Como os Seres Humanos Dialogam e
Aprendem Com os Planetas e as Estrelas
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline
“Conhece a ti mesmo”, dizia a inscrição no templo
do oráculo de Delfos, na Grécia antiga.
A tarefa é
fundamental, e não é simples: a filosofia esotérica ensina que o mapa da nossa
alma é o mesmo mapa do sistema solar.
Cada ser humano é
um pequeno retrato do cosmo. Em consequência disso, ficamos diante de um
paradoxo astronômico. Para que um indivíduo possa conhecer a si mesmo, deve conhecer
o universo.
A identidade oculta
de cada alma com a galáxia inteira é percebida intuitivamente pelos poetas. Segundo Olavo Bilac, o homem que pensa e ama é
tudo: “é a Terra, é Terras de ouro em céus profundos”. E é também “outras almas
vibrando em outros mundos”.
O homem, para ele,
é “as nebulosas, gêneses imensas, fervendo em sementeiras de astros novos”. E
ele é “todo o cosmo em perpétuas chamas”.
De certo ponto de
vista, dialogamos secretamente com o céu o tempo todo, e Bilac confessou, em um
dos seus poemas mais famosos:
“Ora, direis,
ouvir estrelas! Por certo perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, que
para ouvi-las, muitas vezes desperto, e abro as janelas, pálido de espanto”.[1]
O diálogo com o
céu se dá de modo em grande parte subconsciente. A ciência astrológica busca conhecer
de modo racional essa troca de energias com o universo. Ela faz um mapa com os detalhes da ligação
magnética de cada indivíduo com os diversos planetas. Assim obtemos uma astronomia
da alma. A partir da análise da posição
dos astros no céu no momento em que nascemos, a astrologia busca revelar o
sentido geral, as possibilidades, os desafios e as oportunidades da nossa existência
no mundo dinâmico do sistema solar. A
astronomia da alma é uma psicologia decisiva para quem trata de aprender a
viver.
O hábito de
observar o céu nasceu junto com a humanidade. Os povos do passado estudavam
astronomia e buscavam orientar-se espiritualmente através da sua relação com planetas
e estrelas.
Os reis da antiga
Índia, da China, do antigo Egito e dos povos andinos consideravam-se filhos do
Sol. Os maias e astecas tinham uma astronomia
sofisticada. Os deuses dos gregos moravam no céu. A palavra Zeus vem do termo sânscrito Diaus, que significa “céu”. Zeus, o
senhor do espaço cósmico grego, é o mesmo Júpiter
dos romanos e serviu de modelo para a figura quase humana do Deus cristão.
O universo é a
expressão material de uma inteligência superior. Por isso, embora sua essência
esteja além das palavras, suas manifestações são compreensíveis desde vários
pontos de vista. As linguagens pelas quais o universo pode ser compreendido não
incluem apenas a matemática e a geometria, mas também a percepção mística. Em
inúmeros casos, como veremos, essas três linguagens caminham juntas.
O ato de olhar o
céu à noite nos leva a uma compreensão intuitiva e espiritual do universo. Os planetas eram os deuses peregrinos dos
antigos. O grande axioma da Tábua de
Esmeralda afirma que “o que está embaixo
é como o que está em cima, e o que está em cima é igual ao que está embaixo”.[2]
Segundo a tradição
hermética, a natureza espiritual de cada ser humano emana das estrelas. A alma individual
desce pelas órbitas dos sete planetas sagrados da antiguidade, até passar pelo
mistério do nascimento. Ao tocar o mundo material, ela ganha como instrumento
de expressão uma estrutura magnética pessoal que reproduz, de certo modo, a
posição do sistema solar naquele momento.
O espírito de cada
planeta ou luminária celeste ativa certas funções na alma de uma pessoa. Saturno
é o eterno pensador e o disciplinador. Ele estimula em nós a razão pura, que
devora seus próprios “filhos” - os pensamentos.
Júpiter nos dá o
poder de acreditar, de compreender - e também uma ambição duradoura. Marte faz
nascer em nós o entusiasmo, estimulando a energia impulsiva e criativa da alma.
O Sol nos dá o princípio vital, o eu, o foco da consciência, e também anima a
função do filósofo e do sábio.
Vênus é a força harmonizadora
da alma, a busca da beleza e do equilíbrio, mas também o poder de materializar.
Mercúrio é mental e nos permite perceber os diferentes aspectos materiais e
espirituais do universo. A Lua estimula a parte emocional e imaginativa da alma.
[3]
Com a descoberta
de novos planetas, a partir do século 18, a representação tradicional dessas
funções primordiais foi ampliada. Netuno reforça em nós a contemplação e a transcendência
mística. Urano estimula um novo individualismo
criativo e libertário, enquanto Plutão acelera e torna mais tensa a luta pela
autorregeneração interior.
A filosofia
esotérica afirma que a Terra também possui seu espírito planetário, ou melhor,
pertence a este espírito. No final do século 20 um ex-cientista da NASA, James
Lovelock, formulou a hipótese Gaia demonstrando
que nosso planeta se comporta geológica e cosmologicamente como um ser vivo. Lovelock mostrou que a Terra possui uma complexa
fisiologia própria, que se autorregula inteligentemente para manter o delicado
equilíbrio da vida. Através de uma fina
sintonia, a Terra é capaz de conservar uma certa temperatura, uma quantidade
estável de dióxido de carbono e outras condições físico-químicas necessárias
para os seus diversos tipos de organismos.
Assim, a humanidade pode ser vista como parte de um espírito planetário
maior, Gaia, que tem vários níveis de
consciência cósmica e cumpre um papel específico na ampla dança das esferas do nosso sistema solar.
Além da
psicologia, também as religiões têm sua fonte e origem no espaço comum que reúne
astronomia, astrologia, mitologia e filosofia. O universo parece haver criado o
homem à sua imagem e semelhança. Por isso, ao olhar o céu, o homem entra em
contato mais estreito com a melhor parte de si mesmo.
É verdade que o
ser humano também parece estar condenado
a descrever os deuses e o universo à sua própria semelhança. Essa reciprocidade
tem produzido inúmeras ilusões. À medida
que a humanidade evolui, sua visão do universo e do mundo divino vai ficando
mais ampla e flexível, e menos distorcida. A divindade passa a ser compreendida
como uma lei universal e um espaço eterno e absoluto: o Vazio budista, o Tao
chinês, o Parabrahman hindu, o Ain Soph da Cabala. Este princípio fundamental
de unidade dinâmica de todos os seres não pode ser descrito em palavras, mas todos
fazemos parte dele.
Os antigos sábios gregos,
hindus e egípcios acreditavam que o universo era inteligente e que seus
processos eram administrados por diversas consciências planetárias e cósmicas [4] O conhecimento desses fatos era registrado em
parábolas e popularizado pelos mitos antigos. A compreensão abrangente dos
processos cósmicos e da relação entre o cosmo e cada ser humano constitui a “Doutrina
Secreta” sobre a qual escreveu Helena Blavatsky.
Os pontos de vista
clássicos da ciência e da filosofia gregas foram preservados fielmente pelos grandes
cientistas ocidentais. Nicolau Copérnico formulou a versão moderna da antiga
doutrina grega segundo a qual a Terra gira em torno do Sol. Ele seguiu a doutrina
pitagórica de Aristarco de Samos. Johann Kepler, o astrônomo alemão do início
do século 17, guiou-se em suas pesquisas pela sabedoria pitagórica. Kepler buscava
compreender a “música das esferas”, a lei da harmonia que rege a vida e o movimento
de todos os corpos celestes, e deste modo descobriu as leis pelas quais os
planetas giram em torno do Sol. Além de astrônomo, Kepler foi também astrólogo
profissional.
Galileu Galilei era
um pitagórico, e o Vaticano o condenou à prisão perpétua por seguir a doutrina
heliocêntrica de Pitágoras, Aristarco e Copérnico. Isaac Newton foi um místico. Para Albert
Einstein, criador da teoria da relatividade, “o espírito científico não existe
sem a religiosidade cósmica”.
Einstein escreveu
em 1930:
“Os gênios
religiosos de todas as eras se distinguiram por esse sentimento religioso que
não conhece dogma e nem um Deus concebido pela imagem do homem. (...) A função mais importante da arte e da ciência
é despertar esse sentimento e mantê-lo vivo dentro daqueles que são receptivos
a ele.” E ainda: “Sustento que o sentimento cósmico religioso é o motivo mais forte e
mais nobre para a pesquisa científica.”[5]
A vanguarda da
física recente inclui nomes de espiritualistas como Fritjof Capra e David Bohm.
O físico inglês Fred Hoyle expressou um ponto de vista da filosofia esotérica
ao afirmar que o universo parece ser dirigido de dentro para fora pela
consciência cósmica, e através das leis naturais, conforme ensinam o taoísmo, o
hinduísmo e a filosofia grega clássica.[6]
Uma parte da ciência
moderna está desembocando na sabedoria eterna. Já não é possível pensar no
universo descrito pela astronomia sem experimentar uma expansão de consciência.
Em nossa civilização atual, as notícias
sobre a observação do céu têm um forte sabor de contemplação mística, ou de
meditação Zen.
A noção de espaço
e tempo nas pesquisas astronômicas atuais rompe radicalmente com o estado de
consciência a que estamos acostumados no mundo externo. De acordo com a nossa
experiência diária, a luz parece chegar no mesmo instante a qualquer lugar. Do
ponto de vista do estudo do espaço universal, a luz se move com grande
lentidão. Mesmo a luz do Sol leva oito
minutos para chegar até nós, e demora quase quarenta vezes mais - cerca de 5
horas, em média - para chegar até Plutão, já na fronteira do sistema
solar. Para alguém situado na superfície
gelada de Plutão, ou em sua lua Caronte, o Sol é apenas uma estrela um pouco
mais brilhante que as outras.
E Plutão é nosso
vizinho. Há distâncias maiores. Galáxias
incontáveis estão situadas a bilhões de anos-luz de nós. No momento em que os
astrônomos veem outra galáxia, ela já não existe do modo como é vista. Devido à
velocidade relativamente lenta da luz através das distâncias cósmicas, o que
chega até eles é como uma velha foto amarelecida pelo tempo. No caso das galáxias mais longínquas, os
observadores olham hoje para um passado imensamente afastado. Veem apenas a
infância do atual cosmo, bilhões de anos atrás. E ninguém vai poder esperar
bilhões de anos para saber num futuro
imensamente distante como elas estarão agora, nesta primeira metade do século
21.
Há aqui um koan zen, um paradoxo sobre o qual se pode meditar até atingir a iluminação. O
céu que enxergamos é uma coleção de túneis do tempo de tamanhos diversos.
A simultaneidade dos objetos que vemos é
apenas aparente. A luz de uma determinada estrela pode ter viajado apenas dez
ou quinze anos para chegar até nós, enquanto a luz de uma outra estrela reflete
uma realidade de muitos milhões de anos atrás.
O cosmo é um mestre
e nos ensina humildade. Por mais que o estudemos, ele continua sendo um
mistério. Albert Einstein escreveu:
“A coisa mais bela
que podemos experimentar é o mistério. É a emoção fundamental que está no berço
da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Aquele que não conhece o mistério e
não pode mais se surpreender, não pode mais se maravilhar, é como se estivesse
morto.”[7]
Quando olhamos as
estrelas, não é apenas um espaço cósmico imenso que nos contempla como em um
espelho. Espaço e tempo são inseparáveis. Estamos frente a frente com a
eternidade, a totalidade das etapas da evolução do universo atual, cuja
história está escrita no céu.
NOTAS:
[1] A primeira citação de Bilac é do poema “Microcosmo”,
em “Poesias”, Olavo Bilac, Ediouro, 1978, p. 188. A segunda citação é do fragmento
XIII do poema “Via Láctea”, p. 37 do mesmo volume.
[2] Veja os textos “A Tábua de Esmeralda” e “Sabedoria
Hermética no Século 21”. Estes dois artigos de Carlos Cardoso Aveline estão
disponíveis em nossos websites associados.
[3] Informações adaptadas
e atualizadas a partir de “The Philosophy of Astrology”, Manly P. Hall, The
Philosophical Research Society, Los Angeles, EUA, 1971, 91 pp., pp. 36-38 e 42-44.
[4] Veja, em nossos websites, a “Oração aos
Planetas”, de Carlos Cardoso Aveline.
[5] “Assim Falou Einstein”, obra compilada por Alice Calaprice, Ed. Civilização Brasileira,
Rio de Janeiro, 1998, 258 pp., ver pp. 159-160.
[6] Sobre Fred Hoyle, veja seu livro “O Universo Inteligente”, Editorial
Presença, Lisboa, 1993, pp. 236-237.
[7] “Assim Falou Einstein”, obra citada, p. 207.
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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