23 de março de 2014

Uma Oração ao Eu Superior

Estudando Um Velho 
Livro de Orações Judaico 

Carlos Cardoso Aveline

 




A fé cega é pior que inútil. As orações egoístas levam seus praticantes à derrota. Devemos examinar bem a substância de cada oração, evitando práticas prejudiciais.

Qual é a fonte exata do poder de cura presente em algumas orações? E como essa força pode ser expandida?  

A fonte da cura está na ponte direta entre o indivíduo e o universo.

“Na tradição judaica”, diz Irving M. Bunim, “o ser humano é um microcosmo. Assim como o general que planeja a sua campanha usando miniaturas em escala não está para brincadeira, também a tradição judaica considera que tudo que se relaciona com o ser humano se traduz em escala cósmica.”

I.M. Bunim prossegue:

“Em Jerusalém se localizava o Templo Sagrado. Quando as pessoas se tornaram perversas e não deram ouvidos aos profetas do Todo-Poderoso [1], o templo foi destruído, as pessoas foram expulsas, e a terra toda ficou destruída. Analogamente, o ser humano é o templo da criação, e o seu coração, Codesh Hacodashim, a parte mais sagrada do Templo de Jerusalém. Se nossos pensamentos e emoções forem imorais ou indignos, é como se profanássemos o próprio Santo dos Santos. Isso significa destruir o mundo inteiro. O homem é o único elo ligando os céus e a terra, tendo dentro de si a essência de toda a vida na terra e a espiritualidade do céu.” [2]

O mesmo ensinamento é encontrado com outras palavras na obra “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky. Trata-se de um princípio universal, presente em todas as tradições autênticas de sabedoria.

O universo usa uma linguagem simbólica para expressar a si mesmo. Quando os estudantes de teosofia ou devotos das diferentes religiões pensam em D - - s, Krishna, Cristo ou Buddha, ou meditam sobre o Tao, a Lei, Zoroastro, Jeová ou Parabrahm, eles estão na verdade concentrando os seus corações em metáforas criadas culturalmente que simbolizam tanto a inteligência do Cosmo como as suas próprias almas espirituais.

O processo é similar quando um estudante pensa com reverência sobre os sábios imortais que guiam a evolução humana através de diferentes religiões e filosofias. A função técnica e prática do trabalho de tais Mestres é, precisamente, ativar e estimular o sexto princípio ou inteligência espiritual dos discípulos e cidadãos de boa vontade em geral (sejam ou não membros do movimento esotérico).  

O principal templo é o coração de cada um, e não há necessidade de uma intermediação burocrática no contato entre o indivíduo e o mundo sagrado.

“Em outras religiões”, Bunim esclarece, “a pessoa precisa de intermediários, clérigos: deve percorrer os canais eclesiásticos apropriados para atingir o Todo-Poderoso e merecer sua ajuda. O judeu, porém, não necessita intermediários e não está limitado ao trânsito pelos canais aprovados. Ele vai à sinagoga ou reza em casa, e sua prece sincera atinge diretamente o Céu.” [3]

Este é o enfoque teosófico do processo de expansão da ponte entre o ser humano e a sabedoria divina. O conhecimento deste fato tem sido partilhado desde o início da humanidade atual pelos verdadeiros místicos de todos os povos.

O mundo interior de um indivíduo de boa vontade é misteriosamente ilimitado em seu espaço-tempo. A sua interação com a verdade eterna transcende o universo das palavras. Apesar disso, o pensamento correto e a palavra sincera são necessários para ativar nele o fogo da percepção direta.

Um velho livro de orações judaico, editado nos Estados Unidos em 1953, traz uma oração que pode ser dirigida à alma imortal de cada estudante. O mundo interior de um indivíduo de boa vontade é misteriosamente ilimitado: nele a ligação com o universo transcende o mundo das palavras.

Diz a “Oração ao Eu Superior”:

Nesta hora feliz de adoração, deixo de lado todo esforço e cuidado e elevo meu coração até Ti em busca de luz e força, de fé e  coragem.

Durante a tensão e o tumulto das lutas diárias, eu cedo com demasiada frequência às facilidades egoístas e a ambições menores. Fico tão envolvido com as coisas da terra que perco a percepção da simplicidade e da nobreza da vida.

Fortalece meu espírito, ilumina a minha razão,  e eleva minhas metas e meus desejos, de modo que eu possa colocar todos os meus poderes de corpo e mente a Teu serviço.

Tu implantaste em mim a busca pelo que é invisível e pelo infinito;  que Tu estimules também em mim um cuidado e um propósito renovados, quando minha alma perder as forças e minha visão ficar embaçada. Que meus ideais permeiem todos os meus pensamentos e esforços, e que eu possa não perder de vista  jamais as Tuas realidades supremas! 

Eu me inclino reverentemente diante de Ti, Força do meu coração, minha Luz infalível. Amém. [4]

Estes versos nos ajudam a perceber a presença divina no templo da nossa consciência. Em outras palavras, eles ampliam a conexão de cada buscador da verdade com o seu próprio “Atma” ou eu superior.

Seja qual for a nossa religião externa, esta oração constitui uma lição de autoconhecimento, autocontrole e altruísmo. Meditando nela, compreendemos algo que é tão decisivo quanto desprezado e esquecido em nossa civilização atual:

“Antes de desejar, é preciso merecer. A paz que desejamos encontrar no mundo deve começar em nossos corações.”  

NOTAS:

[1] Todo-Poderoso – em filosofia esotérica, a lei cósmica impessoal ou Lei do Carma e da Justiça. A personificação de D  - - s  em diferentes religiões é apenas uma ferramenta simbólica que deve ser decodificada nos níveis superiores da consciência imediata.

[2] “A Ética do Sinai”, Ensinamentos dos Sábios do Talmud, Editora e Livraria Sêfer, São Paulo, 1998, 525 pp., ver capítulo 5, Mishná 1, p. 308, coluna da direita. Na edição em inglês,  Ethics From Sinai”, an eclectic, wide-ranging commentary on Pirke Avoth, by Irving M. Bunim, edição em três volumes, Philipp Feldheim, Inc., New York, 1964, ver volume 3, p. 8.

[3] “A Ética do Sinai”, Ensinamentos dos Sábios do Talmud, Editora e Livraria Sêfer, São Paulo, 1998, ver Prólogo, Mishná Introdutória, p. 2, coluna da esquerda. Na edição em inglês, “Ethics From Sinai”, Irving M. Bunim, Philipp Feldheim, Inc., volume 1, p. 3.

[4] “The Union Prayerbook for Jewish Worship”, Part I, Cincinnati, USA, 396 pp., 1953, ver pp. 58-59.

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Uma versão anterior do texto acima foi publicada, sem indicação de autor, na edição de janeiro de 2008 de “O Teosofista”. 

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Sobre o crescimento interior e a transformação pessoal no século 21, leia a obra “O Poder da Sabedoria”, de Carlos Cardoso Aveline.


O livro foi publicado pela Editora Teosófica, de Brasília, tem 189 páginas divididas por 20 capítulos e inclui uma série de exercícios práticos. Está na terceira edição. 

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