Uma Leitura Simbólica do Saber
Teosófico
Carlos
Cardoso Aveline
A mitologia hindu e a mitologia
nórdica falam de uma árvore cujas raízes estão no céu, e cujos galhos e folhas apontam
para a terra. Segundo os hindus, as folhas desta árvore são as escrituras
sagradas - isto é, a sabedoria universal registrada em livros.
A imagem se aplica ao ser humano, e ajuda a
explicar a proposta de ação da Loja Independente de Teosofistas.
A raiz última da existência de um indivíduo é a
alma imortal, que, simbolicamente, está no céu. Os galhos e folhas da árvore da
vida envelhecem e morrem de quando em quando para renascerem mais tarde. Eles constituem
a alma mortal do ser humano, com os seus inúmeros aspectos “práticos” e
“objetivos”, inclusive o corpo físico.
O filósofo grego Anaxágoras, que viveu de 500
a.e.C. a 428 a.e.C., pareceu estar consciente do fato de que cada indivíduo, em
última instância, é como a árvore nórdica Yggdrasil, e como a árvore hindu Ashwatta.
Anaxágoras levava uma vida solitária e contemplativa.
Morava junto à natureza, dedicado aos temas celestiais. Para empregar seu tempo
com assuntos eternos, havia entregue seu patrimônio material a membros da sua
família. Um dia perguntaram a Anaxágoras:
“Não te preocupas nem sequer com o bem-estar da tua
pátria?”
Ele respondeu, enquanto apontava para o céu:
“Cala a boca! Eu me preocupo muito com a minha
pátria!” [1]
A pátria de Anaxágoras era o Universo. Ele sabia
que estava de passagem no plano físico.
Filosofia clássica à parte, a imagem paradoxal de
uma árvore com raízes no céu possui um significado específico para os cidadãos
do século 21.
A Loja
Independente Como uma Árvore
Quando livre das ilusões pseudoesotéricas, o
movimento teosófico é uma versão da árvore simbólica do Oriente, e o mesmo acontece
com a LIT.
É possível dizer, em primeiro lugar, que as folhas
e os ramos menores de uma dimensão da árvore Ashwatta equivalem às numerosas e pequenas
frentes de divulgação do trabalho da Loja Independente de Teosofistas.
A cada dia há milhares de novos gestos e tarefas, muitos
dos quais são imperceptíveis.
Em segundo lugar, o tronco e os principais ramos da
árvore correspondem ao esforço coletivo dos trabalhadores voluntários, amigos e
simpatizantes que participam do projeto da LIT.
Finalmente, em terceiro lugar, as verdadeiras raízes
desta árvore Ashwatta são o grau de pureza e devoção à verdade eterna, de todos
e de cada um. Esta é a fonte alimentadora e a base de sustentação. Trata-se de
uma dedicação anônima, de um sentimento não-mortal localizado no coração do ser
humano de boa vontade, e que passa de uma encarnação para outra, renascendo
cada vez mais forte e mais experiente.
As pequenas folhas, as humildes ações diárias que
os desinformados consideram insignificantes, alimentam e vitalizam a árvore.
Cada vez que uma pessoa lê um texto, temos uma
folha de Ashwatta.
Na região Centro-Oeste do Brasil, as queimadas
anuais do período da seca destroem as folhas, mas o tronco das árvores nativas
está adaptado para vencer esse desafio: ele é queimado por fora e resiste por
dentro. Ele volta à atividade visível tão logo a queimada termina. As raízes
amplas e profundas, por sua vez, garantem a rápida regeneração da vida e
sustentam a força das folhas nas diferentes situações climáticas ao longo do
ano.
A imagem se aplica à Loja Independente.
O mais importante para a LIT é a decisão dos seus
associados de fazer o melhor a cada dia, sejam favoráveis ou desfavoráveis as
circunstâncias. Ao trabalhar, seus colaboradores procuram observar o estado de
espírito com que realizam as tarefas. A vida interna das folhas e das tarefas
será resistente se as raízes forem de fato grandes e fortes.
A lamentável derrota ética das grandes corporações
teosóficas no século vinte se deveu a um crescimento excessivo de galhos e
folhas, com raízes fracas. Na falta de líderes bem informados, foi esquecido o
local onde estavam as raízes verdadeiras. Exagerou-se o poder das aparências.
No século 21 talvez seja mais fácil perceber um
fato básico: a vitória durável é obtida quando os teosofistas compreendem que, embora as raízes sagradas sejam invisíveis, são elas que sustentam a árvore da
vida. A construção real ocorre de dentro para fora. Avança da raiz no alto para
a vida diária dos indivíduos de boa vontade. O essencial é invisível, e é ele
que sustenta o aspecto secundário, palpável, “prático”, do trabalho.
O teosofista que estuda o ensinamento original de
modo correto deve estar preparado para atravessar com calma as quatro estações
do ano.
Nas diferentes condições atmosféricas, ele recebe
aplauso e vaia, é alvo de solidariedade e incompreensão, desprezo e simpatia. O
outono e o inverno são bem recebidos, assim como o verão e a primavera. O
relâmpago, o trovão, a chuva, o sol e a neve são compreendidos em seu contexto
cíclico maior. As quatro estações do ano garantem a dança renovadora da
existência externa, enquanto a vida interior é o eixo que equilibra e mantém
todas as coisas.
O teosofista vê o todo e fortalece o círculo
virtuoso da simpatia entre os diversos elementos do esforço cíclico na direção do
alto, cuja base é o chão da realidade diária.
No ciclo cármico da cooperação, a folha agradece ao
ramo e à raiz. A raiz agradece à folha e aos ramos. Alguns elementos da árvore se
perdem, outros permanecem. Aquilo que foi voltará sob outra forma: tudo se
renova no ritmo adequado.
Há uma conexão mutável e incessante entre o solo, a
raiz, o tronco, as folhas, a atmosfera, a água e a luz do sol. A árvore da vida
é flexível naquilo que tem importância secundária e firme no essencial. No seu
aspecto supremo e celestial, é invisível. Ninguém enxerga suas raízes, exceto
de modo simbólico.
A Loja Independente busca ser humilde na vitória e
firme na dificuldade. Ela é uma pequena árvore da vida. Junto a ela deve-se
visualizar uma tartaruga, imagem oriental antiga da eternidade. Não por acaso a
tartaruga é o símbolo das publicações mensais da LIT, “O Teosofista” e “The
Aquarian Theosophist”.
O eterno e o provisório convivem.
A Loja Independente sabe que a teosofia original é
probatória. Seu aprendizado, para ser real, deve ser testado a cada dia. O
aspirante ao conhecimento divino lembra que é pequeno diante do trabalho
sagrado de que faz parte, e deste modo preserva a sua capacidade de aprender.
NOTA:
[1] “Vidas e
Doutrinas dos Filósofos Ilustres”, Diógenes Laertios, Editora da UnB, 1987, 358
pp., ver p. 49.
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Uma primeira versão dos
parágrafos que abrem o texto acima foi publicada na edição de setembro de 2008
de “O Teosofista”. O
resto do artigo foi escrito em janeiro de 2017.
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Em setembro de 2016, depois de
cuidadosa análise da situação do movimento esotérico internacional, um grupo de
estudantes decidiu formar a Loja Independente de Teosofistas, que tem como
uma das suas prioridades a construção
de um futuro melhor nas diversas dimensões da vida.
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