A Vitória é Certa Para Aquele Que
Não Se Rende ao Desânimo ou à Euforia

O estudante de filosofia esotérica está familiarizado com a ideia de que o caminho teosófico se apresenta como íngreme e acidentado. O ensinamento aponta para o topo, e é nessa direção que o teosofista caminha ao dedicar sua vida ao ideal de progresso e perfeição humanos. No entanto, o caminho que nos conduz até o pico não é feito de uma linha reta.
Para alcançar o cume, o peregrino enfrenta terrenos variados, com altos e baixos. Ele avança por áreas de vegetação densa, mas também percorre zonas desertas. Em alguns pontos da caminhada, ele vê o caminho à sua frente, mas também existem etapas em que se tem de avançar pelo desconhecido. A caminhada reúne momentos que exigem um grande esforço e outros de relativa tranquilidade. O peregrino tem dias de plena expressão de coragem e energia, mas também tem dias de algum receio e cansaço.
São muitas as armadilhas com que o estudante se depara. Coisas aparentemente agradáveis e doces revelam-se posteriormente como lições amargas. Trilhos amplos e cômodos podem levar a becos sem saída, obrigando o peregrino a voltar atrás e a retomar a via acidentada e íngreme.
Os maiores obstáculos não estão nas pedras, na chuva, no vento ou em qualquer outro obstáculo externo. É dentro do peregrino que residem as maiores limitações, e é também dentro do peregrino que está toda a coragem, toda a luz e força necessárias para que ele prossiga e vença a si mesmo.
A jornada espiritual passa inevitavelmente por períodos de crescimento e de estagnação, ou de relativo avanço e relativa espera. Mas para aquele que está comprometido com o ideal, a estagnação é ilusória. Tal como o futuro pássaro se desenvolve dentro do ovo sem que ninguém dê por isso, também o peregrino está em constante desenvolvimento nos momentos de aparente estagnação.
O caminho é complexo e multifacetado. A vitória é certa para aquele que não se rende ao desânimo ou à euforia e persevera no compromisso com o eu superior. Cada passo dado, por mais pequeno que seja, representa um avanço em direção à meta.
O ideal de progresso não é algo que aguarda por nós ao final do caminho. A meta é construída por nós próprios diariamente, através de cada escolha, de cada pensamento, de cada ação nossa que apoie o ideal. A montanha que nos propusemos conquistar está dentro de cada um de nós.
Nos momentos mais desafiantes o estudante deve lembrar que é graças aos desafios e à luta interior que há avanço.
Na natureza vemos que progresso implica vencer desafios. Para uma árvore florescer ela precisa largar as folhas velhas, despir-se daquilo que já não serve o seu propósito. Ela acolhe o frio, os ventos, as chuvas do inverno. O seu tronco é fortalecido à medida que ela resiste às tempestades. A árvore junta-se à canção da primavera, e a cada nota entoada brotam novas folhas. A árvore não se apega a nada que não seja apoiar a roda da vida e por isso consegue transformar em fruto a flor.
Alguns estudantes desinformados pensam que crescimento espiritual significa ausência de desafios e dificuldades. No entanto, a sabedoria chinesa ensina: “Uma grande árvore atrai o vento” [1]. A alma madura não repele desafios, mas lida com eles de maneira sábia e construtiva. “Quando a raiz é profunda, não há necessidade de temer o vento” [2], diz um provérbio chinês. Para o teosofista, as suas raízes estão no Céu, e, como Carlos deixa claro em um texto [3], elas correspondem ao grau de pureza e devoção à verdade eterna.
A sabedoria popular está repleta de ensinamentos que podem auxiliar nossa jornada. Trago aqui outros provérbios chineses que considero úteis para o aprendizado. [4] Acrescento alguns comentários:
* “Um exército de mil soldados é fácil de encontrar; mas, ah, como é difícil encontrar um general.” (276)
Os soldados correspondem aos vários aspectos do eu inferior do peregrino. O general é a alma imortal. Na luta interior temos um batalhão de soldados sempre dispostos a combater. E sem comando firme e lúcido eles acabam por gerar confusão e sofrimento desnecessário, prejudicando o peregrino. É preciso colocá-los sob o comando do eu superior. Só assim o peregrino sai vitorioso da luta interna entre luz e sombra.
* “O ouro puro não teme a fornalha.” (333)
As adversidades que surgem no caminho têm como propósito fortalecer a nossa vontade. O fogo da provação apenas queima as impurezas que o peregrino tem agarradas à sua alma. Aquele que vive para servir o eu superior não receia nem foge das dificuldades e dos desafios, mas é grato por eles.
* “Se você não escalar a montanha alta, não poderá ver a planície.” (362)
Para olharmos para nós mesmos e nos enxergarmos com toda a clareza é necessário fazê-lo a partir do alto, da Alma. A visão ampla e detalhada de nós próprios, dos outros e do mundo só é possível quando subimos até aquele ponto de imparcialidade, rigor e compaixão que pertence ao eu superior.
* “Um indivíduo sem determinação é apenas uma espada destemperada.” (366)
Como Carlos coloca em um artigo: “Segundo a tradição zen, a mente é a espada da alma imortal. Ela serve para cortar as ilusões do apego ou rejeição à forma externa, e para defender a verdade impessoalmente e sem violência.” [5]
Não há melhor meta do que aquela que surge do compromisso que o peregrino estabelece com o Eu Superior.
* “O que um homem diz em particular, o Céu ouve como a voz do trovão.” (429)
Tudo o que dizemos, pensamos e fazemos tem o eu superior como testemunha e é registrado pelo carma para futuro débito ou crédito.
* “Pessoas apressadas carecem de sabedoria.” (565)
A pressa afasta a lucidez. A sabedoria pertence ao reino divino e para chegar até ela é necessário silêncio, paz e tranquilidade interiores. Na edição de “O Teosofista”, de abril de 2024, lemos que a aceleração do ritmo moderno da vida cotidiana serve para impedir a consciência própria por parte dos cidadãos e a aceleração está vinculada à atrofia da atenção, ao delírio, à histeria e a outros fenômenos doentios. [6]
Aquele que está em contato com a sua própria alma é sereno, confiante e destemido.
* “Coisas baratas não têm valor; coisas valiosas não são baratas.” (107)
É necessário renunciar ao egoísmo e a mil e um objetos sem valor – como hábitos e adereços da personalidade contrários ao caminho – de forma a adquirir o que é realmente valioso: o altruísmo e a sabedoria.
O que é valioso para o aprendizado teosófico custa caro para o eu inferior. Muitas vezes o indivíduo que busca pela sabedoria será visto como um idiota e infeliz por aqueles que se regem pelo egoísmo. Será ridicularizado e marginalizado por quem teme a verdade. No entanto, não há maior riqueza do que a virtude e maior fonte de paz do que seguir a voz da consciência.
“Não importa quão ferozmente o vento possa uivar, a montanha não se curvará diante dele”.[7]
Nenhuma dificuldade pode derrubar aquele que se mantém unido à alma imortal e é leal a ela.
NOTAS:
[1] Do livro “A Collection of Chinese Proverbs”, William Scarborough (trad.), American Presbyterian Mission Press, 1875, Nova Iorque, EUA, 1964, 478 pp., p. 444.
[2] “A Collection of Chinese Proverbs”, William Scarborough (trad.), p. 305.
[3] Ver o artigo “LIT: a Árvore Com Raízes No Alto”, de Carlos
[4] Os provérbios citados são traduzidos do livro “Seven Hundred Chinese Proverbs”, Henry H. Hart (trad.), Stanford University Press, Califórnia, EUA, 1947, 83 pp. Os números dos provérbios estão indicados ao final de cada citação.
[5] Do texto “As Quatro Proteções do Guerreiro”, de Carlos.
[6] Ver o texto “Ideias ao Longo do Caminho”, edição de abril de 2024 de “O Teosofista”, p. 18.
[7] Do livro “Confucius for today, a Century of Chinese Proverbs”, Gerd de Ley & David Potter, Robert Hale, Londres, 2009, 128 pp., p. 117.
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O artigo “O Vento e a Montanha” está disponível nos websites da Loja Independente de Teosofistas desde 13 de novembro de 2025. Inicialmente, o texto foi tema de um estudo interno da LIT, em abril de 2024. Faz parte também da edição de maio de 2024 de “O Teosofista”, pp. 15 a 18.
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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”.
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