Cabe Desenvolver uma Profunda Calma,
Vigilância Serena e uma Atenção Impecável
Carlos Cardoso Aveline
A Lagoa
das Sete Cidades, na ilha de São Miguel, Açores
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As
qualidades espirituais não pertencem ao terreno da aparência. Elas se
desenvolvem desde dentro para fora, num processo alquímico. São estimuladas
pelo Sol de um coração puro e alimentadas pela chuva e pelo vento da provação
diária, enquanto crescem no chão duro da prática individual.
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A verdade não pertence a alguma organização ou indivíduo. Os indivíduos e as instituições
é que podem pertencer à verdade. Está ao alcance deles dedicar suas existências
à humilde busca da sabedoria, em um processo de longo prazo.
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Segundo um antigo axioma, a Luz vem ao mundo
sempre que o seu surgimento é indispensável. É preciso levar em conta que a
Luz brilha quando surge o momento correto para isso, e não quando algum ser
humano deseja superficialmente que ela desça para iluminá-lo. A Luz costuma vir
de maneiras não anunciadas. Ela surge através de acontecimentos incômodos e inesperados
apesar de rejeitada pelos falsos sábios que se agarram à rotina do conforto
pessoal.
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Para ser capaz de ouvir a voz da minha própria consciência, preciso estar em
completo silêncio no plano dos pensamentos e das emoções. A ausência de barulho
é alcançável reduzindo a nada a dimensão psicológica da minha existência
pessoal.
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Se quiser ouvir minha consciência, devo deixar de funcionar durante algum tempo
como um eu separado, e deste modo
suspender o sentido de personalidade. Dificilmente pode haver algo mais
agradável do que escutar a voz silenciosa do vazio que contém a totalidade.
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A simplicidade voluntária é mais do que um conceito econômico ou uma
necessidade social. A ideia é especialmente útil se quisermos adotar formas
sustentáveis de desenvolvimento. No entanto, a simplicidade é também uma
virtude do espírito.
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Só um coração simples pode elevar-se acima daqueles pequenos sentimentos cuja
principal característica é que não ajudam em nada. A simplicidade voluntária
pertence à alma e leva à sabedoria. Ela nos capacita a procurar e a encontrar
aquilo que é elevado.
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A hipocrisia não está na diferença entre o ideal e a prática. Esta distância é
perfeitamente humana. Significa que o indivíduo tem um ideal na vida. Talvez
seja necessário um longo tempo para alcançá-lo. A falsidade consiste em não
tentar reduzir a distância entre o ideal e a prática. A noção central de “fazer
o melhor que se pode” define a direção do Carma. Aquele que não faz o seu
melhor está marcando passo sem sair do lugar. Caminhar rápido ou lentamente não
significa coisa alguma, mas é oportuno examinar se os esforços apontam para uma
meta correta.
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É preciso ter olhos para ver, antes de perceber o cosmos atrás do aparente
caos. Enquanto um prédio é reformado, o que pode ser visto pelo visitante é uma
confusão extrema. Quando a dona de casa está fazendo uma limpeza doméstica, todas
as coisas parecem fora do lugar.
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O tempo histórico avança por séculos: enquanto uma nova civilização da ética
surge lentamente no meio das velhas estruturas materialistas, não são poucos os
fatos que parecem absurdos. Antes que o egoísmo seja derrotado, as vitórias
obtidas pela ignorância espiritual são celebradas pelos seus líderes como as
maiores de todos os tempos.
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Aquela parte do eu inferior que reage contra a sabedoria tende a fabricar
grandes dramas a partir do nada. Na verdade, os seres humanos não criam
problemas que não possam resolver. Todas as dificuldades geradas terão as suas
soluções no tempo certo. Cada indivíduo é a fonte invisível da maior parte da sua
própria dor, e também o curador ativo de si mesmo. O universo não é governado
por quaisquer sentimentos pessoais: é regulado pela lei impessoal do amor; pelo
princípio da justiça e do equilíbrio; pelo sentimento de compaixão imparcial.
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Nosso ponto de vista central faz com que algumas coisas sejam fáceis de ver e
outras se tornem invisíveis. Quando olhamos a vida desde diferentes
perspectivas, podemos observar melhor a complexidade das situações.
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Alguns pontos de vista são complementares entre si. Outros são mutuamente
excludentes. Cabe decidir com cuidado quais são os nossos principais ângulos de visão, porque eles determinam a relação do
indivíduo com a vida e com o Carma.
A Primeira
Condição
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Uma forma profunda e invisível de bênção ocorre quando somos capazes de
detectar os mecanismos da ignorância espiritual em nós mesmos e naqueles que
nos rodeiam, e permanecer livre deles; e desafiá-los; e preservar a paz em
nossa alma.
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Infelizes são aqueles que se identificam com a ignorância. A felicidade
espiritual começa com a decisão de pagar tranquilamente o preço por deixar de
lado o apego a tudo o que é falso. Um amor incondicional à verdade é a primeira
qualificação necessária para começar a jornada.
O Desafio da Boa
Vontade
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Em todas as relações humanas, rigor e boa vontade são igualmente necessários.
Em certas situações, porém, um destes fatores deve ter mais força prática,
enquanto o outro permanece invisível, preservando o alicerce da ação correta.
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A boa vontade é algo muito diferente de fraqueza, mas em muitas ocasiões as
pessoas desinformadas não querem perceber a diferença entre os dois fatores.
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Quando a boa vontade é vista como fraqueza pelo ignorante, o rigor é
indispensável. E neste caso a severidade não pode ser confundida com falta de
boa vontade: só as pessoas ingênuas e destituídas de discernimento não veem a
diferença entre firmeza e má vontade.
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A vida é dinâmica e inclui um constante jogo de contrastes entre fato e ilusão.
O equilíbrio e o respeito pela verdade guiam o peregrino até a sabedoria, na
medida em que a sua intenção fundamental e o seu propósito mais profundo forem
nobres.
A Vida Como um
Relógio
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Ao estudar em filosofia esotérica a Lei dos Ciclos, passamos a conhecer a
ciência do uso do tempo. A prática da ação correta é também a prática do ritmo
sábio.
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Em cada Duração, há alguns momentos
adequados para uma mudança real. Quando esperar, quando agir, em que ritmo, e
onde. Estas são questões que exigem uma profunda calma, uma vigilância serena, uma
atenção impecável.
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O artigo “Ideias ao Longo do Caminho - 31” foi publicado como item independente
em 29 de abril de 2020. Uma versão inicial e anônima dele faz parte da edição
de março de 2017 de “O Teosofista”,
pp. 13-14. Da mesma edição, estão aqui incluídas as notas “A Primeira Condição”
(p. 5), “O Desafio da Boa Vontade” (p. 7), e “A Vida Como um Relógio” (p. 14),
que foram escritas pelo mesmo autor e também publicadas anonimamente.
Embora o título “Ideias ao Longo do
Caminho” corresponda ao título em língua inglesa “Thoughts Along the
Road”, de Carlos C. Aveline, não há uma identidade exata entre os conteúdos
das duas coletâneas de pensamentos.
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