2 de junho de 2016

A Cultura da Concentração

Como o Autoconhecimento Vence a Dispersão

Robert Crosbie



A concentração,  ou o uso consistente e persistente da atenção na direção de qualquer coisa que queiramos fazer, é reconhecida há muito tempo como o meio mais eficaz de chegar à completa expressão dos nossos poderes e das nossas energias. Os antigos chamavam de “unidirecionalidade” o poder de focar a  atenção sobre um assunto ou objeto durante o tempo que for necessário, com a exclusão de todos os outros pensamentos e sentimentos. A concentração é difícil de obter entre nós porque, na verdade,  a nota-chave da nossa civilização é mais a distração do que a concentração.

São apresentados constantemente às nossas mentes objetos e assuntos que apontam para todas as direções. Uma coisa após a outra chamam a nossa atenção e em seguida nos afastam daquilo em que estamos nos concentrando.  Assim, nossas mentes adquiriram a tendência de saltar de uma coisa para a outra; de voar para uma ideia agradável, ou para uma ideia desagradável; de ficarem passivas.  Permanecer na passividade corresponde normalmente ao sono; excepcionalmente, tende à insanidade.  Que nós tenhamos nos acostumado a estas distrações e não sejamos capazes de dedicar nossas mentes a determinada coisa por determinado tempo é algo que pode ser facilmente comprovado por qualquer um. Se  alguém sentar-se e tentar pensar em uma só coisa  – um  só objeto ou assunto –  por apenas cinco minutos, talvez bastem poucos segundos para que descubra que está a quilômetros de distância da coisa sobre a qual pretendia concentrar sua mente.

Temos primeiro que compreender o que o homem é, a sua real natureza, qual a causa  da sua situação atual;  e só depois disso poderemos chegar a qualquer concentração pura e verdadeira; só depois poderemos usar a mente superior e as energias que fluem dela. Porque as energias que usamos no corpo são de fato energias transmitidas,  ou tiradas, da nossa natureza  interior e espiritual, mas tão perturbadas  e limitadas que não são poderosas. Necessitamos conhecer nossas mentes, e necessitamos controlar nossas mentes –  isto é, a mente inferior, ocupada com coisas pessoais e físicas, e conhecida na fraseologia teosófica como Manas inferior. Este é o “órgão interno”, o princípio pensante, que os antigos descreviam como o grande produtor de ilusão, o grande responsável pela ausência de concentração. Porque não há possibilidade de obter uma real concentração até que o dono da mente possa colocá-la onde ele quiser, quando ele quiser, e pelo tempo que ele desejar.

Está escrito na obra “A Voz do Silêncio”, de H.P. Blavatsky:   “A  Mente é o grande assassino do Real. Que o discípulo mate o Assassino.”    O discípulo, que é o Homem Real – o homem espiritual –  deve atuar como tal. Ele tem que parar as mudanças e oscilações do seu princípio pensante e tornar-se calmo  naquele conhecimento que é trazido pela contemplação da sua  própria natureza real. O objetivo de todo  progresso é a compreensão da verdadeira natureza própria de cada um,  e o uso dos poderes que pertencem a ela. O obstáculo  está no princípio pensante.  NÓS somos os pensadores, mas não somos aquilo que pensamos. Se pensamos de modo errado, então todos os resultados dos nossos pensamentos e ações devem levar-nos a uma conclusão errada, ou a uma conclusão parcial, na melhor das hipóteses ; mas se compreendermos que nós somos o pensador, e o criador – aquele através de quem surgiram todas as condições em que estivemos no passado, as condições em que estamos agora, e em que estaremos no futuro – então alcançamos o ponto de vista do homem Real, e é apenas ao homem Real que pertence o poder da concentração.

Para obter concentração, necessitamos compreender a classificação dos princípios do homem. Todos  temos os mesmos princípios, o mesmo tipo de substâncias e o mesmo espírito dentro de nós.  Todos contemos cada um dos elementos que existem em todo lugar e em qualquer ser. Assim, também, cada um tem todos os poderes que existem em qualquer lugar e em si mesmo, embora latentes. Somos todos  da mesma Fonte, somos partes de um grande Todo, somos todos centelhas e raios do Espírito Infinito ou Princípio Absoluto.

O segundo princípio é Buddhi,  a sabedoria adquirida de vidas passadas e também nesta vida. Buddhi é a nata de todas nossas experiências passadas. O próximo princípio é Manas, a Mente Superior, o real poder de pensar, o criador – que não se preocupa com esta fase física da existência, mas com o espírito e a sabedoria adquirida.  Juntos, estes três princípios formam o Homem Real – Atma-Buddhi-Manas  –;  e cada um de nós é estes três, em sua natureza interior.

Nosso Manas Inferior é o aspecto transitório da mente Superior; isto é, aquela parcela da nossa atenção, dos nossos pensamentos e sentimentos,  que está dedicada à vida em um  corpo. Mas se a nossa função de pensar se preocupa só com o eu pessoal – apenas com o corpo – os poderes que estão na Tríade, o homem Real, e a sabedoria adquirida no passado,  não podem impor-se  através desta nuvem de ilusão. Manas Inferior é o princípio do equilíbrio. É o lugar a partir do qual o homem que está em um corpo sobe, em direção a sua natureza superior, ou desce,  em direção à  sua natureza terrestre, feita pelos desejos que pertencem à natureza sensorial. A vida ao nosso redor está o tempo todo lançando sobre nós as suas impressões e suas energias. Estamos constantemente sujeitos a elas,  e ligados a elas, através das nossas ideias, das nossas emoções e dos nossos sentimentos; de modo que há um constante tumulto dentro daquela mente interna, e isto constitui uma barreira à calma e à concentração absolutas.

A seguir temos o corpo astral,  em si mesmo um aspecto do real corpo interno que tem durado ao longo de um vasto período de tempo, e que deve continuar até um futuro muito distante. Este corpo astral é o protótipo, ou modelo, em  torno do qual o corpo físico é construído, e que, considerado do ponto de vista dos poderes, é o real corpo  físico. Sem ele, o corpo físico seria apenas uma massa de matéria – um agregado de vidas menores.  É o corpo astral que contém os órgãos, ou melhor, os centros a partir dos quais os órgãos têm evoluído de acordo com as necessidades do pensador interno.  Os verdadeiros sentidos do homem não estão no corpo físico, mas no corpo astral. O corpo astral dura pouco mais que uma encarnação física: ele não morre quando o corpo físico morre, mas é usado como corpo no estágio imediato do pós-morte.

A partir do momento em que começamos o esforço para controlar a mente, e desejamos saber e assumir a posição do homem interno, o esforço e a atitude produzem um aumento de energia e firmeza. Fizemos com que algo começasse a acontecer no corpo astral. O que antes eram meros centros de força em torno dos quais os órgãos eram construídos, agora tendem a se tornar órgãos astrais independentes.  Ocorre dentro de nós uma gradual construção destes órgãos,  até que, quando se completa o esforço, temos um corpo astral com todos os órgãos do corpo físico sintetizados, e estamos além das vicissitudes da existência física; temos o poder que é a ação do corpo astral. O corpo astral é ainda mais completo e eficiente, em seu próprio plano, que o nosso instrumento corporal aqui no plano físico, porque ele tem um alcance mais amplo de ação em seus sete sentidos superiores, enquanto que fisicamente só usamos cinco sentidos.

Muitos obstáculos aparecem, no entanto, assim que começa o esforço.  Velhos hábitos de pensamento e de sentimento nos pressionam em todos os sentidos, porque ainda não somos capazes de controlar as nossas respostas a eles, e assim nos vemos  sujeitos a certos sentimentos e emoções que  tendem a destruir o corpo astral que está sendo construído.   O primeiro fator, e o mais forte, é a raiva. A raiva tem um efeito explosivo,  e por mais que possamos ter progredido em nosso crescimento, o  choque interior incontrolável que vem da raiva irá reduzir a pedaços aquele corpo astral em construção, de modo que todo o trabalho tem de ser feito outra vez.  O próximo fator a combater é a vaidade –;  vaidade deste ou daquele tipo, por causa de alguma meta alcançada, ou em relação a nós mesmos, nossa família, nosso país e assim por diante.  A vaidade tende a crescer cada vez mais, até que finalmente já não escutamos ninguém, e somos tão superficiais que não podemos mais  aprender coisa alguma. Assim, a vaidade tende a desintegrar este corpo interno, embora ela seja menos destrutiva que a raiva.  A inveja é outro obstáculo. O medo também, mas o medo é o menor deles porque ele é sempre resultado da ignorância. Temos medo das coisas que não conhecemos; mas quando as conhecemos, não temos medo.

Todos temos medos que tendem destruir o instrumento através do qual a verdadeira concentração pode ser alcançada;  mesmo assim, é possível alcançá-la. O poder e a natureza específicos da concentração estão no fato de que, quando ela é completa, podemos colocar a atenção em qualquer assunto ou objeto, com a exclusão de todos os outros, durante qualquer período de tempo; e este princípio pensante – essa nossa mente que tem estado oscilando para lá e para cá – pode ser utilizada para adaptar-se ao objeto observado, à natureza do objeto em que se pensa.   Enquanto a mente toma a forma do objeto, nós percebemos através daquela forma as características que fluem através dela; e, quando nossa investigação está completa, somos capazes  de saber tudo o que pode ser conhecido daquele assunto ou objeto.

É fácil ver que um tal nível de concentração não pode ser alcançado através de esforços intermitentes.  São necessários esforços feitos a partir de “uma posição assumida com firmeza”, em relação ao objetivo buscado.  Todos os esforços feitos sobre esta base estão destinados a ser úteis; cada esforço feito desde o ponto de vista do homem espiritual conta positivamente, porque torna o corpo subserviente ao princípio pensante.

Há outras coisas que surgem a partir deste verdadeiro poder de concentração. Começamos a abrir os canais que vão do nosso cérebro ao corpo astral, e do corpo astral até o ser interior. Assim, aquilo que é temporário tende a se tornar parte daquilo que é eterno.  Todos os planos se tornam sintetizados de cima para baixo, e todas as vestimentas da alma, que nós produzimos ao longo do tempo, ficam em harmonia umas com as outras. É como ocorre com os mecanismos de uma fechadura: quando eles trabalham juntos, a fechadura funciona adequadamente. Assim, também, nós temos que colocar todas as camadas da alma em perfeita concordância entre si,  e isso nós só podemos fazer adotando a posição de um ser espiritual, e atuando como tal.

O nível em que a concentração ocorre é possível para nós, mas não seria possível sobre uma base egoísta. A concentração da mente cerebral  é tão pequena – se comparada com a verdadeira concentração –  quanto a luz de uma vela  diante da luz do sol.  A verdadeira concentração é, em primeiro lugar, uma posição assumida a partir da meta da união com o Eu Superior.  Esta é a mais alta Ioga. A concentração sobre o Eu Superior é a verdadeira concentração.  E a concentração deve ser alcançada antes que nós possamos  atingir aquele estágio em que o conhecimento eterno em todos os seus aspectos é nosso até o último grau; antes que possamos uma vez mais recuperar e dominar aqueles poderes que são uma herança de todos.

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O texto acima foi publicado inicialmente em “O Teosofista”,  edição  de setembro de 2008. Título original do texto: “Culture of Concentration”. Traduzido da obra “The Friendly Philosopher”,  de Robert Crosbie, Theosophy Company, Los Angeles, 1945, 416 pp., ver pp. 290-294.   

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de M. C.


Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The Aquarian Theosophist”.

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