Encontrando o Ritmo
Certo Para Avançar no Caminho
Gilmar Gonzaga
A Teosofia
nos possibilita conhecer os intricados processos relativos à manifestação da Vida
e à evolução de todos os seres, através de grandes ciclos com períodos alternados
de movimento e repouso.
No meio dos ciclos maiores, os ciclos menores se
sucedem e conferem graus progressivos de consciência aos habitantes das formas
diferenciadas, conforme experiências que obedecem a uma dinâmica de geração, desenvolvimento,
degeneração e regeneração.
A leitura das obras que compõem a Teosofia
Clássica, entre elas a monumental “A Doutrina Secreta”, de Helena P. Blavatsky,
pode levar o estudante ao entendimento e à percepção dos processos e interações
das miríades de seres manifestados, nas diversas instâncias da manifestação.
Conduz também a um vislumbre do poder oculto ou
da inteligência emanada do “Princípio Divino” que conduz a partir de dentro os
fenômenos aparentes aos sentidos comuns dos seres humanos, desde a escala
cósmica até as pequenas ações do cotidiano.
Essa ideia é expressada no “Grande Axioma Hermético”,
por meio do qual afirma-se:
“Como o interno assim é o externo; como no
grande, assim é o pequeno; como acima, assim é abaixo.”
O assunto é amplo, e queremos destacar a função
dos “Gunas” ou “qualidades da matéria” nesta dinâmica universal, assim como a
influência das suas propriedades na formação das galáxias e nas nossas relações
do dia-a-dia.
De acordo com o Glossário Teosófico:
“Gunas
(Sânsc.) - Qualidades, atributos.
(...) [A Matéria (Prakriti ou Pradhana) é constituída por três gunas (modos, modalidades, qualidades ou
atributos), chamados respectivamente: sattva,
rajas e tamas, que não são meros acidentes da matéria, mas são de sua própria
natureza e entram em sua composição. (...)”
“Os três gunas
estão universalmente difundidos na Natureza material; existem em todas as
criaturas, determinando o caráter ou condição individual através da proporção
em que se encontram reunidos em cada um dos seres. (...)”
“Não há nada, pois (exceto o Espírito Puro), que
esteja completamente livre dos gunas
nem há um só ser nem um só ponto do Universo onde não exista pelo menos uma
parte mínima de cada um deles.”
“Na matéria caótica ou não-manifestada os três gunas encontram-se em perfeito
equilíbrio e então todas as potências e energias que aparecem no universo
manifestado repousam numa inatividade comparável à de uma semente; porém,
quando se rompe tal equilíbrio, produz-se uma forma, uma manifestação, e toda
manifestação ou forma é produto da Prakriti
em que há predomínio de um dos gunas
sobre os dois restantes. Sattva e Tamas não podem por si sós entrar em
atividade; requerem o impulso do motor e da ação (Rajas) para colocar em movimento e desenvolver suas propriedades
características. Por isso se diz que ‘o Sendeiro estende-se desde Tamas até Sattva através da luta e aspiração (Rajas)’].” [1]
A dinâmica do processo mencionado acima é descrita
de forma magistral pelo Visconde de Figanière em seu livro “Submundo, Mundo e
Supramundo”. Destacamos um trecho que merece uma leitura contemplativa:
“Quando avyakta (equivalente do sétimo princípio
por isso que o poder aí está embora
não manifestado) resiste ao influxo-um, este enjeitar do mesmo, por assim dizer,
identifica o primeiro ato da força, isto é, alteração no estado dos trigunas, tama, como potência estática da força (a
sua ação consiste, posteriormente, em
neutralizar a das outras duas propriedades), e o primeiro significador da resistência. Rajas, sendo a potência dinâmica da força, denuncia-se logo em
forma de moção. Sattva, por constituir a potência harmônica da força, não é menos
pronto em avivar-se a modo de governo ou harmonia.
Mas isto está no tempo; foi um efeito
secundário, que falta ainda motivar. Achar-lhe uma fórmula não é tão fácil como
ideá-lo. Por onipresente, o espírito está fora das categorias; mas a resistência
ao influxo dá nascimento a maya: o ponto de desvio, por assim falar, é a
essência de maya, isto é, o que separa a verdade da não-verdade, a realidade da
não-realidade, o espírito da matéria, a eternidade do tempo, o não-manifestado
do manifestado.” [2]
“O espírito não conhece mudança, porque a sua
unidade é eterna; nem lhe cabe o potencial, atento constituir a realidade.
Mudança, potência, princípios, referem-se à manifestação, de nenhum modo ao
espírito em si, que é o não-manifestado. As três propriedades primevas da
matéria estão em mútua oposição por virtude das suas tendências; daqui vem a
mudança e a causalidade.”
“Uma série de mudanças traz consigo um progresso,
que pode ter um sentido ou outro, conforme o ponto de vista. Isto corresponde à
mudança progressiva, não ao progresso genuíno. Não há progresso manifestável,
salvo em relação. Considerado sob o aspecto culminante, o progresso genuíno é o
resultado de um período cósmico, em referência ao do período antecedente.”
“A manifestação dos fenômenos não é a resulta
resultante, é a causa final; a resulta resultante jaz na potência que subsiste
depois da dissolução, e a sua manifestação toca ao período seguinte.”
“A essência do progresso relativo é a mudança. A
essência do progresso genuíno é a potência em relação, cuja única mudança
traduz-se pelo grau.” [3]
A predominância e a alternância da regência de
uma ou outra das forças reguladoras da manifestação vão suscitando a emergência
da força equilibrante, em consonância com a Grande Lei, onde o equilíbrio
absoluto não é desejável, mas sim o equilíbrio dinâmico, que produz evolução ou
“progresso genuíno”.
Recorrendo à analogia, podemos tentar entender os
grandes processos do cosmos em relação à vida cotidiana e buscar uma resposta à
seguinte questão: - como funciona o mecanismo daquelas propriedades ou
qualidades primordiais que regem os grandes Pralayas
e os consequentes Manvantaras, em
relação ao nosso dia-a-dia?
Podemos tentar aplicar essa fórmula abrangente a
algumas situações. Olhando ao nosso redor é possível enxergar diversas pessoas
interagindo com a vida de formas diferenciadas, as quais caracterizam, muitas
vezes, naturezas diversas, que por sua vez, refletem as predominâncias de uma
ou outra tendência correspondente aos Gunas.
As formas de interação entre as individualidades humanas caracterizam não só
naturezas próprias, mas capacidades diferenciadas.
Algumas pessoas são mais lentas, outras mais
agitadas. Poucas são as equilibradas!
Examinando situações extremas, percebemos que as
pessoas agitadas tentam impulsionar as lentas e as lentas resistem. As lentas
tentam refrear as agitadas e as agitadas resistem. Podemos perceber nesse
exemplo dois tipos de resistência: por um lado, busca-se manter a lentidão nos
processos da vida, por outro, o ritmo acelerado. É relativamente fácil perceber
essa dinâmica em operação. Identificar a maneira ideal ou o melhor ritmo a ser
adotado em cada situação é mais difícil, o que exige um bom discernimento e
preparo.
Às vezes o ritmo lento resulta da preguiça ou
negligência do agente. Às vezes, refere-se a um método, uma estratégia, uma
opção mais ou menos consciente, ou, até mesmo, à expressão de uma natureza
intrínseca. Às vezes um ritmo acelerado pode significar eficiência na urgência
em concluir uma demanda ou a busca por neutralizar ou equilibrar um contexto
nocivo estabelecido, e, por outras vezes, pode significar excesso de empolgação,
obsessão ou compulsão.
Carlos Cardoso Aveline escreveu:
“Penso que todo ser humano tem áreas da vida em
que prefere ser rápido, e outras áreas em que prefere (ou precisa) ser mais
lento.”
“Isso cabe a cada um pelo critério de afinidade
cármica. A escolha ou afinidade com rapidez maior ou menor (relação de tamas com rajas) também depende em parte da faixa etária e da experiência
acumulada neste ou naquele aspecto da vida.”
“Alta velocidade pode ser combinada com calma,
quando o conhecimento é amplo e a situação favorável. Baixa velocidade pode
ocorrer com esforço máximo, quando o conhecimento é relativamente pouco e a
situação desafiante.”
“Além disso, o temperamento pessoal ‘empresta’
velocidades diferentes às situações, projetando ou colocando sobre elas os
hábitos da alma.” [4]
Considero que, no geral, o “progresso genuíno” é
potencializado pelo equilíbrio dinâmico.
Nos trabalhos coletivos a interação entre as
tendências inerentes às condições dos indivíduos integrantes dos grupos pode
determinar o sucesso ou fracasso do projeto, a depender do grau de
desequilíbrio ou do tipo de equilíbrio das forças operantes.
Geralmente há pessoas (líderes) que assumem a
difícil tarefa da calibragem do grupo, estimulando os resistentes tamásicos e
refreando os hiperativos rajásicos.
Em grupamentos profissionais utilizam-se diversas
ferramentas de estímulo ou moderadoras que são aplicadas a essas situações, com
possibilidade de mensuração dos desempenhos. A dinâmica, nesse caso, busca a
otimização dos resultados desejáveis (progresso relativo) e a motivação dos
agentes é, muitas vezes, remuneratória.
Não é tão fácil entender a operação dessas mesmas
forças em empreendimentos voluntários, cuja motivação seja um ideal. Mas nesse
cenário também ocorre o desequilíbrio paralisante ou dispersante.
Em se tratando de grupos dedicados à evolução
espiritual, a força sattvica deverá
estar predominantemente ativa e o equilíbrio dinâmico e os resultados aparentes
nem sempre são identificáveis, muito menos, de fácil mensuração.
Esse último caso é o ambiente onde pode-se
considerar a possibilidade de um modelo autorregulatório que prescinda de uma
liderança ostensiva, embora a dinâmica flua através de graus de consciência
diferenciados, que correspondem ao “progresso genuíno” alcançado por cada
individualidade integrante do grupo.
Penso que a diferenciação inerente ou intrínseca
é condição universal para a dinâmica evolutiva e a harmonia se manifesta quando
cada um encontra o “seu lugar” no grupo, o qual deve refletir-se nas formas de
atuação externa. O propósito comum e a consciência da unidade essencial - que
está além de todas as diferenças - garantem a coesão.
Com efeito, podemos perguntar-nos:
“Como alcançar um equilíbrio dinâmico evolutivo
em um grupo que fomente o desenvolvimento das almas, e no qual cada indivíduo
mantenha a sua autonomia enquanto alma autorresponsável, ao mesmo tempo que,
através da ajuda mútua, contribui para o melhoramento da humanidade como um
todo?”
No contexto dos trabalhos em grupos teosóficos,
podemos buscar a resposta nas ideias orientadoras da Loja Independente de
Teosofistas.
No artigo “A Loja Independente e o Movimento”,
Carlos escreveu:
“A Loja Independente é uma proposta complexa
(...). Uma parte da loja flutua acima dos aspectos mais grosseiros do plano
físico do movimento.”
“Ela não é uma instituição. Não é uma
organização. Não tem pessoa jurídica. Desde um ponto de vista formal, não
possui dirigentes.”
“Ela não se encaixa nos modelos institucionais
conhecidos. Só pode ser compreendida gradualmente. A regra da Fraternidade
Universal é viver e trabalhar em comunhão interna, sem alarde, preservando a
diversidade externa.” [5]
Em 2019, Aveline afirmou:
“Quando cada um constrói a si mesmo, a construção
da loja teosófica avança melhor. Se um grupo não convive pessoalmente, aquilo
que une seus integrantes é uma proposta filosófica universal. E esse é o nosso
caso. A LIT nasceu de uma tarefa e se estruturou em torno de uma missão.
Estamos juntos vitoriosamente porque compartilhamos uma meta, um método, e um
ensinamento.” [6]
Para alcançar o equilíbrio dinâmico e avançar
genuinamente não é preciso que desvendemos em um único lampejo os grandes
enigmas do universo.
A essência do Todo habita em cada um de nós e o
progresso é efetivo na medida em que identificamos o nosso lugar neste amplo
cenário, o nosso centro de paz, o nosso ponto de equilíbrio em comunhão com os
demais centros. A partir desse lugar passamos a desbravar o Grande Mistério, agindo
a partir do conhecimento progressivo da Grande Lei e no ritmo que a nossa
consciência indica.
NOTAS:
[1] Extraído da obra “Glossário Teosófico”, de
Helena P. Blavatsky, p. 214, Editora Ground, SP, Brasil, 801 páginas. Apesar de
a obra ser atribuída a HPB, no texto de apresentação da edição consultada o
teosofista Murillo Nunes de Azevedo faz o seguinte comentário: “Depois da morte
da autora inúmeros discípulos foram enriquecendo o trabalho original com novos
verbetes ou a ampliação dos comentários e a obra foi se tornando cada vez mais
densa até assumir o atual porte.”
[2] Trecho do livro “Submundo, Mundo e Supramundo”,
do Visconde de Figanière, pp. 94-95, edição brasileira, Editora Três, SP, 298
pp. Esta é uma edição parcial da obra do Visconde. Clique para ver a edição completa em nossos
websites associados: “Submundo,Mundo, Supramundo”.
[3] Da edição brasileira (parcial) do livro
“Submundo, Mundo e Supramundo”, Visconde de Figanière, Editora Três, SP, 298 páginas,
ver p. 118.
[4] Comentário escrito de Carlos Cardoso Aveline
durante estudo da Loja Independente de Teosofistas, em 22 de julho de 2019.
[6] Comentário de Carlos durante estudo da Loja
Independente, em 22 de julho de 2019.
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O artigo “Equilíbrio
e Progresso Genuínos” foi publicado nos websites associados dia 04 de
agosto de 2019.
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Em 14 de setembro de 2016, um grupo de estudantes
decidiu criar a Loja Independente de
Teosofistas. Duas das prioridades da LIT
são tirar lições práticas do passado e construir um futuro saudável.
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