Karen
Horney Estuda a Ilusão Humana,
Ajudando
a Alma a Libertar-se do Sofrimento
Carlos
Cardoso Aveline
Karen Horney e Helena
Blavatsky
Helena Blavatsky afirma ser utópica a ideia de
que o ser humano possa mudar para melhor devido apenas ao desenvolvimento de
novas ideias.
O ser humano é complexo: até o discurso mais
sincero, se não levar em conta as intenções e os impulsos subconscientes, pode acabar
funcionando como mera cortina de fumaça. Por baixo da superfície, diz Blavatsky, a realidade
continuará a mesma:
“É um sonhador utópico aquele que pensa que o
ser humano em algum momento se modifica com o desenvolvimento e a evolução de
novas ideias. O solo pode ser bem fertilizado e preparado para produzir a cada
ano uma variedade de frutos maior e mais abundante; mas, se você cavar um pouco
mais fundo que a camada necessária à colheita, irá encontrar no subsolo a mesma
terra que havia antes da primeira passagem do arado.” [1]
Por isso Blavatsky escreve no mesmo artigo:
“…Antes de ser uma entidade espiritual
autêntica na verdadeira acepção da palavra, o ser humano deve, por assim dizer,
criar-se de novo - isto é, eliminar
por completo de sua mente e de seu espírito não só a influência dominante do
egoísmo e de outras impurezas, mas também a infecção das superstições e do
preconceito.”
De fato, a tarefa do despertar espiritual
ocorre no território da psicologia profunda, conforme é definido com clareza na
obra “Cartas dos Mahatmas”.
Durante a década de 1880, um mestre de sabedoria
mencionou que os métodos antigos de teste e treinamento de discípulos haviam
sido abandonados, e acrescentou:
“O aspirante é agora
atacado inteiramente no lado psicológico da sua natureza. O processo de testes -
na Europa e na Índia - é o da Raja Ioga, e o seu resultado é, como tem sido
explicado frequentemente, o desenvolvimento de todos os germes, bons e maus,
que há nele e em seu temperamento. A regra é inflexível, e ninguém escapa, quer
ele apenas escreva uma carta para nós, ou formule, na privacidade do seu
próprio coração, um forte desejo de comunicação e conhecimento ocultos. Assim
como a chuva não pode fazer frutificar a rocha, tampouco o ensinamento oculto
surte efeito sobre a mente que não é receptiva; e assim como a água aumenta o
calor da cal cáustica, também o ensinamento coloca em impetuosa ação todas as
insuspeitadas potencialidades latentes no aspirante.” [2]
As últimas palavras do trecho acima fazem uma alusão
ao mundo subconsciente e instintivo, que Freud e outros psicólogos
chamam de “inconsciente”.
O desafio de quem busca a sabedoria está no
autoconhecimento. É o conjunto da consciência do indivíduo, e não o seu
discurso e ações aparentes, que precisa ser alterado em sua substância através
da iluminação gradual, ou seja, da compreensão por etapas. O mesmo vale para a
consciência socialmente organizada. A Psicanálise permite compreender muitos
dos mecanismos de ilusão e sofrimento presentes no eu inferior, tanto
individual como coletivamente.
Um dos bons livros a este respeito é a obra “A
Personalidade Neurótica do Nosso Tempo”, de Karen Horney, que está disponível
em nossos websites associados.
Trata-se de um estudo psicanalítico sobre as
bases emocionais do sofrimento de milhões de seres humanos nos tempos atuais, e
do qual nenhum de nós está necessariamente livre.
Nascida em 16 de
setembro de 1885,
Karen Horney viveu até 4 de dezembro de 1952. Foi uma pensadora próxima de
Erich Fromm, e procurou renovar a Psicanálise estudando o aspecto cultural ou
coletivo da dor psicológica típica da época atual.
“A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo” analisa
a estrutura das ilusões emocionais na sociedade materialista. Em outras
palavras, Karen Horney avalia no livro o “carma psicológico” dos seres humanos
de hoje. Um dos capítulos é dedicado à ânsia de poder,
prestígio e posse. Outro capítulo é dedicado à competição neurótica. São temas
de grande importância para quem busca trilhar o caminho espiritual
estabelecendo laços fraternos com outros peregrinos. Ao longo dos 15 textos da
obra, a angústia, a culpa, o masoquismo e a raiva são serenamente examinados, sendo
apontado o caminho para uma relativa libertação.
A leitura de “A Personalidade Neurótica do
Nosso Tempo” ajuda o estudante de teosofia a compreender as bases do pseudoesoterismo
e da “hipocrisia espiritual”. Com essa ferramenta, o peregrino alcança uma visão
mais realista do ensinamento original e ficam reduzidos os obstáculos à sua
frente na busca da sabedoria.
Teosofia, Autoconhecimento
e Psicanálise
A tarefa do estudante é identificar o que é falso ou verdadeiro
não só no que está ao redor dele, mas também, e principalmente, em si mesmo e
em tudo com que ele se identifica psicologicamente.
Ele precisa saber que possui diferentes níveis de consciência: alguns
deles gravitam no mundo animal e instintivo, e outros níveis de percepção se
erguem na direção do mundo celeste.
O ser humano é um paradoxo vivo. A partir do momento que o
peregrino começa a estudar filosofia autêntica e se identifica com o ideal
espiritual, amplia-se o contraste entre a sua consciência superior e a parte
animal do seu ser. A observação dos sentimentos e o estudo da luta entre seus
impulsos animais e sua aspiração espiritual adquirem então uma importância
decisiva.
Frequentemente uma parte do eu inferior desenvolve uma
disfarçada vaidade pseudoespiritual, ao mesmo tempo que outros setores do
indivíduo vivenciam com sinceridade a caminhada filosófica. O céu e o inferno
estão presentes em cada peregrino. A luta entre o egoísmo disfarçado sob aparências
altruístas e o amor incondicional à verdade será uma batalha longa e árdua. Cabe
observar serenamente o conflito entre verdade e ilusão. Os mecanismos da
falsidade terão de ser percebidos pouco a pouco, passo a passo, de modo muitas
vezes doloroso.
Diante do ensinamento sobre o caminho para a sabedoria divina, a
parte superior do caráter se torna humilde e abençoada, crescendo em ânimo e
coragem. Ao mesmo tempo a parte inferior infla com orgulho. Ela pensa que ela
própria é magnífica e tenta roubar para si a imagem de nobreza que pertence à
consciência altruísta: mas seus sentimentos são nobres sobretudo na aparência.
O aprendiz ingênuo absorve os conceitos teosóficos e pensa que
compreendê-los e discuti-los no plano verbal é o mesmo que trilhar o Caminho.
Para muitos, quem domina melhor o vocabulário e fala com mais elegância dá a
impressão de ser mais evoluído ou de estar mais adiantado.
O orgulho pseudoespiritual se mostra não só quando alguém sente
que é mais sábio que os outros, mas também quando se pensa que “a minha
religião é melhor que a sua” e “o meu guru sabe mais que o seu”.
A imagem artificialmente espiritualizada de si mesmo, feita pelo
eu inferior, não interage com as emoções reais nem as leva em conta. A pessoa
fala de modo espiritual, e é sincera em muitos dos seus esforços, mas em grande
parte as suas motivações emocionais são egoístas e opostas ao caminho da
sabedoria.
Esta idealização funciona como um esquema de fuga psicológica
para que o indivíduo não tenha que ver a si mesmo como o ser precário, mortal,
limitado, e espiritualmente ignorante que na verdade é.
Evitando
a Ilusão Compartilhada
A visão ingênua dos fatos é alimentada por processos coletivos muito
presentes em grupos de estudo de tradições espirituais. A desinformação se
afirma e se impõe aos indivíduos através de mecanismos de consenso que excluem
o devido exame crítico.
Surge então no estudante uma falsa necessidade de estar em
harmonia com os outros a qualquer custo. Este sequestro da autonomia individual
destrói antahkarana, separa o peregrino da sua própria alma, leva-o a agir de
modo irresponsável, e estimula aquilo que não deve ser estimulado.
Para crescer espiritualmente, o ser humano precisa seguir em primeiro
lugar a sua própria consciência. Depois disso, cabe confrontar o carma de ser
sincero em uma sociedade em que a falsidade não é difícil de encontrar e a
hipocrisia é às vezes mais facilmente aceita que a verdade.
Da prática da sinceridade consigo mesmo resulta a honestidade
para com os outros. Os cidadãos que optam pela autorresponsabilidade fazem a
diferença, porque mantêm os pés no chão e obedecem à voz da sua consciência.
Os indivíduos que preferem buscar apoio e prestígio renunciando
ao pensamento independente, no entanto, verão a honestidade como politicamente
incorreta. As mentes superficiais são governadas por ventos mutáveis e passageiros.
O
Privilégio de Ser Sincero
A bolha narcisística da autoimagem idealizada no nível das
emoções egoístas deve ser rebentada pelo amor incondicional à verdade. Só então
surge a autêntica autoimagem espiritual.
A visão efetiva da potencialidade superior do indivíduo resulta
de um contato ampliado do eu inferior com o eu superior. A sua influência causa
um sentimento de devoção pelo que há de universal e eterno; um amor
incondicional pela verdade; uma percepção humilde e sem masoquismo dos seus
próprios defeitos; e a decisão de viver da maneira mais correta possível.
A teosofia clássica gira em torno do conceito de Antahkarana, a
ponte entre alma espiritual e alma animal. O estudo de psicanálise desde o
ponto de vista teosófico destrói a máscara mental do “orgulho espiritualizado”.
Ele restabelece a ponte vertical entre imagem ideal e realidade emocional, e
coloca o estudo da filosofia esotérica sobre o chão duro da realidade. A
psicanálise também revela outras tantas formas de ilusão infantil do eu
inferior, facilitando o trabalho de autoconhecimento. O referencial
psicanalítico deve ser utilizado sempre desde o ponto de vista do potencial
sagrado da alma. Compreendendo as infantilidades, o indivíduo se liberta para
viver como adulto.
Idealizar a si mesmo é um mecanismo neurótico, isto é, ilusório.
Mentir para si e para os outros é provocar sofrimento desnecessário. Todo
fingimento bloqueia gravemente a capacidade de aprender. O caminho da sabedoria
é um privilégio dos que são sinceros. Cada passo dado em direção à sabedoria
requer um passo do mesmo tamanho para longe do apego aos aspectos “agradáveis”
da ignorância.
O estudante sensato é guiado pelo ideal de progresso e perfeição
humanos. Ele trabalha para avançar no caminho da compreensão das leis do
universo numa escala de tempo de longo prazo, incluindo muitos milhares de
anos, e tem como sua aliada a lei da reencarnação. Ele é realista diante dos seus
erros e acertos. Ele valoriza cada momento do aprendizado, e sabe que ter uma
visão correta do futuro é experimentar a felicidade aqui e agora.
NOTAS:
[1] Palavras reproduzidas do artigo “A Necessidade de
Reconstruir a Si Próprio”, de Helena Blavatsky. O texto está disponível em
nossos websites associados.
[2] “Cartas dos Mahatmas”, Editora Teosófica, Brasília, 2001,
volume II, Carta 136, p. 316.
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Veja em nossos websites o livro “A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo”, de Karen Horney.
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Para conhecer um
diálogo documentado com a sabedoria de grandes pensadores dos últimos 2500
anos, leia o livro “Conversas na
Biblioteca”, de Carlos Cardoso Aveline.
Com 28 capítulos
e 170 páginas, a obra foi publicada em 2007 pela editora da Universidade de
Blumenau, Edifurb.
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