo, objetivo, e o mundo
interno ou subjetivo.
À luz deste princípio, pode-se dizer que de certo modo não existem alguns
temas que são “espirituais” (como meditação e devoção, por exemplo), e outros
temas que são “não-espirituais”, como justiça social, equilíbrio ambiental ou
ética na administração pública.
O que existe são algumas maneiras espirituais de olhar para todos os
temas da vida, e outras maneiras não-espirituais
de olhar para qualquer coisa.
Segundo o poeta Mário Quintana, não há assuntos que são “poéticos”, ao lado
de outros que não o são. Há pontos de vista que são poéticos, em relação a qualquer coisa; e outros pontos de
vista que não o são. A poesia, como a espiritualidade, está mais no olhar do
que na coisa olhada.
É verdade que tudo depende do ponto de vista que adotamos para observar
a vida: mas isso não deve levar-nos para o terreno ilusório da idealização
ingênua.
Devem ser preservados o nosso espírito crítico e a nossa
coragem de questionar. Imobilidade é sinônimo de morte, e o mundo ao nosso redor,
assim como cada um de nós, está longe de
qualquer coisa parecida com perfeição.
Assim, o olhar espiritual implica um certo rigor e uma exigência de
movimento em direção a uma meta nobre. Não é exigida perfeição; mas tanto
a vida como a lei do carma exigem
constante aperfeiçoamento.
Quando aquele que busca a verdade finalmente compreende o princípio da
correspondência dinâmica entre o que é interno e o que é externo, ele vê que o
ponto de vista a partir do qual olha o universo é determinado pela forma como
sua alma se organiza em determinado momento.
Ele enxerga o mundo externo como uma expressão e um espelho do seu
estado de espírito e da situação da sua
alma. E, no entanto, isso não é o suficiente.
O aprendiz deve perceber que a recíproca é igualmente verdadeira. Também
o seu estado de espírito reflete, em um plano subjetivo, aquilo que ocorre no
mundo ao redor. O universo psicológico tem um nível de consciência que registra
em si mesmo os fatos do universo exterior, e se adapta a eles.
“A mente se torna como aquilo que ela observa”, ensinam os Aforismos de
Ioga de Patañjali (Sutras I-04 e II-11, entre outros). Graças a essa
comunicação de mão dupla, não há separação possível entre mundo externo e mundo
interno. Embora possam ser distintos e diferentes um do outro, eles interagem o
tempo todo inevitavelmente. O autoconhecimento é indispensável para que se
compreenda o universo. Ao mesmo tempo, estudar o universo permite expandir o
conhecimento de nós mesmos. Por isso o tratado místico “Luz no Caminho” faz as
seguintes recomendações a quem
deseja encontrar de fato a verdade:
* “Procura o caminho.”
* “Procura o caminho retirando-te para o teu interior.”
* “Procura o caminho avançando corajosamente para o exterior.” [1]
É a partir do princípio da comunicação dinâmica entre mundo interno e mundo
externo na alma e na aura de cada cidadão que a teosofia original aborda tanto questões
“objetivas” quanto temas “subjetivos”, e discute igualmente ética na administração
pública, ética no movimento teosófico, preservação do meio ambiente,
reflorestamento, sabedoria divina, filosofia esotérica, religiões e filosofias
diversas.
Cabe investigar como se pode evitar a dispersão mental, ao examinar tantos
temas que aparentemente apontam em direções diferentes. Nosso dever não é
afastar necessariamente certos assuntos, catalogando-os como não-espirituais. O correto é ter atenção
e desapego diante de cada um dos fatos observados, e então identificar os
padrões essenciais subjacentes a todos eles.
Quando aprendemos a captar a essência das coisas, podemos ter uma ampla diversidade
e amplitude de visão, sem que haja dispersão mental.
Uma visão profunda da realidade vai além dos conceitos superficiais de
“interno” e “externo” e alcança a paz e o silêncio sem a necessidade infantil
de negar a diversidade. Isso é possível porque, através dessa visão, tudo é
observado do ponto de vista do coração do indivíduo e do coração do universo.
Uma nota curta publicada há décadas na revista “Theosophy”, de Los
Angeles, ajuda a compreender a interação entre “mundo objetivo” e “mundo
subjetivo”. Em sua sessão de cartas e comentários, na edição de setembro de
1974, a revista publicou a seguinte pergunta:
“De que modo o estudo do que está
‘lá fora’ pode contribuir para o conhecimento do Eu Superior, uma questão
que é, obviamente, muito interna?”
E um autor anônimo, ligado à Loja Unida de Teosofistas, respondeu:
“Em última instância, ‘interno’ e ‘externo’ são apenas figuras de
linguagem, já que o Ser não tem localização, exceto em relação às condições
físicas da nossa existência corporal, que são percebidas por nós através dos
órgãos dos sentidos. A obra ‘A Voz do Silêncio’ recomenda ao discípulo: ‘olhe
para o interior: você é Buddha’ - mas esse ‘interior’ implica um ‘ponto de
vista’ a ser adotado pelo aprendiz. Ele deve procurar os princípios motores em
todas as coisas. Estes princípios, sendo universais, não são os aspectos
mutáveis dos acontecimentos, mas são aqueles significados que persistem e
continuam a influenciar outras formas e outras relações mais elevadas.”
O autor da resposta explica:
“Por exemplo, os princípios relevantes em um problema matemático não se
aplicam apenas a aquele problema específico. A repetida descoberta deste fato
dá acesso a um tipo sintetizador de conhecimento - uma compreensão da unidade
dentro da diversidade. Do mesmo modo, nós descobrimos que o ser interior do
homem, com todas as suas diferentes formas externas, não está separado da natureza que nós
percebemos como ‘externa’. As relações, e mesmo a identidade do homem com o
espírito dinâmico da natureza podem ser compreendidas através da capacidade que
a mente autoconsciente tem de reconhecer e observar a si mesma. Esta é uma
função da mente tal como ela existe no homem, isto é, como uma parte da
natureza. Muitas das forças que fazem parte da natureza humana correspondem ao
que está ocorrendo ‘lá fora’ - os ciclos sazonais de crescimento, as
tempestades, os ajustamentos e reajustamentos, alguns graduais, alguns
cataclísmicos, todos contendo em sua completude a expressão total da causa.
H.P.B. escreve em ‘A Doutrina Secreta’ sobre a notável coerência com que os
acontecimentos ocorrem em ciclos de sete, tanto na natureza como no homem. [2] Mas em que lugar, na natureza, estão as
funções especificamente humanas? O poder de escolha, de iniciativa, de
ideação? Entre essas funções estão não
só o poder de saber, de fazer e de ser, mas também o poder de refletir sobre o
significado de todas estas ações - suas implicações, seus efeitos - em todos os
planos. Nesta capacidade está o poder de identificar-se com todo o universo, e
no entanto ‘permanecer à parte’ - de compreender que o eu não está nem dentro
nem fora, mas em todos os lugares. O desenvolvimento completo desse poder no
ser humano é a capacidade de ‘agir pelo Ser e para o Ser de todas as criaturas’.
Isso foi conquistado por aqueles homens aperfeiçoados que se chama de Mestres
de Sabedoria, ou Irmãos mais velhos da humanidade, e que não estão separados da
natureza mas, ao contrário, são a sua corporificação mais completamente
autoconsciente. Aqueles que tentam viver desse modo se identificam na mesma medida
com esse aspecto da natureza, e passam a conhecer tanto a natureza como a si
mesmos.” (pp. 341-342)
A compreensão desses fatos ocorre gradualmente, e passa pela prática simultânea
da amplitude de horizontes, e do desapego pessoal.
NOTAS:
[1] Regras I-17 a
I-19 em “Luz no Caminho”, de M.C., The Aquarian Theosophist, 2014, 85 pp., ver pp. 23-24.
[2] “The Secret
Doctrine”, H. P. Blavatsky, vol. I., p. 586; vol II, pp. 622-623 da edição da Theosophy
Company.
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Veja
também os textos “As Três Proposições
Fundamentais” de Helena Blavatsky, e “A
Tábua de Esmeralda”, de Carlos Cardoso Aveline. Ambos estão disponíveis em nossos websites
associados.
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Sobre o mistério do despertar individual
para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.

Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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