31 de julho de 2016

A Metafísica do Sanduíche

Teosofia Original Ensina Que o Trigo Veio de Vênus;
Lenda Carajá Diz o Mesmo Sobre Agricultura e Cereais

Carlos Cardoso Aveline 



As informações científicas disponíveis na primeira parte do século 21 parecem concordar com a ideia de que o trigo jamais foi encontrado como planta nativa em parte alguma do nosso planeta. O seu uso agrícola se confunde com a própria origem da civilização humana, cuja memória histórica não vai muito além de seis mil anos atrás.  

Pesquisas admitem que o material genético das várias espécies do trigo é bastante complexo, se comparado com a maior parte das espécies de plantas. Também se constata que, com o tempo, surgiram cruzamentos do trigo com outras espécies de plantas gramíneas. Daí, provavelmente, a sua diversidade atual.

Não há, em enciclopédias ou estudos conhecidos, uma informação que diga que o trigo é natural deste ou daquele país. Mesmo nos registros mais antigos, o trigo já aparece como uma espécie vegetal “domesticada” e não como um “mato nativo”. Ele parece ter estado sempre ligado à agricultura.

Esta planta herbácea, da família das gramíneas, está presente nas lendas de quase todas as religiões, e elas lhe atribuem uma origem divina. Os fenícios agradecem pelo trigo às suas divindades; os hindus são gratos a Brahma. Para os gregos antigos, o trigo é um presente de Demeter, a deusa da agricultura, e para os romanos se trata de um presente da deusa Ceres: de “Ceres” vem o nome “cereal”. Os muçulmanos e cristãos também afirmam que a origem do trigo é celeste.

A filosofia esotérica tem uma explicação mais elaborada para a origem divina do trigo. A obra “A Doutrina Secreta”, de Helena P. Blavatsky, foi escrita com base nos registros esotéricos da evolução do nosso planeta, que estão sob a guarda de sábios do Oriente. Referindo-se a um momento decisivo da evolução terrestre e humana, esta obra clássica afirma o seguinte:

“Frutos e grãos, desconhecidos na Terra até aquele momento, foram trazidos pelos ‘Senhores da Sabedoria’ desde outros lokas [esferas], em benefício daqueles que governavam.” [1]

A frase diz respeito a Vênus, porque é de lá que vieram os “Senhores da Sabedoria”. Pouco mais adiante, HPB menciona o fato de que o trigo jamais foi encontrado em estado silvestre em nosso planeta. E acrescenta:

“Todos os outros cereais tiveram as suas formas primogênitas localizadas em várias espécies de gramíneas silvestres, mas o trigo tem desafiado até agora os esforços dos botânicos que tentam conhecer sua origem. E devemos lembrar, a respeito, que este cereal era considerado sagrado pelos sacerdotes egípcios; o trigo era colocado inclusive junto às suas múmias, tendo sido encontrado em ataúdes milhares de anos depois.” [2]

Poucas linhas mais adiante, HPB lembra que no livro egípcio dos mortos a deusa Ísis afirma:

“Eu fui a primeira a revelar aos mortais os mistérios do trigo e dos cereais... Eu sou aquela que se ergue na constelação do cão (a estrela do cão)....”. 

HPB esclarece que a estrela Sírio era chamada de estrela-cão. E ainda hoje a astronomia define Sírio como uma grande estrela da Constelação do Cão Maior.

Blavatsky menciona em seguida o fato de que, segundo o I-Ching chinês, a agricultura surgiu graças “às instruções dadas aos seres humanos por espíritos celestes”. [3]

Deste modo, fica claro um fato básico. Cada vez que o cristianismo usa o pão como hóstia em seus rituais, ou cultua “o pão nosso de cada dia”, está obedecendo a uma antiga tradição pagã segundo a qual o trigo tem origem divina e extraterrestre.  

Os diversos mitos ocidentais sobre a origem do trigo e a abordagem de “A Doutrina Secreta” são confirmados também pela mitologia dos índios brasileiros Carajás.   

Houve um tempo, durante a infância da humanidade - diz uma lenda - em que a nação dos Carajás não sabia fazer roça, nem plantar o milho cururu, nem ananás, nem mandioca.

A nação só vivia de frutas do mato, dos bichos terrestres que matava, e de peixe. Naquela época, conta-se que um casal vivia com suas duas filhas. Durante um anoitecer estrelado, a filha mais velha do casal olhou para Tahina-Can - Vênus, a “grande estrela” - e desejou fortemente viver com o planeta. Ao ver isso, o pai da moça riu, e disse que ninguém poderia alcançar Tahina-Can. A estrela vespertina estava muito longe.  

O significado simbólico da passagem é que a humanidade olha para o alto em busca de ajuda em sua evolução. Ela aspira a algo maior, mas, inicialmente, a ajuda parece impossível.  

À noite, quando todos dormiam - prossegue a lenda - um velho de idade avançada surgiu e apresentou-se à moça. Disse que era Tahina-Can, Vênus, e perguntou a ela se queria casar com ele. Surpresa, ela disse que não.  

“Você é velho e feio”, explicou.    

A velhice simboliza a sabedoria.

A forma externa decepcionante serviu para testar o discernimento da discípula e saber se ela podia ir além das aparências. A humanidade de Vênus é mais velha e mais sábia que a humanidade terrestre. Porém, em geral, quando a ajuda do alto finalmente vem para os humanos, aqueles que a pediram nem sempre estão dispostos a aceitá-la, porque ela não corresponde às expectativas criadas desde o ponto de vista da rotina e da ignorância.

Neste caso específico, a ajuda vinda de Vênus pode ter sido rejeitada pelas sub-raças mais antigas da terceira raça-raiz, simbolizadas na lenda pela irmã mais velha.

Diante da reação da jovem, Tahina-Can começou a chorar. O choro de seres divinos simboliza não só a compaixão universal, mas também a irrigação, a purificação, a renovação da vida. A história não acaba neste ponto, portanto. Denakê, a filha mais moça do casal, tinha um coração especialmente bondoso. Ela compadeceu-se do velhinho. Ela disse que se casaria com ele, e ficaram juntos.

A bondade de coração abre as portas da sabedoria. O casamento entre o velho de Vênus e a filha mais nova do casal terrestre simboliza entre outras coisas a união alquímica entre o eu superior - velho porque imortal - e o eu inferior, que é novo porque, sendo mortal, nasce outra vez a cada encarnação.  

Conta e lenda que no dia seguinte, cedo pela manhã, o velho Tahina-Can, Vênus, foi trabalhar. Ele colheu sementes em um rio e criou a agricultura. Ele deu ao povo da terra os grãos e os cereais, e passou a usar um corpo físico jovem, adaptado ao processo terrestre. Assim se renovou o processo vital do nosso planeta. [4]

Esta lenda Carajá, do rio Araguaia, coincide com afirmativa feita em “A Doutrina Secreta”, de que as inteligências espirituais do planeta Vênus estão ligadas à invenção da agricultura e ao começo do uso do trigo em nosso planeta. 

A sabedoria deste planeta irmão deu apoio em vários momentos decisivos da evolução humana. Veio de Vênus o fogo da consciência, o princípio mental que nos faltava, muitas eras atrás. Quando olhamos Vênus a cada anoitecer, ou quando comemos uma simples fatia de pão, vale a pena lembrar que a evolução terrestre não é um processo isolado. Nosso ambiente natural mais imediato é o sistema solar inteiro, e a dimensão cósmica e metafísica da vida está presente inclusive nos sanduíches nossos de cada dia.    

NOTAS:

[1] Ver “A Doutrina Secreta”, de Helena Blavatsky, na edição original em inglês: “The Secret Doctrine”, HPB, Theosophy Co., Los Angeles, volume dois, p. 373.

[2] “The Secret Doctrine”, obra citada, volume II, pp. 373-374.  

[3] “A Doutrina Secreta”, obra citada, volume II, p. 374.

[4] “Lendas do Índio Brasileiro”, organização de Alberto da Costa e Silva, terceira edição, Ediouro, RJ, 300 pp., ver pp. 293-296.

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Uma versão inicial do texto acima foi publicada, sem indicação do nome do autor, em “O Teosofista” de março de 2010, sob o título “A Teosofia e o Pão Nosso de Cada Dia”.

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   

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