28 de julho de 2016

A Luz da Alma Imortal

Examinando a Prática do Caminho Teosófico

Carlos Cardoso Aveline 



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Nota Editorial:

A filosofia esotérica ensina que o ser humano tem
sete princípios ou níveis de consciência. O primeiro
deles é o físico, Sthula-sharira.  O segundo é o princípio
vital, ou Prana.  O terceiro, Linga-sharira, o “modelo”
cármico sutil do corpo físico, que inclui o patrimônio genético.
O quarto, Kama, é o centro das emoções pessoais e animais. O
quinto princípio é Manas, a mente. Buddhi é o sexto princípio,
a inteligência espiritual, a alma imortal. Atma é o sétimo
princípio, o princípio supremo, o verdadeiro eu, e também a
consciência universal impessoal: o verdadeiro ser não é “alguém”.
O texto a seguir investiga a relação entre Buddhi e as emoções.

(CCA)

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A vida é mais complexa do que parece. Buddhi, o sexto princípio da consciência humana, não funciona como um bloco compacto, mas como uma tríade. 

A alma espiritual é o nível de consciência simbolizado - na lenda cristã - pela figura de Jesus Cristo. Buddhi é aquele que se sacrifica.  Ele desce ao plano da alma mortal e do mundo externo, encarna, é crucificado neste plano, e vive a ressurreição. A ressurreição ocorre no pós-morte, através do Devachan, ou na vida concreta,  através do caminho teosófico e iniciático, e como resultado de um esforço que dura várias encarnações.

Na sua relação dinâmica com a alma mortal, Buddhi é uma tríade:

1) Buddhi em si;
2) Buddhi-Manas;
3) Buddhi-Kama.

Buddhi-manas é a combinação de Buddhi com o mundo mental. E existe também a combinação de Buddhi com o mundo emocional pessoal, Buddhi-kama. Esta última não é um processo fácil.

Buddhi-Manas, sem Buddhi-Kama, está sujeito a um “sequestro emocional” (termo criado por Daniel Goleman). O sequestro ocorre quando emoções inferiores “roubam” ideias espirituais e colocam o discurso altruísta a serviço de objetivos egocêntricos.

É comum surgir uma desconexão entre as emoções e ambições pessoais profundas e as ideias universais que o indivíduo adotou.

Então as emoções antievolutivas desafiam veladamente os ideais filosóficos, e tratam de usar as ideias generosas para seus fins egoístas. Isso configura o “sequestro” do que é generoso por parte daquilo que é antievolutivo. Esta luta deve ser compreendida, porque ela ocorre na maior parte das pessoas e traz perigo real.

O que produz um progresso espiritual verdadeiro, portanto, não é apenas aumentar as ideias e o conhecimento no plano conceitual, como se as ideias tivessem peso próprio decisivo. Ideias são feitas de ar e não de terra. O que trará progresso, além de ter ideias filosoficamente corretas, é examinar constantemente os sentimentos pessoais, olhando para eles desde o ponto de vista de Atma e Buddhi. Isso diminuirá o peso dos sentimentos opacos e inferiores, e irá restaurar o equilíbrio necessário entre os dois pratos da balança: o prato de Buddhi-Manas, e o prato de Buddhi-Kama.

Buddhi-Kama é feito pelas emoções da alma imortal, e entre elas está o sentimento do herói, que enfrenta perigos por uma causa maior e renuncia voluntariamente à sua vida menor para fazer a jornada nobre do autossacrifício, vivendo a vida maior. Esta decisão voluntária produz a devoção pelo companheiro de caminhada que é mais experiente, a devoção pelo crescimento e aprendizagem de todos os seres, e a devoção pelo mestre - ou mestres - como fontes de ensinamento sagrado.

Devoção é o amor do pequeno pelo grande, do terrestre pelo celestial. A percepção intelectual do divino fica prejudicada sem a sua contrapartida emocional, o amor pelo mundo divino e seus habitantes. Este compromisso maior gera a psicologia do herói em sua jornada épica, cujo nome técnico é “discipulado”. 

O aprendiz deve examinar com cuidado o processo da aspiração espiritual em si mesmo.  Deve verificar se há um equilíbrio entre dois elementos:

A) De um lado, a curiosidade intelectual-búdica, a vontade de compreender a si mesmo e ao universo.   

B) De outro lado, a vivência emocional-búdica, a ânsia por contribuir altruisticamente com a Causa da evolução humana e com o bem-estar de todos os seres.  

No plano intelectual, buscamos a verdade. No emocional, buscamos retribuir à vida  por aquilo que ganhamos dela.

Quando a relação na balança entre pensamentos e sentimentos é disfuncional, ao invés de existirem emoções búdicas e pensamentos búdicos lado a lado nos dois pratos, temos emoções de raiva, competição, inveja e rancor - ao lado de pensamentos universais e búdicos.

Desta maneira, a substância que um prato da balança está pesando é o oposto da substância  que o outro prato da balança contém. Em uma simetria desfavorável, os dois polos do processo anulam-se reciprocamente, e o resultado prático é o oposto do amor e da verdade, ainda quando o individuo, no plano externo, possa usar as palavras e as aparências da espiritualidade. 

Em que condições o fiel da balança é de fato a Sabedoria, como deve ser? 

O equilíbrio se dá na Sabedoria quando os dois pratos da balança contêm respectivamente VERDADE IMPESSOAL (Buddhi-Manas) e AMOR ALTRUÍSTA (Buddhi-Kama).

Não é por acaso que o sentimento de Amor pela Verdade está na origem da palavra “filo-sofia” (“amor ao saber”) e no lema do movimento teosófico: “Não Há Religião Mais Elevada Que a Verdade”. 

Em última instância, a construção do movimento teosófico autêntico em língua portuguesa depende do despertar de Buddhi, que combina emoções como devoção e renúncia, por um lado, com pensamentos universais, impessoais e lúcidos, de outro lado. 

A mudança externa da vida de um estudante ocorre quando emoções sinceras e generosas acompanham passo a passo as concepções filosóficas.  

Quando as emoções não acompanham os pensamentos universais, elas passam a contrapor-se ativamente a eles. Alimentadas pelas motivações e pelas ações reais no mundo externo, as emoções passam então a ser OPOSTAS aos pensamentos e ao discurso de natureza universal. Elas passam a desafiá-los, a boicotá-los. Levam o indivíduo a odiar, competir e invejar ativamente aqueles que, em seu mundo pessoal, deveriam co-personificar a vivência do universal. Daí a luta interna que alguns estudantes enfrentam em suas próprias almas. Daí, também, as lutas neuróticas e subterrâneas pelo poder e pela “liderança” nos movimentos esotéricos cuja proposta de ensino e aprendizagem não é a melhor.

Embora as palavras e os conceitos sejam fundamentais, eles não bastam. É preciso restabelecer o equilíbrio na balança entre buddhi-manas e buddhi-kama: a balança entre as ideias e os sentimentos. 

A teosofia é búdica. O princípio búdico transforma todos os aspectos da vida, ainda que isso às vezes tome mais tempo do que se pode prever. 

Em última instância, Buddhi não funciona apenas como uma tríade, mas é uma luz setenária, cuja energia, além de preservar-se em seu próprio âmbito búdico, se combina com cada um dos outros seis princípios da consciência. 

A verdadeira luz de buddhi é literalmente como a luz do sol. Atma é sol, e Buddhi é luz.  A luz ilumina tudo, e não só pensamentos. A luz búdica transforma tudo, ou não transforma nada. Ela desmancha todas as paredes e proteções, ou não é búdica. Palavras sobre a luz não substituem a luz. Quando o estudante percebe a luz, ele compreende que  ela ilumina tanto coisas agradáveis como coisas desagradáveis. Ele deve concentrar o foco da visão na luz, evitando a dispersão, porque no seu devido tempo a visão universal transmuta todas as coisas para melhor. O buscador da verdade  deve manter a visão ampla e o foco preciso. Deve ser fundamentalmente otimista, porque está em contato prioritário com o que é ótimo. Num segundo plano,  deve ser calmamente rigoroso e severo em relação às ilusões, porque só há progresso real na medida em que elas são deixadas de lado.

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Uma versão inicial do artigo acima foi publicada de modo anônimo na edição de abril de 2010 de “O Teosofista”.

Leia também o  texto “Os Sete Princípios da Consciência”, de Carlos Cardoso Aveline, que pode ser encontrado em nossos websites associados.

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Sobre o crescimento interior e a transformação pessoal no século 21, leia a obra “O Poder da Sabedoria”, de Carlos Cardoso Aveline.


O livro foi publicado pela Editora Teosófica, de Brasília, tem 189 páginas divididas por 20 capítulos e inclui uma série de exercícios práticos. Está na terceira edição.  

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