Em 1888, Helena Blavatsky Cria a
Seção Interna do Movimento Teosófico
Sylvia Cranston
Sylvia
Cranston (Anita Atkins), e a capa da edição brasileira da obra sobre HPB
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Nota
Editorial de 2016
O texto a seguir reproduz o capítulo 10
da parte seis da obra “Helena Blavatsky”,
de Sylvia Cranston,
Ed. Teosófica, Brasília.
O capítulo é intitulado “A Seção Esotérica”.
“Sylvia Cranston” é o nome literário de
Anita Atkins (1915-2000), notável teosofista e
associada ativa da Loja Unida de Teosofistas, LUT.
Nesta transcrição, mantenho as principais
notas de rodapé de
Cranston, acrescento outras, e
reproduzo algumas das notas da edição brasileira de
1997, de cuja preparação participei como revisor
técnico.
(Carlos Cardoso Aveline)
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No outono de 1888, “Lucifer” [1] trazia um anúncio da formação de
uma Seção Esotérica da Sociedade Teosófica. Como presidente da S.T., o coronel
Olcott explicava a finalidade e estrutura da nova seção:
“1. Para promover os objetivos esotéricos da Sociedade
Teosófica por meio do estudo mais profundo da filosofia esotérica, é criado por
este instrumento um corpo a ser conhecido como ‘Seção Esotérica da Sociedade
Teosófica’.”
“2. A constituição e a única direção desta Seção estão
centradas na sra. Blavatsky, que é a sua Chefe; somente ela é responsável
quanto aos resultados obtidos pelos membros; e a Seção não tem nenhuma ligação
com a Sociedade Exotérica salvo através da pessoa do presidente-fundador.”
“3. As pessoas que desejarem unir-se a esta Seção, e
que estejam dispostas a aceitar as suas regras, devem comunicar-se diretamente
com: - sra. H.P. Blavatsky, Lansdowne Road, 17, Holland Park, Londres, W.”
Na época da
morte de HPB, ele recorda que havia um ou dois mil membros entusiásticos da
S.E.
Uma carta de
HPB para o dr. J.D. Buck, nos Estados Unidos, datada do dia 1 de dezembro de
1888, indica a finalidade e a natureza da seção interna:
“A necessidade desta seção era muito sentida em toda
parte. Sendo impossível apresentar muitos ensinamentos publicamente (quer seja
em ‘Lucifer’, ou em ‘A Doutrina Secreta’), e havendo membros antigos e bem
testados aptos para aprender certas coisas do ocultismo - mais do que os
simples estranhos - a formação de tal seção, enquanto eu estiver viva e puder
ser útil às pessoas, foi muito solicitada de todos os lados. Não há espaço para
despotismo e autoritarismo... nela... nem glória para mim, mas haverá uma série
de mal entendidos, calúnias, suspeitas e ingratidão num futuro quase imediato;
mas, se da centena de teosofistas (109) que já assumiram seus compromissos [2],
eu puder colocar na senda verdadeira e correta uma meia dúzia deles - morrerei
tranquila. Muitos são chamados, poucos os escolhidos... Só posso indicar o
caminho para aqueles cujos olhos estão abertos para a verdade, cujas almas
estão cheias de altruísmo, caridade e amor por toda a criação e só por último
pensam em si mesmos.”
“...A Seção Esotérica não é da terra terrena; ela não
interfere na administração exotérica das lojas... Ela não exige subscrições,
taxas, nem dinheiro, porque assim como eu nada recebi, nada repassarei, e
preferiria morrer de fome na sarjeta do que receber um centavo pelo meu ensinamento
das verdades sagradas. O correio e o material para correspondência são as
únicas despesas, e estas serão pagas pelo Conselho da Loja Blavatsky, caso a
minha ‘A Doutrina Secreta’ não me trouxer o suficiente para cobrir tais
despesas... Que aquele que quiser a sua herança antes de eu morrer - que a
solicite - pois ele terá muito pouco depois que eu partir. O que tenho, ou
melhor, o que me é permitido dar estou pronta a oferecer, embora não seja
muito.” [3]
A recusa dela
em fazer promessas grandiosas com relação às coisas maravilhosas que poderiam
ocorrer se os membros se filiassem à S.E. forma um contraste completo com as
atrações oferecidas pela assim chamada mídia do oculto e as fabulosas
importâncias que quase sempre exigem.
Antes de
filiar-se à S.E., os interessados frequentemente escreviam a HPB para saber
quais os compromissos que teriam. Um desses interessados quis saber se um
soldado poderia tornar-se um membro. Ela respondeu: “O que é que quer dizer com
‘o soldado não é livre’? É claro, nenhum soldado pode estar livre para mover o
seu corpo físico para onde quer. Mas o que o ensinamento esotérico tem a ver
com o homem externo? Um soldado pode estar preso à sua casa de sentinela como
uma âncora ao seu navio, mas o Ego do soldado está livre para ir onde quiser e
pensar o que achar melhor.” Entretanto, ela acrescenta:
“Não é solicitado a nenhum homem carregar uma
carga mais pesada do que possa suportar; nem fazer mais do que lhe é possível
fazer... um homem amarrado por seu dever a um lugar não tem o direito de
abandoná-lo para atender a outro dever, mesmo que ele seja maior do que o
primeiro; pois o primeiro dever ensinado em ocultismo é que façamos o nosso
dever sem desistir dele por nenhum outro dever. Perdoem esse aparente paradoxo
absurdo, mas tive que repetir isso ad nauseam usque no último mês. ‘Será que corro o risco de que me mandem abandonar
minha esposa, desertar dos meus filhos e lar se eu fizer o voto?’ - alguém me
pergunta. ‘Não’, eu digo, ‘pois aquele que é negligente numa coisa será infiel
em outra. Nenhum MESTRE verdadeiro e autêntico irá aceitar um chela que
sacrifica qualquer pessoa além de si mesmo para ir até aquele Mestre.’ Se
alguém, devido às circunstâncias ou a sua posição na vida, não puder tornar-se
um adepto pleno nesta existência, que ele prepare a sua bagagem mental para a
próxima, a fim de que esteja pronto a atender o primeiro chamado quando
renascer mais uma vez.” [4]
Na Seção
Esotérica não era ensinado aos membros ocultismo prático, ou como executar
fenômenos psíquicos. Também era excluído o que é chamado de magia cerimonial,
tão popular hoje em dia. Em uma das cartas de HPB a Ralston Skinner, que está
na coleção de Harvard, ela revela que tais cerimônias podem ser perigosas:
“Eu li e reli o seu ‘Hebrew Egyptian Mystery’
(‘O Mistério Hebreu Egípcio’) mais de vinte vezes e recomendo-o a todos os
nossos cabalistas como o rev. A. W. Ayton... e Mathers, um cabalista muito bom,
mas que perde muito de seu rumo com a magia cerimonial, que eu detesto.
[Certos] diagramas geométricos e figuras têm o poder de reagir quando as
criaturas dos elementos, meio cegas e sem cérebro, despertam para a atividade -
poder e criaturas estas cuja existência você pode negar... Nós, da filosofia
Vedanta esotérica do Hinduísmo..., sabemos o poder que certos círculos e
diagramas possuem sobre os elementos. Esta é a razão por que eu acredito na
magia cerimonial, mas a odeio e a temo. Tenha cuidado com certas figuras e
combinações, portanto, sr. Skinner...” [5]
Observa um
escritor:
“Com a formação da Seção Esotérica, uma nova
influência começou a ser sentida na história teosófica. Apesar de pouco ter
sido impresso nas publicações teosóficas a respeito dessa Seção - pois todas as
suas atividades eram realizadas sob um estrito juramento de segredo[6] -
o efeito dessa nova organização era consolidar as energias e a devoção dos
membros mais ardentes da Sociedade, o que obviamente beneficia o trabalho do
Movimento. Como chefe dessa Seção, HPB estava livre dos procedimentos
organizacionais em suas relações com os estudantes esotéricos, que ela
considerava seus alunos, e a quem ela deu, privadamente, os ensinamentos
apropriados ao ciclo de desenvolvimento interno que estavam vivendo.” [7]
Como a
circulação dos ensinamentos era privativa, nenhuma tipografia comercial podia
ser usada. HPB menciona o método adotado para reproduzir os documentos
esotéricos numa carta a Vera, que vinha se lamentando por não ter recebido
notícias de sua irmã durante muito tempo:
“Dêem-se ao trabalho de contar as minhas ocupações,
vocês, injustas sem coração. Todo mês eu escrevo de quarenta a cinquenta
páginas de ‘Instruções Esotéricas’, instruções em ciências secretas, que não
podem ser impressas em gráficas públicas. Cinco ou seis pobres mártires
voluntários entre os meus esoteristas têm que desenhar, escrever e litografar [8]
durante as noites cerca de 320 cópias, que eu tenho que supervisionar,
retificar, comparar e corrigir, para que não ocorram enganos e minhas
informações ocultas não causem vergonha.”
Segue-se uma longa
lista de outras atividades que ela executava. [9]
James Pryse
descreve como o problema de reproduzir os ensinamentos esotéricos foi
finalmente resolvido. A história começa em Los Angeles, na primavera de 1888:
“Naqueles dias, muitos teosofistas estavam ansiosos
por tornar-se ‘chelas’ ou ‘chelas leigos’ entrando em comunicação com os
Mestres a quem HPB representava. Não tendo dúvida de que os Mestres estavam
sendo importunados por tantos pretendentes, evitei fazer qualquer tentativa
para chegar até HPB ou seu Mestre, ou atrair a atenção deles para o meu ser
insignificante...”
“Uma noite, quando estava meditando [sobre Paracelso],
o rosto de HPB apareceu como em uma luz brilhante diante de mim. Eu a reconheci
devido ao retrato dela que está em Ísis, embora agora me parecesse muito mais
velha. Pensando que aquilo que eu considerava uma representação astral
correspondia a um devaneio da imaginação, tentei excluir a imagem da minha
mente, mas então seu rosto mostrou impaciência, fui puxado instantaneamente do
meu corpo e em seguida estava parado ‘no astral’ diante de HPB, em Londres.
Isto foi durante a manhã lá, mas ela ainda estava sentada à sua escrivaninha.
Enquanto ela falava comigo, de forma muito amável, eu não podia deixar de
pensar o quanto era estranho que uma mulher, aparentemente velha e mortal,
pudesse ser um Adepto. Tentei tirar esse pensamento indelicado da minha mente,
mas ela leu isso e, como se fosse uma resposta, o seu corpo físico tornou-se
translúcido, revelando então um corpo interno maravilhoso que parecia feito de
ouro derretido.”
“Então, subitamente, o Mestre M. apareceu diante de
nós em seu mayavirupa. [10] Fiz uma profunda prostração
diante dele, pois me parecia ser mais um Deus do que um homem. De algum modo eu
sabia quem ele era, embora essa fosse a primeira vez que o via. Ele me falou
afavelmente e disse: ‘Eu terei um trabalho para você em seis meses.’ Ele
caminhou então para o extremo do quarto, abanou a sua mão em despedida e
partiu...”
“Seis meses depois, a promessa do Mestre foi
concretizada. Meu irmão John e eu, retornando de uma viagem à América do Sul,
desembarcamos em Nova Iorque. Encontramos o sr. Judge desorientado diante de um
problema difícil. HPB havia encaminhado a ele as suas instruções para que as
enviasse a todos os membros da S.E.; mas enviara-lhe apenas uma via, e ele não
tinha como fazer as cópias necessárias. Solucionamos o problema para ele
criando [uma gráfica] e imprimindo em forma de livro, as instruções.”
Os dois irmãos
eram tipógrafos excelentes e tinham sido editores de um certo número de
pequenos jornais em cidades dos Estados Unidos. Após auxiliarem Judge,
receberam ordem de HPB, de Londres, para que James criasse a editora HPB Press,
em Nova Iorque, na qual não só seriam impressas as instruções da S.E., mas
também livros da Sociedade e outras obras. [11]
NOTAS:
[1]
“Lucifer” - o nome da revista editada por H. P. Blavatsky em Londres. O termo tem
sido distorcido desde a idade média pelos teólogos
da superstição. A palavra “Lúcifer” significa “portador da luz” e é o termo
antigo para designar Vênus, a estrela d’alva, a estrela vespertina, a “irmã
mais velha da Terra”, que ampara nossa evolução espiritual segundo Helena
Blavatsky. (CCA)
[2]
Sobre o Compromisso da escola esotérica original, que foi depois distorcida por
Annie Besant e pelo falso clarividente Charles Leadbeater, veja em nossos
websites associados os textos “O Significado de um Compromisso”, de Autor
Anônimo, e “As Sete Cláusulas de um Compromisso”. A respeito do abandono da
teosofia autêntica na Escola de Adyar após a morte de HPB, veja o texto “A Fraude da Escola Esotérica”. (CCA)
[3] Cranston indica a fonte em nota
de pé de página. Trata-se do artigo “Extracts From Private Letters”, de Helena
P. Blavatsky. O texto está
publicado em nossos websites associados. (CCA)
[4] Do texto “Extracts From Private
Letters”, de Helena P. Blavatsky. Disponível em nossos websites. (CCA)
[5] Nota de Sylvia
Cranston: Blavatsky, “Letters to Ralston Skinner”, Ralston Skinner
Collections, Universidade de Harvard, Cambridge, Massachusetts, EUA.
[6] Nota de Sylvia Cranston:
HPB foi acusada de fraude
certa vez por manter silêncio com relação a uma informação dada a ela sob
juramento. Ela respondeu: “Se eu for considerada uma impostora neste assunto,
então todo Maçom, todo Oddfellow, todo sacerdote que recebe uma confissão, todo
médico que fez juramento de Hipócrates ou advogado será um impostor.”
(Blavatsky: “Collected Writings”, vol. 6, p. 289.)
[7]
Cranston indica a
fonte de forma incompleta em nota de pé de página. Trata-se do livro “The Theosophical Movement 1875-1950”, p. 139.
Cranston indica erradamente a p. 79, na sua edição original em inglês. O livro
foi publicado em Los Angeles em 1951 por
The Cunningham Press, 351 pp. A obra não tem indicação de nome de autor, mas
foi escrita pelo teosofista Henry Geiger, da Loja Unida de Teosofistas, e é uma
versão resumida e politicamente suave
da obra “The Theosophical Movement 1875-1925”. A versão original do livro,
impressa em 1925 e também publicada anonimamente, foi redigida por John Garrigues, um dos
principais fundadores da LUT, e publicada em 1925 por Dutton & Co., em Nova Iorque. Veja em nossos websites o
artigo “A Vida e os Escritos de John Garrigues”. (CCA)
[8]
Nota da edição brasileira do livro “Helena Blavatsky”: Litografia é um
sistema de impressão sobre pedra calcárea ou placa de metal.
[9] Nota de Sylvia
Cranston: Blavatsky, “Letters of H.P. Blavatsky XII”, “The Path”, novembro
de 1895, p. 238.
[10]
Nota da edição brasileira de “Helena Blavatsky”: Mayavirupa: em sânscrito, literalmente, “forma ilusória”. É um
veículo artificial feito de matéria dos planos mental inferior e astral, e
construído através do exercício da vontade de um Adepto. Este tipo de corpo
pode transportar-se a grandes distâncias e é usado por Mestres ou discípulos
avançados para atuar nos planos astral e mental.
[11] Nota de Sylvia
Cranston: “Faces of Friends” (Rostos de Amigos), “The Canadian Theosophist”,
março de 1933, p. 2; “The Path”, junho de 1894, pp. 90-91.
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Sobre o
mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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