2 de julho de 2016

Blavatsky Comenta a Mediunidade

Os Motivos Pelos Quais a Filosofia
Esotérica Recomenda Evitar Práticas Mediúnicas 

Joaquim Duarte Soares 

Para Helena Blavatsky (foto) é fundamental
em teosofia ser independente e ter vontade própria




Qual a visão da teosofia original em relação à mediunidade espírita? 

Para examinar esta questão, é fundamental o estudo amplo e calmo da constituição oculta do ser humano, tal como ensinada pela Filosofia Esotérica. Sem compreender a sua natureza complexa não será possível perceber os processos naturais de desenvolvimento e evolução, de vida e morte, e do caminho do discipulado. [1] 

Vejamos, resumidamente, algumas ideias básicas.

O Ser Humano tem a seguinte natureza setenária:

1) Sthula-sharira -  Corpo Físico;
2) Prana -  Princípio Vital;
3) Linga-Sharira - Modelo ou duplo astral;
4) Kama - A sede dos desejos, paixões e emoções;

Estes 4 Princípios (ou mais corretamente 3 Princípios e o Corpo Físico) formam aquilo que a Teosofia designa por Quaternário Inferior, ou os níveis mortais;  a Personalidade, que apenas subsiste durante o período de uma encarnação.

Em seguida, temos a Tríade Superior:

5) Manas - Mente, Inteligência. Este princípio é dual em suas funções;
6) Buddhi - Intuição Espiritual, a Alma espiritual;
7) Atma - O Eu Imortal, o Espírito.

Um ponto importante a considerar é que existe uma ligação entre o Quaternário Inferior e a Tríade Superior, que é Antahkarana. O objetivo de todo aquele que percorre o Caminho Espiritual é ir “construindo”, ao longo de várias vidas, uma ponte cada vez maior entre os níveis mortais e os níveis espirituais e imperecíveis.

Na constituição setenária podemos distinguir igualmente três Almas, ou, três “tipos de consciência”:

1) Alma Animal ou Mortal (eu inferior): um agregado de Kama + Manas
2) Alma Humana: Buddhi + Manas
3) Alma Espiritual ou Imortal (Eu Superior): Atma + Buddhi

O caminho espiritual consiste na transferência da consciência do eu inferior para o eu superior, da alma mortal para Alma Imortal, através do despertar da Alma Humana, ou Buddhi-Manas, a Inteligência e Compaixão Universal.

Diante desta perspectiva da constituição integral do ser humano, podemos perceber que a mediunidade espírita e os demais fenômenos mediúnicos têm a sua base na atividade da alma animal ou mortal, no nível da Ilusão. Para a Teosofia autêntica, a mediunidade é um grave infortúnio e o discípulo esotérico é o oposto do médium. Um é ativo e positivo, o outro é passivo e negativo; um desenvolve progressivamente a sua vontade e poder sobre todas as circunstâncias e forças inferiores, o outro vai perdendo cada vez mais a sua autonomia e passa a ser o instrumento “dócil” de todo tipo de influências; enquanto um se esforça por polarizar nos níveis espirituais (Alma Imortal), o outro se deixa dominar e enredar nos níveis da ilusão (Alma Mortal); um refina os seus veículos de percepção, o outro desestrutura e degrada a sua fisiologia oculta; um amplia a sua consciência, o outro limita a sua consciência; um procura ler o Pensamento Divino, outro se ilude com os reflexos da Luz Astral; um toma nas mãos a responsabilidade de se conduzir pelo Caminho ascendente, outro delega a forças estranhas seu percurso de crescentes infortúnios.

Num capítulo da obra “Ísis Sem Véu”, de Helena Blavatsky, podemos ler o seguinte, a propósito da mediunidade (passiva):

“Longe de nós o pensamento de lançar uma mácula injusta sobre os médiuns físicos. Exauridos por diversas inteligências, reduzidos pela influência predominante dos espíritos [2] - à qual suas naturezas fracas e nervosas são incapazes de resistir - a um estado mórbido, que ao fim se torna crônico, eles são impedidos por essas ‘influências’ de assumir outra ocupação. Eles se tornam mental e fisicamente incapazes para qualquer outra atividade. Quem pode julgá-los severamente quando, lançados numa situação extrema, são constrangidos a aceitar a mediunidade como um negócio? E o céu sabe, como bem o demonstraram os últimos acontecimentos, se essa profissão deve ser invejada por quem quer que seja!”[3]

Todo o texto restante merece ser lido. Em um trecho mais adiante, HPB nos oferece palavras muito claras sobre a situação dos médiuns:

“É um erro dizer que um médium tem poderes desenvolvidos. Um médium passivo não tem poder. Ele tem uma certa condição moral e física que produz emanações, ou uma aura, na qual as inteligências que o guiam podem viver e pela qual elas se manifestam. Ele é apenas o veículo através do qual elas exercem seu poder. Essa aura varia dia a dia, e, segundo as experiências do sr. Crookes, mesmo de hora em hora. É um efeito externo que resulta de causas internas. A condição moral do médium determina a espécie dos espíritos que vêm; e os espíritos que vêm influenciam reciprocamente o médium, intelectual, física e moralmente. A perfeição de sua mediunidade está na razão da sua passividade, e o perigo que ele incorre está no mesmo grau. Quando ele está completamente ‘desenvolvido’ - perfeitamente passivo -, o seu próprio espírito astral pode ser paralisado, [até] mesmo retirado de seu corpo, que é então ocupado por um elemental (…).”

E ela prossegue:

“Como a mediunidade física depende da passividade, o seu antídoto é óbvio: o médium deve cessar de ser passivo. Os espíritos nunca controlam pessoas de caráter positivo que estão determinadas a resistir a todas as influências estranhas. Levam ao vício os fracos e os pobres de espírito que eles conseguem levar ao vício. Se os elementais que produzem milagres e os demônios desencarnados chamados de elementários fossem de fato os anjos guardiães, como se acreditou nos últimos trinta anos, por que não deram eles a seus médiuns fiéis pelo menos boa saúde e felicidade doméstica? Por que os abandonam nos momentos críticos do julgamento, quando são acusados de fraude? É notório que os melhores médiuns físicos são doentios, ou, às vezes, o que é ainda pior, inclinados a um ou outro vício anormal. Por que esses  ‘guias’ curadores, que fazem seus médiuns exercerem o papel de terapeutas e taumaturgos para os outros, não lhes dão a dádiva de um robusto vigor físico? Os antigos taumaturgos e os apóstolos gozavam geralmente, se não invariavelmente, de boa saúde; seu magnetismo nunca trazia ao doente qualquer mácula física ou moral; e eles nunca foram acusados de VAMPIRISMO, como o faz muito justamente um jornal espírita contra alguns médiuns curadores.” [4]

Ação Definida e Plena Atenção

Segundo a filosofia esotérica, a mediunidade e a perda da independência devem ser evitadas a todo custo, mas elas não ocorrem apenas em sessões espíritas. Os perigos da passividade psíquica diante de forças sutis pouco recomendáveis são enormes em qualquer ambiente “espiritual” que estimule nas pessoas uma obediência cega.  

Para evitar esta dominação paralisante, uma pedagogia espiritual eficaz deve estimular no aprendiz o desenvolvimento de uma vontade individual ativa, unida a um desejo de agir corretamente, e a uma decisão de ser individualmente responsável pelos seus pensamentos, palavras e ações.

Em 1885, Helena Blavatsky publicou três perguntas de um leitor no jornal “The Theosophist”, que ela editava mensalmente na Índia:

1) Quais são os sintomas, tanto externos como internos, que permitem detectar se estamos tornando-nos, ou se já nos tornamos de fato, um médium espírita?

2) Serão parte dos sintomas a má saúde, a perda da vitalidade, e a consequente perda de força-de-vontade, assim como a distração mental?

3) Quais são os meios para defender-nos eficientemente de tal processo?  E se o processo já se completou, quais são os meios para dissipar os seus efeitos?

HPB respondeu da seguinte maneira:

1) Perda de vitalidade e seus resultados.

2) Sim.

3) Vontade positiva, estudo, atividade, trabalho. [5] 

A prática da teosofia clássica nada tem a ver com passividade. Ela inclui elementos de Raja Ioga (a sabedoria pelo autocontrole e autoconhecimento), de Carma Ioga (a sabedoria pela ação correta) e de Jnana Ioga (a sabedoria pela contemplação das verdades universais).

Nestas três linhas de ação, uma vontade ativa, unida à ética, é um elemento central e indispensável.

NOTAS:

[1] Nossos websites associados contêm vários textos de estudo que permitem uma melhor compreensão da mediunidade, do processo pós-morte e da reencarnação, bem como algumas semelhanças e as muitas diferenças entre a filosofia espírita e a Teosofia. O texto “Os Sete Princípios da Consciência”, de Carlos Cardoso Aveline, é fundamental.

[2] Os “espíritos” de que H.P.B. fala não são as “almas dos desencarnados”, como supõem os espíritas, mas antes as “cascas astrais” ou então elementais.

[3] “Ísis Sem Véu”, H. P. Blavatsky, Ed. Pensamento, SP, vol. II, pp. 174-176.

[4] “Ísis Sem Véu”, obra citada, vol. II, p. 176-177.

[5] “The Theosophist”, Adyar, Índia, February 1885, p. 119.

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No texto acima o autor unifica os seus artigos “Como Evitar a Mediunidade e Seus Perigos” e “A Mediunidade e a Teosofia”, que foram publicados  respectivamente nas edições de abril de 2008 e julho de 2010 do boletim eletrônico “O Teosofista”.

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Para conhecer a teosofia original desde o ângulo da vivência direta, leia o livro “Três Caminhos Para a Paz Interior”, de Carlos Cardoso Aveline.


Com 19 capítulos e 191 páginas, a obra foi publicada em 2002 pela Editora Teosófica de Brasília.

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