Inteligência Espiritual Desmonta a
Torre de Babel
Carlos
Cardoso Aveline
No alto da Torre de Babel, os dois anjos
simbolizam a sabedoria direta da alma espiritual
É com frequência no silêncio que percebemos as coisas mais importantes da
vida, porque a consciência profunda é independente do pensamento e da linguagem.
Pensemos por exemplo em alguém que examina suas próprias atitudes,
dirige responsavelmente seus pensamentos e sentimentos e luta para que haja
mais ética no mundo.
Essa pessoa pode agir sem a intenção consciente de “trilhar um caminho
espiritual”. Pode até pensar que o “caminho esotérico” é uma questão de
ler certos livros, ir a reuniões e dominar uma linguagem verbal relativa
às coisas sagradas, usando com jeito amável determinado número de
conceitos filosóficos.
Mas a ideia é falsa.
Uma pessoa pode passar décadas participando de rituais ou lendo e
discutindo o caminho espiritual nos termos mais elevados - e não trilhá-lo de
fato. Enquanto isso, outro indivíduo pode estar treinando a si mesmo com
eficácia na trilha do autoconhecimento transcendental, sem saber do fato, no
plano verbal. Pode estar avançando no verdadeiro aprendizado
místico, enquanto pensa que está apenas “lutando consigo mesmo para
dominar suas contradições e ser menos infeliz”.
Por esse motivo os espiritualistas que desejem cultivar o Tao e não só
falar sobre ele, ou fazer a alquimia e não só discutir sobre ela, devem
desenvolver a arte de “parar o discurso mental”, desembarcando da corrente das
palavras ou símbolos, para viver o treinamento em si, sem a mediação da
linguagem.
A linguagem, seja ela falada, escrita ou simbólica, pertence ao tempo e
ao mundo externo. Mas a consciência está, essencialmente, além, ou aquém,
do tempo e do espaço convencionais.
Por outro lado, também é verdade que se pode expandir a consciência e
libertá-la da palavra, enquanto ainda se segue usando palavras como meio de
investigar a verdade, seja em uma conversa em grupo, seja lendo ou escrevendo.
Nesse caso, uma parte da consciência se expressa pelo cérebro verbal,
mas o centro de gravidade da consciência se desloca para o cérebro
não-verbal. O cérebro não-verbal pode estar plenamente ativo, sem que o
cérebro verbal tenha que ser desligado. Assim se desperta, gradualmente,
a inteligência espiritual, buddhi-manas, a união da alma
imortal com a mente pensante.
“O tempo pára” no centro da consciência, enquanto o cérebro verbal está
ativo e a palavra flui. A consciência se expande. Ampliada, ela é maior do que
as palavras. Ela deixa que o máximo fluxo possível da sua substância seja
expressado através de palavras e gestos,
enquanto ao mesmo tempo contempla, imóvel e inspiradora, o fenômeno
multidimensional da simpatia magnética ou comunhão. Tal unidade e união
continuam muito tempo depois de as palavras cessarem com o final de uma conversa
ou reunião no plano físico.
O fluxo da linguagem e o fluxo da consciência são, pois, dois processos
ligados entre si, mas diferentes.
A linguagem depende da consciência, mas a consciência é independente da
linguagem.
Quando a consciência produz linguagem, ela flui de cima para baixo, como
água livre. Mas, ao contrário, quando é a linguagem do sagrado ou da
sinceridade que produz um tipo superior de consciência, então a consciência
sobe como o vapor de uma água fervente. A ebulição da água corresponde à tensão
criadora do esforço por transcender os muros da palavra.
A luta entre a consciência que é ampla e a palavra que é estreita faz
com que a água atinja o ponto de ebulição. Então a mensagem vai de alma para
alma e ultrapassa o cérebro verbal, embora ele esteja plenamente ativo. E
o processo ocorre de modo perfeitamente espontâneo e natural.
Na verdade, as palavras nem sempre foram necessárias. As primeiras raças
humanas, afirma H. P. Blavatsky, não necessitavam de linguagem como meio de
comunicação.
Blavatsky explica que a primeira raça-raiz era uma “raça etérea”, e seus
indivíduos eram “os filhos astrais do Ioga”. Seus indivíduos - “nascidos por si
mesmos” - não usavam linguagem no sentido que damos hoje a esse termo. Eles
tampouco atuavam em um plano mental denso como o nosso. Blavatsky acrescenta
que eles se comunicavam pelo que hoje se chamaria de transferência de
pensamento, embora o pensamento como tal ainda estivesse muito pouco
desenvolvido. Seus corpos pertenciam à
Terra, e suas mônadas [almas imortais] permaneciam em um plano superior. [1]
Se a primeira raça não necessitava de linguagem, a segunda raça-raiz
possuía uma linguagem de sons “cantados”, compostos unicamente de vogais.
A terceira raça-raiz desenvolveu, inicialmente, uma linguagem que
imitava os sons da natureza, ou seja, construída à base de onomatopeias. Mais
tarde a terceira raça fez com que surgisse lentamente um idioma monossilábico,
que foi aprimorado na quarta raça e cujas características, em parte, ainda
estão presentes nos idiomas atuais do extremo oriente, como o chinês e o
japonês. As futuras raças desenvolverão novamente uma comunicação humana
plenamente independente das palavras. Estamos, agora, na segunda metade da
quinta raça-raiz. Os primeiros, pálidos e precários raios de luz da sexta
raça-raiz já se fazem sentir. Já é possível ir além do pensamento movido
pelo interesse pessoal estreito - ou do pensamento colocado a serviço da
astúcia - e unir pensamento claro com sentimentos nobres e intuição. Esse será
o primeiro passo para desmontar, lentamente, a Torre de Babel e o amontoado de
discursos que, criados para comunicar e unir, acabam separando e causando
incomunicação. No alto da torre de Babel, a luz da alma transcende toda
linguagem.
Como abrir espaço para essa sabedoria?
O autoconhecimento e a autopurificação não podem ser deixados de lado. A
prática da ação correta permite a contemplação eficaz. Um coração puro aprende
a falar sem palavras porque a sua substância é a substância da verdade
universal. O estudo comparado das diferentes culturas, religiões, filosofias e
ciências mostra que a verdade é maior do que a soma de todas as suas descrições
verbais ou visuais.
NOTA:
[1] Veja o volume II, pp. 198-199 da obra “The Secret Doctrine”, de
H.P. Blavatsky, Theosophy Co., Los Angeles, USA.
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Sobre
o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com tradução, prólogo e notas de Carlos
Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014
por “The Aquarian Theosophist”.
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