Um Uso Sábio do Tempo Evita
Tanto a Pressa Como a Postergação
Carlos Cardoso Aveline
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Quando a alma
aceita em paz a existência de um espaço psicológico vazio, o resultado é a liberdade interior. O “esvaziamento” é uma
bênção. A pura inteligência presente no nada
contém o universo manifestado. Todos os números estão contidos no zero, e cada
som será encontrado no silêncio.
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Talvez seja porque as almas não têm peso que o caminho até o céu consiste de
Espaço Vazio. Se “não temos coisa alguma” - isto é, se reconhecemos
honestamente que no fundo não “possuímos” nada - então podemos alcançar a
consciência da nossa unidade com o Cosmos.
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A eternidade está aqui e agora, e o aqui-agora existe na eternidade. Nós
vivemos no tempo infinito. No entanto, não seria correto deixar para amanhã o
que pode ser feito hoje.
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Cada momento deve ser completo em si mesmo. O equilíbrio e a firmeza interior são
necessários em tudo.
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Concentração é a capacidade de um indivíduo de estar situado em seu próprio
coração, ao mesmo tempo que permanece atento aos seus deveres e os cumpre tão
bem quanto possível, sem nada esperar em troca, no plano pessoal.
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O estado do discernimento corresponde a um nível da mente que nos permite
transferir o foco da consciência desde o mundo manifestado para o mundo da
unidade interior. E a recíproca é verdadeira. Quando o estudante de teosofia
deseja trilhar o caminho de volta, desde o mundo da unidade interior para o
mundo da diversidade externa e do contraste, o discernimento é novamente a
porta, a chave, e o instrumento decisivo.
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Quem está livre da ilusão infantil de ter “contato pessoal com mestres” sabe
que os contatos verbais, visuais e do nível do eu inferior com Raja-Iogues dos
Himalaias terminaram na última década do século 19. No entanto, é um fato que a voz do Mestre está disponível em toda
parte, a qualquer momento. A voz do instrutor, um som sem som e sem palavras, é,
basicamente a voz da sua própria alma, e da alma de todas as coisas.
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A nossa visão do mundo é um espelho do estado da nossa alma. Quando o contato
de alguém com sua alma imortal está suficientemente forte e ativo, o indivíduo
tem coragem de ver os fatos da vida de um modo severo e ao mesmo tempo mantém
uma atitude positiva em relação ao futuro. Os outros podem, então, considerá-lo
um otimista.
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Por outro lado, se alguém tiver sentimentos negativos em relação ao seu próprio
futuro como alma, ou sofrer de pessimismo em relação ao futuro da humanidade
(ou do seu país), cabe reexaminar a sua relação com os níveis superiores da sua
consciência. O melhor é reforçar este contato.
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Em teosofia, criatividade implica um grau de indiferença em relação às coisas
materiais. É necessária determinação para abrir um caminho ali onde aparentemente
não há como avançar.
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A ação criativa não é algo óbvio ou fácil de ver. Significa aceitar a rotina
até onde ela for inofensiva para o processo de renovação da vida. O indivíduo
criativo é incondicionalmente paciente em situações saudáveis, não porque ele
gosta da continuidade em si mesma, mas porque desenvolveu uma relação profunda
com o Tempo, e possui desapego em relação às coisas de curto prazo.
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Toda linha de tempo possui esquinas e pedras angulares. Um estudante que sabe
onde vai é capaz de provocar uma mudança súbita, se o carma da situação o
exige, ou se a oportunidade é adequada; ou se a mudança vai produzir uma
melhora durável na vida.
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Embora a filosofia esotérica use palavras, ela não pode ser compreendida no
nível verbal. Em teosofia, os conceitos e as ideias são veículos externos da
verdadeira compreensão. É estando em unidade com o objeto observado que
realmente aprendemos sobre ele.
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As palavras são mensageiras da verdade, a menos que sejam a sua prisão. Ideias
e frases podem apontar para os fatos: não podem substituí-los. Uma total
sinceridade é necessária, para que haja comunicação de fato.
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A superficialidade se expressa frequentemente através de um sentimento de
pressa e da sensação de que não há tempo suficiente para fazer tudo o que deve
ser feito. Um ponto de vista realista mostra que a ansiedade é desnecessária.
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Tentativas de acelerar artificialmente acontecimentos externos revelam que o
peregrino não compreendeu o ritmo da vida e não está em harmonia com ele. Uma
aceleração descuidada dos fatos produz perda de energia.
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O uso sábio do tempo evita tanto a procrastinação como a pressa. A ação correta
pode ser rápida como o relâmpago, e firme como uma montanha rochosa diante do
vento.
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A prática de Tapas, ou austeridade, protege quem busca adotar uma visão sábia
do mundo. À medida que o estudante de teosofia desenvolve uma sensibilidade
mais alta, ele precisa consolidar hábitos saudáveis nos níveis externos da
existência.
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Enquanto o foco central é transferido dos aspectos físicos da vida para faixas
mais sutis de vibração, o buscador da verdade se estabelece no bom carma de
suas ações passadas. Ele combina a construção concreta de ritmos pessoais
saudáveis com o desenvolvimento abstrato de percepções mais amplas da vida. Os
bons hábitos semiautomáticos o protegem de armadilhas e ajudam em cada tarefa
que desempenha.
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Segundo a Ioga de Patañjali, a mente e a alma do ser humano adotam a forma
daquilo em que se concentram. A mente estreita é aquela que gira em torno de
temas pequenos. A alma sábia é ampla porque está focada em temas universais. Em
consequência disso, o estudo de obras teosóficas como “A Doutrina Secreta” e “Ísis
Sem Véu” possui poderosos efeitos práticos sobre a vida diária do indivíduo. As
suas consequências revolucionárias não são necessariamente visíveis no curto
prazo.
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Há aspectos desafiantes no estudo de temas como a teosofia do cosmos e a
evolução de longo prazo da nossa humanidade. Somos confrontados com ideias
complexas, que só uma mente de horizontes largos, por um lado, e dotada de grande
precisão, por outro lado, pode compreender.
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Enxergar a ética teosófica do eu superior e viver à altura dela é mais difícil
do que parece à primeira vista. São os princípios éticos da teosofia que
liberam o estudante de pontos de vista ilusórios, permitindo que ele compreenda
de fato a filosofia esotérica.
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À medida que o peregrino estuda, a sua mente e o seu coração se ampliam, sua
vida fica mais simples e ele começa a aprender o verdadeiro ABC da sabedoria
mística.
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O peregrino que busca a verdade deve ter a audácia de quem é pessoalmente
ambicioso, e o autoesquecimento daquele que nada deseja para si. A firmeza e o
desapego irão brilhar em momentos diferentes, e podem ser invisíveis para os
outros.
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As aparências enganam a maior parte das pessoas. A coragem generosa é vista com
frequência como arrogância. A humildade é carimbada como ausência de valor. O
fato é que a real sabedoria não tem proprietários e não pode ser facilmente
detectada no plano visível.
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O conhecimento divino é como o ar que se respira: invisível para os muitos. Só
a sabedoria presente na consciência de alguém pode ver a sabedoria presente nos
outros, e permanecer livre da crença cega, e pensar o melhor.
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Por mais nobre que seja, uma vontade vaga e sem base sólida não basta. O
altruísmo necessita eficiência. Cinco pessoas que sabem o que querem e
trabalham com paciência pelo bem da humanidade exercem mais influência, num
plano essencial, do que quinhentos indivíduos desinformados ou cinco mil mentes
confusas.
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Uma visão integrada do mundo é essencial. É falsa a “espiritualidade” que nega
as dificuldades da vida ou foge delas. A sabedoria do universo só pode ser
compreendida em nossa existência diária.
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A cada ciclo de 24 horas encontramos fracasso, medo e ignorância. A verdadeira
sabedoria ilumina e transcende cada sentimento da alma. Aprender teosofia
significa olhar para todas as coisas desde o ponto de vista daquele nível de
consciência, em nosso ser, que não nasceu - e não morrerá.
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O artigo acima foi publicado como texto
independente em 25 de fevereiro de 2019. Uma versão inicial e anônima dele está
incluída na edição de janeiro de 2016 de “O
Teosofista”.
Embora o título “Ideias ao Longo do
Caminho” corresponda ao título em língua inglesa “Thoughts Along the
Road”, do mesmo autor, não há uma identidade exata entre os conteúdos das
duas coletâneas de pensamentos.
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