Que se Renasce Para
um Plano Mais Elevado
Carlos Cardoso
Aveline
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O texto a seguir
transcreve, com algumas
atualizações, o
capítulo cinco da obra “O Poder
da Sabedoria”, de Carlos
Cardoso Aveline, Editora
Teosófica,
Brasília, primeira edição, 1998, 191 páginas.
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Meditar é estar consigo mesmo
alguns minutos por dia. Portanto, não está fora do alcance do cidadão normal e
não é nada extraordinário. A prática da meditação não requer esforço algum e,
na verdade, só pode ser feita com bons
resultados na ausência de qualquer esforço superficial. Querer forçar a
nossa mente a adotar um estado meditativo é tão inútil quanto pretender
empurrar um carro enquanto estamos dentro dele.
Cada um de nós é um resumo do universo inteiro. O estado
natural da mente humana inclui a possibilidade de ver ou perceber a essência de
todas as coisas ao mesmo tempo. Quando isso acontece, atingimos o êxtase, o samadhi, o satori. Só não alcançamos com facilidade este estado natural porque
ficamos presos às mensagens dos cinco sentidos físicos, que são registradas,
organizadas e catalogadas a cada segundo em nossa mente em função de lembranças
do passado e antecipações do futuro.
Esse fluxo quase incessante de ideias e estímulos forma
uma espécie de videogame que nos
hipnotiza e nos coloca diante de uma tela mental estreita. Nos planos
inferiores de consciência, obedecemos a um jogo de opiniões e desejos,
simpatias e antipatias, atrações e repulsões, e nos comportamos como se
fôssemos o centro do universo. Meditar é sair deste círculo vicioso. É abrir a
janela e respirar ar puro. É perceber o espaço livre entre um pensamento e
outro.
A prática da meditação não consiste em lutar contra emoções
e ideias, mas em perceber, observar e compreender tudo o que existe dentro e
fora de nós. Para meditar com eficácia é necessário deixar de lado toda ideia
preconcebida sobre eficácia na meditação.
O primeiro passo é sentar-se confortavelmente, com a
coluna ereta, em local tão silencioso quanto possível, bem arejado, e respirar
lenta e calmamente. Podemos então observar o desfile dos pensamentos e
sentimentos como se fossem nuvens no céu, empurradas pelo vento da alma.
Não importa se as nuvens são claras ou escuras, nem se os
pensamentos vêm carregados de paz ou de ansiedade. Interessa o céu inteiro da
nossa mente, e não o espetáculo passageiro que desfila por ele. Na verdade, os
pensamentos passam como nuvens ocultando a luz do sol interno que é o eu
superior. Perceber a passagem dos pensamentos leva gradualmente a um céu limpo
e sem nuvens, onde o Sol brilha e a meditação é irrestrita.
Há inúmeras maneiras de meditar. Na verdade, nem uma só
pessoa consegue fazer a mesma meditação duas vezes. A cada dia, a meditação é
diferente. Ela não é um processo morto nem um ritual mecânico. Nada tem a ver
com a mera paralisação do cérebro físico em torno de uma imagem congelada por
meio da força de vontade ou da repetição de palavras.
Não há uma técnica única que seja igualmente eficaz para
as pessoas de todas as idades e temperamentos. Quando um buscador da verdade
tenta meditar e não consegue, o fracasso não é dele, mas da técnica usada.
Aliás, o único fracasso é não tentar. Tentar significa ter uma atitude
experimental, obedecendo a certos princípios básicos, e sendo livre para
caminhar com as próprias pernas.
Quando o praticante de meditação decide serenar a mente,
o conteúdo do seu subconsciente - tudo o que está esquecido ou reprimido - vem
para a luz do dia. O correto é dar as boas-vindas a todo esse conteúdo mental
desordenado. É preciso revirar o solo de vez em quando para que ele fique
fértil. É essencial purificar a base da vida diária. Isto se chama auto-observação.
Ninguém pode meditar - olhar o céu - sem ter os pés firmemente plantados no
chão.
Você senta para meditar, respira profundamente, pensa na
fraternidade universal, e lembra que ainda falta pagar o condomínio do prédio
ou a prestação do apartamento.
Contempla interiormente a longa marcha evolutiva da
humanidade em direção à sabedoria eterna, e percebe que está com pouco dinheiro
na conta corrente do banco.
Decide concentrar-se no centro de paz eterna que há em
seu coração, sente uma dor na coluna, coça a cabeça, esfrega o olho, e descobre
que está pensando como será o dia no trabalho.
Consegue ficar alguns instantes envolto em uma
bem-aventurança completa, e depois tem uma ideia fascinante que, segundo todas
as aparências, é bem mais importante - e urgente - do que a prática da
meditação.
Os altos e baixos não devem ser rejeitados. Um longo
jejum de percepções espirituais não pode ser quebrado de repente. Você não passa
de um céu totalmente coberto de nuvens para outro totalmente limpo. O espaço
livre entre uma nuvem e outra é a primeira vitória - e a mais importante.
Os momentos de estado meditativo não são percebidos
enquanto estão ocorrendo, porque quando a mente medita não existe um “eu”
pessoal. E se o “eu” pessoal não está, não há memória. O estudante nota que
viveu algo mais profundo durante sua prática de meditação quando volta à
consciência normal média. Só dá valor ao que já perdeu.
Normalmente, pode-se dividir a consciência humana em três
níveis principais. Acima, o supraconsciente, abaixo, o subconsciente, e no
meio, o consciente. O supraconsciente é o potencial divino, Atma-Buddhi, a alma espiritual, o eu
superior. Essa energia universal fica acima de toda expressão verbal. As
palavras - por mais inspiradas que sejam - só podem apontar para ela como um
dedo que aponta para a Lua.
O subconsciente armazena as impressões sobre o passado,
expectativas sobre o futuro, frustrações, desejos, ilusões, decepções, e a
identificação do estudante com o mundo em termos de percepção animal e
instintiva. O consciente é o princípio tipicamente humano da consciência, que
vincula céu e terra, quer erguer-se e cai, dá um passo à frente e outro atrás,
pensa que é divino e, às vezes, se comporta como um animal.
Há um poema de Olavo Bilac que descreve com clareza esta
condição:
Não és bom,
nem és mau: és triste e humano...
Vives
ansiando, em maldições e preces,
Como se a
arder no coração tivesses
O tumulto e
o clamor de um largo oceano.
Pobre, no
bem como no mal padeces;
E rolando
num vórtice insano,
Oscilas
entre a crença e o desengano,
Entre
esperanças e desinteresses.
Capaz de
horrores e de ações sublimes,
Não ficas
com as virtudes satisfeito,
Nem te
arrependes, infeliz, dos crimes;
E no
perpétuo ideal que te devora.
Residem
juntamente no teu peito
Um demônio
que ruge e um deus que chora. [1]
A prática da meditação faz o peregrino ser consciente ao
mesmo tempo da paz celeste e dos abismos do fundo da terra.
Há uma linha tênue que separa o estudante do mundo divino
e outra linha tênue que o separa do mundo subconsciente.
Meditar é abrir uma janela dupla que rompe ambas as
linhas, ampliando a ligação vertical que une todos os seus níveis de
consciência.
O estudante tem que integrar, então, mais luz e mais sombra
à sua percepção da vida. Ele começa a subida da montanha, e a cada passo o
perigo do tombo fica mais sério. A segurança está em dar as boas-vindas ao
conteúdo do subconsciente, praticar serenamente a auto-observação e reorganizar
a vida cotidiana em função do ideal de autoaperfeiçoamento.
A meditação é, para muitos, o momento mais importante do
dia, o aspecto mais elevado da disciplina espiritual. Porém, não basta. Além
dela, a auto-observação iluminará o subconsciente, dando um alicerce seguro
para a contemplação da vida celeste. O estudo de bons livros ampliará a mente.
O trabalho altruísta fará o estudante deixar de lado o egoísmo. Os vários elementos
da prática espiritual são inseparáveis.
Para a tradição chinesa, a terra, o homem e o céu formam
a grande tríade. O sábio aprende a ser amplo como o céu e firme como a terra.
Ele trabalha para fortalecer em si mesmo a escada de Jacó que liga o mundo dos
homens ao mundo divino - segundo a visão bíblica. A escada de Jacó na
consciência humana tem o nome sânscrito de antahkarana
- a ponte entre o eu superior e o eu inferior - e se amplia através da prática
regular da meditação e do altruísmo com discernimento.
Embora muitas técnicas de meditação dirijam a mente
consciente para o plano divino da vida, nenhuma forma de meditação adequada pretende
suprimir, pela autoviolência repressiva, as ilusões da consciência inferior. As
duas recomendações do pórtico do templo de Delfos, na Grécia antiga, são
igualmente importantes ainda hoje: “Conhece-te a ti mesmo”, e “Nada em
excesso”.
Com frequência, depois de dez ou quinze minutos sentado,
imóvel, respirando ar puro pausadamente, e com a coluna ereta, o praticante
ainda não eliminou o desfile de dispersões mentais e ideias fora de propósito,
e pode ter a falsa impressão de que sua tentativa de meditar é inútil. Na
verdade, ele só perceberá a segurança e a serenidade que está adquirindo depois
de encerrada a prática. Os dez ou quinze minutos seguintes serão mais
produtivos, com as distrações pouco a pouco perdendo força.
Há dias em que a mente parece um macaco gritador que pula
de galho em galho e faz caretas. Nestas ocasiões é mais importante do que nunca
prosseguir a prática com toda paciência e sem nenhum desânimo. O progresso
feito na meditação raramente se mostrará de imediato. Os efeitos serão sentidos
em forma de maior paz interior durante o dia todo, mais clareza dos objetivos
pessoais, maior capacidade de concentração mental. Uma espécie de contentamento
incondicional tenderá a ir iluminando gradualmente as situações do dia-a-dia.
A meditação passiva é desaconselhada em teosofia, porque leva à mediunidade. A meditação deve ser pensada, ativa, e deve fortalecer a vontade própria. Assim como a prática da meditação determina a qualidade da vida, tudo o que fazemos durante o dia influenciará a qualidade da meditação, isto é, da reflexão espiritual. A verdade que buscamos contemplar não está fora de nós. Ela surge naturalmente quando eliminamos os pequenos objetivos pessoais inúteis que tornam a mente dispersiva.
Uma ilusão comum, depois que o indivíduo está estudando
sabedoria divina e praticando meditação há algum tempo, é não vincular causa e
efeito e pensar que a sua existência pessoal está melhorando por acaso.
Sua vida fica tão interessante que, então, abandona a
meditação e o estudo. Pouco depois, de modo aparentemente casual, ele tenderá a
cometer certos erros - e as coisas irão piorar.
É recomendável lembrar que, depois de começada a busca
espiritual, não há retorno possível. Os refúgios do peregrino são o estudo, a
meditação, a auto-observação à luz do seu potencial divino, e o trabalho
altruísta. Se agirmos corretamente, o carma ou a justiça divina cuidarão dos
detalhes. Se buscarmos o tesouro que está no reino dos céus, o resto nos será
dado por acréscimo.
As técnicas de meditação podem ser variadas. Em uma
delas, o praticante concentra-se lentamente nesses pensamentos:
“Eu não sou meu corpo físico. Eu não sou minhas emoções.
Não sou meus pensamentos. Eu sou o silêncio eterno imortal. Eu me refugio na
vida eterna e na luz infinita.”
Penso que grande parte dos praticantes não têm bons
resultados com técnicas de exclusão, e por isso, em um curso de introdução à
meditação, dirigi práticas coletivas dizendo lenta e espaçadamente os seguintes
pensamentos:
“Eu sou meu corpo físico. Ele está relaxado. Ele está em
paz. Eu sou minhas emoções, e elas estão em serena tranquilidade. Sou meus
pensamentos, e cada um deles reflete a paz que sinto em meu interior. Eu sou a
busca da Verdade Eterna em meu coração, e esta busca me guia. Eu sou o
silêncio. E desemboco no silêncio como um rio que finalmente alcança o mar.”
Depois disso, a meditação. A cada distração, os
praticantes deviam retornar às duas últimas frases da reflexão acima, além de
pensar, se necessário, na paz do corpo físico, das emoções e dos pensamentos.
Cada praticante de meditação deve ter mais de uma técnica
criada ou adaptada por ele mesmo em função das suas próprias características. O
melhor método é o da tentativa e erro. Na caminhada espiritual, cada um é o seu
próprio juiz. É preferível errar seguindo sua própria consciência do que
acertar repetindo mecanicamente o que os outros fazem. Porque tal acerto será
ilusório, e quando menos esperarmos irá desmanchar-se no ar como um castelo de
cartas. Fazendo da sua vida um laboratório alquímico, o avanço do peregrino será
gradual e firme. Não terá o brilho falso das coisas espetaculares. A sua luz
nascerá gradualmente de dentro para fora.
Um mestre de sabedoria escreveu que, para aprender a
identificar o que é falso e o que é verdadeiro, é aconselhável dedicar uma ou
duas horas fixas cada dia, em completa solidão, “à autocontemplação, a
escrever, a ler, a purificar suas motivações, a estudar e corrigir seus erros,
e a planejar seu trabalho na vida externa”. [2]
Meditar ativamente faz parte desse trabalho de autoconstrução, e nada tem a ver com supostos poderes extraordinários ou ilusões de autoimportância. Trata-se de desenvolver uma amizade mais profunda com nosso eu superior, em
função de um projeto de evolução em direção à luz. Meditar é morrer para a
agitação superficial, de modo que possamos renascer em uma dimensão mais
elevada da vida.
NOTAS:
[1] Olavo Bilac - “Poesias”, Posfácio de R. Magalhães
Júnior, Ediouro, Coleção Prestígio, 228 pp. Poema intitulado “Dualismo”, p.
188.
[2] “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, transcritas e
compiladas por C. Jinarajadasa, Editora Teosófica, 1996, 295 pp., Carta II a
Laura Holloway, p. 146.
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Ação Prática
Sua prática diária de meditação pode começar com dez ou
quinze minutos, aumentando gradualmente até trinta minutos ou mais. Cinco
minutos diários são mais produtivos do que trinta minutos em um dia e nenhuma
meditação no dia seguinte.
1. Observando o Céu da Mente
Sentado, com as partes inferior e superior das pernas
formando ângulos retos, os pés bem colocados no chão, coluna ereta, respire
profundamente durante dois ou três minutos.
Depois relaxe enquanto fortalece sua vontade espiritual.
Relaxe pés, pernas, mãos e braços, mas mantenha a coluna firme. Observe agora a
passagem dos pensamentos pela mente como se fossem nuvens no céu. Não se
comprometa psicologicamente com elas, até que o seu firmamento mental esteja
todo, ou quase todo, livre de nuvens. Ainda que o seu céu não fique
inteiramente límpido, você notará que as nuvens dos pensamentos ficarão mais elevadas.
Ao terminar, permaneça com a amplidão do céu.
2. Focando a Energia de um Instrutor
Pense em um grande instrutor da humanidade: Cristo, Buda,
Confúcio, Lao Tzu, aquele cuja mensagem tem um significado especial neste
momento da sua vida. Pense na vibração que o ensinamento deste instrutor causa
em você e como esta vibração organiza melhor o fluxo da sua consciência. Medite
no instrutor como fonte deste padrão energético que o eleva e fortalece.
Visualize o instrutor: não necessariamente como imagem humana, mas como um
centro de energia cósmica que ilumina a humanidade e purifica o seu coração,
curando-o da doença do egoísmo. Depois de cada distração, volte ao foco. Quando o silêncio vier, acolha-o e permaneça nele. Mantenha a sua consciência estruturada em torno de uma intenção firme e nobre, isto é, digna da fonte de inspiração.
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O texto acima foi
publicado em nossos websites associados dia 7 de maio de 2019.
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