Filosofia do Oriente Propõe Ação
Criativa No Mundo Social e Político
Carlos Cardoso Aveline

Vinoba Bhave
(1895-1982)
A vida de Vinoba
Bhave e o exemplo deixado por ele contêm uma chave para o surgimento da civilização
do futuro.
Nascido
na Índia a 11 de setembro de 1895, Vinoba foi um herdeiro espiritual de
Mohandas Gandhi, e parece ter ido mais longe que o seu Mestre no caminho da
sabedoria.
Ainda
jovem Vinoba pediu a Gandhi que o adotasse como um filho espiritual. Gandhi respondeu com estas palavras:
“Sua
amizade e o seu caráter vencem qualquer barreira da minha parte e aceito esta
função. Um verdadeiro pai deve produzir um filho que seja mais verdadeiro que
ele próprio. No seu caso, vejo que isso já aconteceu sem nenhum esforço da
minha parte”. [1]
De
fato, uma biografia emitida pelo governo da Índia afirma que embora fosse muito
mais velho e experiente que Vinoba, Gandhi via seu discípulo como
espiritualmente mais avançado do que ele.[2]
Mohandas
Gandhi articulou de modo não-violento o projeto da independência política da
Índia. Criou um movimento vitorioso de rejeição do domínio inglês. Rejeitar,
porém, é mais fácil que construir. Na luta pela independência, os aspectos
criativos da filosofia de Gandhi tiveram menos prioridade e relativamente pouco
êxito.
Para
Vinoba a ação construtiva foi a prioridade desde o início. Vinoba criou um
vasto movimento de reforma social cuja força propulsora estava nos sentimentos
de compaixão e fraternidade.
Em
numerosos pontos da Índia ele obteve doações de terra por parte de grandes
proprietários para a criação de cooperativas e comunidades rurais mais
eficientes. Vinoba inspirava pessoas a doarem terras, trabalho, dinheiro,
conhecimento e instrumentos de trabalho. Só no plano do uso do solo, foram
distribuídos deste modo cinco milhões de acres de terra entre comunidades
pobres.[3]
A
filosofia espiritual e social de Vinoba não está restrita ao mundo indiano. O seu
ponto de vista é universal. Em qualquer país e cultura, o desafio básico não
está em lutar contra aquilo de que
não gostamos ou que consideramos injusto. Esta tarefa é secundária. O dever
central das pessoas de boa vontade é organizar a construção efetiva do que é
bom, belo e verdadeiro, estabelecendo uma tendência histórica e social que vai
do rancor para a solidariedade.
O
processo criativo é amplamente silencioso, enquanto a destruição faz barulho.
Vinoba pode ter sido mais evoluído que Gandhi no plano da alma, mas sua vida
não causou tanto ruído nem tanta crise. Ele afirmou:
“A
amizade é maior que o ódio. A harmonia é mais natural. O espírito pode mover
montanhas. (…) A principal tarefa (a ser desenvolvida pela nação) é purificar a
atmosfera de ódio que vem permeando o país. Não é possível fazer isso com
violência e com ódio crescente. Só a amizade purifica a atmosfera. O poder do
Estado não pode fazê-lo. Apenas o povo, fora do mundo oficial, pode realizar a
tarefa. O Estado pode apoiar, mas a maior parte do desafio depende dos próprios
cidadãos.” [4]
Na
ausência de otimismo e generosidade, a “luta contra injustiças” limita-se a
procurar culpados, produzindo mais raiva do que justiça.
A
oposição mútua sistemática entre forças políticas e sociais reduz as chances de
uma mudança de opinião, destrói o respeito pela verdade e estabelece uma
espécie de guerra de trincheiras em que o aparente diálogo não é mais que um
jogo de cartas marcadas.
O
esforço construtivo evita o erro de combater uma forma de egoísmo com outra
forma de egoísmo. O projeto solidário combate o pensamento errado
substituindo-o pelo pensamento correto, e tem como base o rigor ético.
As
ações criminosas devem ser punidas. Toda fraude precisa ser desmascarada. É
necessário responsabilizar devidamente os ladrões e os corruptos, garantindo o
efetivo cumprimento da Lei. E também cabe ir além da justiça punitiva. A
intenção paciente de construir relações sociais corretas gera um equilíbrio durável
a partir da sintonia interna com o ideal do aperfeiçoamento humano.
Para
Vinoba, construir a boa vontade é quase sempre mais importante do que falar de erros
e fracassos. Semelhante atrai semelhante: pensar na ética faz com que a ética
cresça. Uma ação correta inspira outra ação correta e assim se gera uma
tendência. Ele escreveu:
“A
luz não pode ver a escuridão, porque ilumina tudo aquilo que olha. Do mesmo
modo, o homem bom só vê bondade a seu redor. Mas ele não vive no paraíso dos tolos, porque o seu trabalho
ergue, semeia e reúne a bondade que ele deseja ver por toda parte.” [5]
A
noção de que há interesses opostos entre diferentes seres humanos ou segmentos
sociais é falsa, e Vinoba escreveu:
“O
princípio de Sarvodaya é que o bem de
todos está contido no bem de cada um. É impossível que o real interesse de
qualquer pessoa entre em choque com os interesses dos outros. Não há oposição
entre os reais interesses de qualquer comunidade, classe social ou país. A
própria ideia de interesses em conflito é algo errado em si; o interesse de um
ser humano é o mesmo interesse do outro, e não pode haver conflito. Mas se
olharmos para o que é mau como se fosse o nosso bem, e pensarmos que o nosso
bem consiste naquilo que é na verdade prejudicial, então os nossos ‘interesses’
poderão entrar em conflito.” [6]
Através
do verdadeiro aprendizado, o ser humano transcende as lutas que surgem da
ilusão egocêntrica.
Vinoba
escreveu o seguinte sobre as condições necessárias para aprender:
“Ter
educação não é motivo de orgulho. Na verdade, uma condição essencial para ser
capaz de recebê-la é que nós cresçamos em humildade. Em nossos livros antigos, vidya (educação) é vista como igual a vinaya (humildade); vinaya em sânscrito
é um sinônimo de educação, e um estudante que completava seus estudos era
chamado de vinit - perfeito em
humildade. Essa humildade é fruto da verdadeira educação. O professor deve
estar pronto a todo momento para ajudar os seus alunos com humildade; os
estudantes devem aprender humildemente do professor. O professor e o estudante
devem ver um ao outro como colegas de trabalho.” [7]
O
estado correto do ser é encontrado no interior da alma do indivíduo. Nenhum
líder político ou religioso pode tornar desnecessária a luta árdua de cada um
consigo mesmo para alcançar a sabedoria.
O
peregrino que reforça o seu contato com a fonte interna de felicidade
incondicional fica livre para - dentro das possibilidades cármicas do momento -
construir no mundo externo aquilo que é ótimo e que reflete o seu estado de
alma. A construção começa no plano do pensamento e do sentimento, irradiando-se
então para o nível da ação externa concreta.
NOTAS:
[1] Do documento “Acharya Vinoba
Bhave (1895-1982), a Philosopher with Reborn Ideas”, emitido pela “Research and
Reference Division” do “Ministry of Information and Broadcasting” do governo da
Índia em 16 de novembro de 1982, 5 pp. em papel ofício, recebido por mim em
1983 e mandado pela embaixada da Índia no Brasil a meu pedido. Ver página 3.
[2] Documento citado na nota
anterior, ver a mesma página.
[3] “The Intimate and the
Ultimate”, Vinoba Bhave, edited by Satish Kumar, Element Books, Great Britain,
1986, 113 pp., ver p. 2.
[4] Do documento “Thoughts of
Acharya Vinoba Bhave”, emitido pela “Research and Reference Division” do
“Ministry of Information and Broadcasting” do governo da Índia em 13 de novembro
de 1982, 4 pp. em papel ofício, ver p. 1.
[5] Do documento “Thoughts of
Acharya Vinoba Bhave”, emitido pela “Research and Reference Division” do
“Ministry of Information and Broadcasting” do governo da Índia em 13 de
novembro de 1982, 4 pp. em papel ofício, ver p. 4.
[6] “The Intimate and the
Ultimate”, Vinoba Bhave, edited by Satish Kumar, Element Books, Great Britain,
1986, 113 pp., ver p. 41.
[7] “The Intimate and the Ultimate”, Vinoba Bhave, p. 21.
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Uma versão
inicial do artigo acima foi publicada na edição de março de 2017 de “O Teosofista”, sob o título de “Articulando a Vontade de Construir”.
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Em setembro de 2016, depois de cuidadosa análise da situação do
movimento esotérico internacional, um grupo de estudantes decidiu formar a Loja
Independente de Teosofistas, que tem como uma das suas prioridades a construção de um futuro melhor nas
diversas dimensões da vida.
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