18 de novembro de 2014

Os Deuses no Céu

Como os Seres Humanos Dialogam e
Aprendem Com os Planetas e as Estrelas

Carlos Cardoso Aveline




“Conhece a ti mesmo”, dizia a inscrição no templo do oráculo de Delfos, na Grécia antiga.

A tarefa é fundamental, e não é simples: a filosofia esotérica ensina que o mapa da nossa alma é o mesmo mapa do sistema solar.  

Cada ser humano é um pequeno retrato do cosmo. Em consequência disso, ficamos diante de um paradoxo astronômico. Para que um indivíduo possa conhecer a si mesmo, deve conhecer o universo.

A identidade oculta de cada alma com a galáxia inteira é percebida intuitivamente pelos poetas. Segundo Olavo Bilac, o homem que pensa e ama é tudo: “é a Terra, é Terras de ouro em céus profundos”. E é também “outras almas vibrando em outros mundos”.

O homem, para ele, é “as nebulosas, gêneses imensas, fervendo em sementeiras de astros novos”. E ele é “todo o cosmo em perpétuas chamas”.

De certo ponto de vista, dialogamos secretamente com o céu o tempo todo, e Bilac confessou, em um dos seus poemas mais famosos:

“Ora, direis, ouvir estrelas! Por certo perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, que para ouvi-las, muitas vezes desperto, e abro as janelas, pálido de espanto”.[1]

O diálogo com o céu se dá de modo em grande parte subconsciente. A ciência astrológica busca conhecer de modo racional essa troca de energias com o universo.  Ela faz um mapa com os detalhes da ligação magnética de cada indivíduo com os diversos planetas. Assim obtemos uma astronomia da alma.  A partir da análise da posição dos astros no céu no momento em que nascemos, a astrologia busca revelar o sentido geral, as possibilidades, os desafios e as oportunidades da nossa existência no mundo dinâmico do sistema solar.  A astronomia da alma é uma psicologia decisiva para quem trata de aprender a viver.

O hábito de observar o céu nasceu junto com a humanidade. Os povos do passado estudavam astronomia e buscavam orientar-se espiritualmente através da sua relação com planetas e estrelas.

Os reis da antiga Índia, da China, do antigo Egito e dos povos andinos consideravam-se filhos do Sol.  Os maias e astecas tinham uma astronomia sofisticada. Os deuses dos gregos moravam no céu. A palavra Zeus vem do termo sânscrito Diaus, que significa “céu”. Zeus, o senhor do espaço cósmico grego, é o mesmo Júpiter dos romanos e serviu de modelo para a figura quase humana do Deus cristão.

O universo é a expressão material de uma inteligência superior. Por isso, embora sua essência esteja além das palavras, suas manifestações são compreensíveis desde vários pontos de vista. As linguagens pelas quais o universo pode ser compreendido não incluem apenas a matemática e a geometria, mas também a percepção mística. Em inúmeros casos, como veremos, essas três linguagens caminham juntas.  

O ato de olhar o céu à noite nos leva a uma compreensão intuitiva e espiritual do universo.  Os planetas eram os deuses peregrinos dos antigos.  O grande axioma da Tábua de Esmeralda afirma que  “o que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é igual ao que está embaixo”.[2]  

Segundo a tradição hermética, a natureza espiritual de cada ser humano emana das estrelas. A alma individual desce pelas órbitas dos sete planetas sagrados da antiguidade, até passar pelo mistério do nascimento. Ao tocar o mundo material, ela ganha como instrumento de expressão uma estrutura magnética pessoal que reproduz, de certo modo, a posição do sistema solar naquele momento.   

O espírito de cada planeta ou luminária celeste ativa certas funções na alma de uma pessoa. Saturno é o eterno pensador e o disciplinador. Ele estimula em nós a razão pura, que devora seus próprios “filhos” - os pensamentos.

Júpiter nos dá o poder de acreditar, de compreender - e também uma ambição duradoura. Marte faz nascer em nós o entusiasmo, estimulando a energia impulsiva e criativa da alma. O Sol nos dá o princípio vital, o eu, o foco da consciência, e também anima a função do filósofo e do sábio.

Vênus é a força harmonizadora da alma, a busca da beleza e do equilíbrio, mas também o poder de materializar. Mercúrio é mental e nos permite perceber os diferentes aspectos materiais e espirituais do universo. A Lua estimula a parte emocional e imaginativa da alma. [3]

Com a descoberta de novos planetas, a partir do século 18, a representação tradicional dessas funções primordiais foi ampliada. Netuno reforça em nós a contemplação e a transcendência mística.  Urano estimula um novo individualismo criativo e libertário, enquanto Plutão acelera e torna mais tensa a luta pela autorregeneração interior.   

A filosofia esotérica afirma que a Terra também possui seu espírito planetário, ou melhor, pertence a este espírito. No final do século 20 um ex-cientista da NASA, James Lovelock, formulou a hipótese Gaia demonstrando que nosso planeta se comporta geológica e cosmologicamente como um ser vivo.  Lovelock mostrou que a Terra possui uma complexa fisiologia própria, que se autorregula inteligentemente para manter o delicado equilíbrio da vida.  Através de uma fina sintonia, a Terra é capaz de conservar uma certa temperatura, uma quantidade estável de dióxido de carbono e outras condições físico-químicas necessárias para os seus diversos tipos de organismos.  Assim, a humanidade pode ser vista como parte de um espírito planetário maior, Gaia, que tem vários níveis de consciência cósmica e cumpre um papel específico na ampla dança das esferas do nosso sistema solar. 

Além da psicologia, também as religiões têm sua fonte e origem no espaço comum que reúne astronomia, astrologia, mitologia e filosofia. O universo parece haver criado o homem à sua imagem e semelhança. Por isso, ao olhar o céu, o homem entra em contato mais estreito com a melhor parte de si mesmo.  

É verdade que o ser humano também  parece estar condenado a descrever os deuses e o universo à sua própria semelhança. Essa reciprocidade tem produzido inúmeras ilusões.  À medida que a humanidade evolui, sua visão do universo e do mundo divino vai ficando mais ampla e flexível, e menos distorcida. A divindade passa a ser compreendida como uma lei universal e um espaço eterno e absoluto: o Vazio budista, o Tao chinês, o Parabrahman hindu, o Ain Soph da Cabala. Este princípio fundamental de unidade dinâmica de todos os seres não pode ser descrito em palavras, mas todos fazemos parte dele.

Os antigos sábios gregos, hindus e egípcios acreditavam que o universo era inteligente e que seus processos eram administrados por diversas consciências planetárias e cósmicas [4] O conhecimento desses fatos era registrado em parábolas e popularizado pelos mitos antigos. A compreensão abrangente dos processos cósmicos e da relação entre o cosmo e cada ser humano constitui a “Doutrina Secreta” sobre a qual escreveu Helena Blavatsky.   

Os pontos de vista clássicos da ciência e da filosofia gregas foram preservados fielmente pelos grandes cientistas ocidentais. Nicolau Copérnico formulou a versão moderna da antiga doutrina grega segundo a qual a Terra gira em torno do Sol. Ele seguiu a doutrina pitagórica de Aristarco de Samos. Johann Kepler, o astrônomo alemão do início do século 17, guiou-se em suas pesquisas pela sabedoria pitagórica. Kepler buscava compreender a “música das esferas”, a lei da harmonia que rege a vida e o movimento de todos os corpos celestes, e deste modo descobriu as leis pelas quais os planetas giram em torno do Sol. Além de astrônomo, Kepler foi também astrólogo profissional.

Galileu Galilei era um pitagórico, e o Vaticano o condenou à prisão perpétua por seguir a doutrina heliocêntrica de Pitágoras, Aristarco e Copérnico.  Isaac Newton foi um místico. Para Albert Einstein, criador da teoria da relatividade, “o espírito científico não existe sem a religiosidade cósmica”.

Einstein escreveu em 1930:

“Os gênios religiosos de todas as eras se distinguiram por esse sentimento religioso que não conhece dogma e nem um Deus concebido pela imagem do homem. (...)  A função mais importante da arte e da ciência é despertar esse sentimento e mantê-lo vivo dentro daqueles que são receptivos a ele.” E ainda: “Sustento que o sentimento cósmico religioso é o motivo  mais forte e  mais nobre para a pesquisa científica.”[5]

A vanguarda da física recente inclui nomes de espiritualistas como Fritjof Capra e David Bohm. O físico inglês Fred Hoyle expressou um ponto de vista da filosofia esotérica ao afirmar que o universo parece ser dirigido de dentro para fora pela consciência cósmica, e através das leis naturais, conforme ensinam o taoísmo, o hinduísmo e a filosofia grega clássica.[6]

Uma parte da ciência moderna está desembocando na sabedoria eterna. Já não é possível pensar no universo descrito pela astronomia sem experimentar uma expansão de consciência.  Em nossa civilização atual, as notícias sobre a observação do céu têm um forte sabor de contemplação mística, ou de meditação Zen.  

A noção de espaço e tempo nas pesquisas astronômicas atuais rompe radicalmente com o estado de consciência a que estamos acostumados no mundo externo. De acordo com a nossa experiência diária, a luz parece chegar no mesmo instante a qualquer lugar. Do ponto de vista do estudo do espaço universal, a luz se move com grande lentidão.  Mesmo a luz do Sol leva oito minutos para chegar até nós, e demora quase quarenta vezes mais - cerca de 5 horas, em média - para chegar até Plutão, já na fronteira do sistema solar.  Para alguém situado na superfície gelada de Plutão, ou em sua lua Caronte, o Sol é apenas uma estrela um pouco mais brilhante que as outras.

E Plutão é nosso vizinho. Há distâncias maiores.  Galáxias incontáveis estão situadas a bilhões de anos-luz de nós. No momento em que os astrônomos veem outra galáxia, ela já não existe do modo como é vista. Devido à velocidade relativamente lenta da luz através das distâncias cósmicas, o que chega até eles é como uma velha foto amarelecida pelo tempo.  No caso das galáxias mais longínquas, os observadores olham hoje para um passado imensamente afastado. Veem apenas a infância do atual cosmo, bilhões de anos atrás. E ninguém vai poder esperar bilhões de anos para saber  num futuro imensamente distante como elas estarão agora, nesta primeira metade do século 21.   

Há aqui um koan zen, um paradoxo sobre o qual se pode meditar até atingir a iluminação. O céu que enxergamos é uma coleção de túneis do tempo de tamanhos diversos.

A simultaneidade dos objetos que vemos é apenas aparente. A luz de uma determinada estrela pode ter viajado apenas dez ou quinze anos para chegar até nós, enquanto a luz de uma outra estrela reflete uma realidade de muitos milhões de anos atrás.

O cosmo é um mestre e nos ensina humildade. Por mais que o estudemos, ele continua sendo um mistério. Albert Einstein escreveu:

“A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a emoção fundamental que está no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Aquele que não conhece o mistério e não pode mais se surpreender, não pode mais se maravilhar, é como se estivesse morto.”[7]

Quando olhamos as estrelas, não é apenas um espaço cósmico imenso que nos contempla como em um espelho. Espaço e tempo são inseparáveis. Estamos frente a frente com a eternidade, a totalidade das etapas da evolução do universo atual, cuja história está escrita no céu.


NOTAS:

[1] A primeira citação de Bilac é do poema “Microcosmo”, em “Poesias”, Olavo Bilac, Ediouro, 1978, p. 188. A segunda citação é do fragmento XIII do poema “Via Láctea”, p. 37 do mesmo volume.

[2] Veja os textos “A Tábua de Esmeralda” e “Sabedoria Hermética no Século 21”. Estes dois artigos de Carlos Cardoso Aveline estão disponíveis em nossos websites associados.

[3] Informações adaptadas e atualizadas a partir de “The Philosophy of Astrology”, Manly P. Hall, The Philosophical Research Society, Los Angeles, EUA, 1971, 91 pp., pp. 36-38 e 42-44.

[4] Veja, em nossos websites, a “Oração aos Planetas”, de Carlos Cardoso Aveline.

[5] “Assim Falou Einstein”, obra compilada por Alice Calaprice, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1998, 258 pp., ver pp. 159-160. 

[6] Sobre Fred Hoyle, veja seu livro “O Universo Inteligente”, Editorial Presença, Lisboa, 1993, pp. 236-237.

[7] “Assim Falou Einstein”, obra citada, p. 207.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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