2 de julho de 2016

Vertigem da Arte

A Pedra Pode Ganhar Vida, e a
Vida às Vezes Se Transforma em Pedra

Augusto de Lima 

Augusto de Lima (1859-1934)


Nota Editorial de 2016:

O poema a seguir examina a relação dinâmica entre a arte e a vida, e faz parte do diálogo profundo que há entre o ser humano e a pedra.

Há vida nas rochas, assim como em cada átomo, segundo a filosofia esotérica. Elas simbolizam aquilo que é estável, imóvel, ou duradouro. A significação espiritual das pedras evoca ressonâncias mitológicas. No mito grego de Deucalião, os homens são criados de novo depois do grande dilúvio universal, e isso ocorre tendo como base pedras lançadas pelo casal primordial, Deucalião e Pirra. As pedras ganham vida, e se transformam em seres humanos.

Nos mitos andinos sobre a criação, os homens também são feitos a partir de pedras; e às vezes, por ordem dos deuses, as pessoas se transformam em estátuas de pedra. [1]

(Carlos Cardoso Aveline)

NOTA:

[1] Veja “Mitos, Leyendas y Cuentos de los Quechuas”, Jesús Lara, Ed. Los Amigos del Libro, La Paz, Bolivia, 1987, pp. 33-34.

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Vertigem da Arte

Augusto de Lima

A Randolpho Fabrino
No frontispício de uma antiga igreja,
talhado em duro mármore polido,
abre as asas um anjo que branqueja
entre as flores de pedra adormecido.

O olhar num sonho místico abismado,
imóvel fita a altura friamente:
- gênio estranho que aos céus arrebatado,
em pedra se tornasse de repente!

Era manhã. No rosto alvo e divino,
que o pó do Tempo envolve no seu manto,
vi cintilar o orvalho matutino,
deslizando na pedra como um pranto…

E julguei um instante que chorasse
aquele ente sem vida à luz da aurora,
e que se contraísse aquela face,
sem me lembrar que o mármore não chora!

Extático ante os góticos primores
que um talento infeliz, gênio sem palma,
cinzelasse, talvez, sonhando amores,
e escondendo na pedra o sangue da alma;

Tive a vertigem (louco desvario!)
de perder-me no espaço indefinido,
só para ver de lá o olhar sombrio
do triste anjo de pedra adormecido…

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O poema acima foi reproduzido do volume “Poesias”, Augusto de Lima, Editora H. Garnier, Rio de Janeiro / Paris, 1909,  300 pp., ver pp. 68-69.  A ortografia foi atualizada.

Sobre a vida das pedras, veja também o poema “O Reino Mineral”, de Augusto de Lima. Está disponível em nossos websites associados.

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.   

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