25 de maio de 2021

Deixando de Lado a Soberba

Existe uma Cura para a Doença de
Querer Superioridade Sobre Outros

Carlos Cardoso Aveline

A soberba é uma ilusão que destrói o discernimento
 
 
 
A vida faz com que o soberbo seja humilhado, para que descubra a humildade e o bom senso. Infelizmente, pode ocorrer que o indivíduo fique longo tempo preso na oscilação violenta entre os extremos da glória pessoal e da completa derrota, ambas imaginárias.
 
A soberba é geralmente definida como sinônimo de orgulho, arrogância e um sentimento de superioridade em relação aos outros. Dela decorre a vontade de obter privilégios, de inferiorizar, prejudicar e desprezar os nossos semelhantes. Isso com frequência é feito de modo sorrateiro e disfarçado. Muitos sofrem de soberba e nem sabem disso. O fenômeno é com frequência subconsciente.
 
A soberba pode começar como uma defesa contra a humilhação. O pobre eu maltratado quer indenizar a si mesmo pelo que sofreu, e trata de fazer isso através da fantasia da autoimportância pessoal. Cai então numa gangorra de altos e baixos, de glória e derrota, e tudo nesta oscilação é igualmente falso e exagerado.
 
Em um inspirador sermão intitulado “O Espírito da Soberba”, Santo Antônio de Lisboa e Pádua afirma que o soberbo pisa sobre os pobres e os menores, mas também gosta de desprezar os que lhe são iguais, e insulta e zomba dos maiores. Antônio cita uma epístola de Pedro, em que se afirma que Deus - isto é, a lei universal - resiste aos soberbos, e dá a sua graça (a graça do bom carma) aos humildes. [1]
 
O destino do soberbo é ser humilhado, para descobrir a humildade: mas muitos soberbos, querendo compensar o trauma da humilhação sofrida ou evitar a profunda humilhação que temem, desenvolvem como mecanismo de proteção uma camada ainda mais forte de orgulho disfarçado e vão novamente à luta contra o mundo, sem aceitar a lição do realismo e do equilíbrio.
 
A soberba é um problema geral da humanidade, afirma Antônio. Nenhum de nós está completamente livre do autoengano que é o orgulho. Na família, assim como na sociedade e no convívio entre as nações, as lutas por poder são quase sempre duelos mais ou menos disfarçados entre formas diferentes de soberba.
 
As guerras, a prática do ódio na política e certos campeonatos de futebol são exemplos claros disso.
 
Mas a doença da busca de superioridade sobre os outros vai muito além da competição e da inveja nas relações humanas. A soberba é o princípio de toda ilusão. A luxúria e outras formas de prazer exagerado são variantes desta fantasia adoentada de superioridade.
 
Por isso o Cristianismo, assim como as religiões orientais, descreve o sábio como alguém exteriormente pobre, manso e humilde de coração. Os meios esotéricos e teosóficos não estão de modo algum livres da soberba. O desejo de parecer santo é uma marca do tolo infantil, que prefere fingir para si mesmo e para os outros, ao invés de viver com autenticidade.
 
Um dos princípios básicos da filosofia ocidental clássica é o axioma estoico do imperador Marco Aurélio, segundo o qual é aconselhável viver cada dia da nossa vida como se fosse o último. Lembrar da fragilidade da existência humana é uma lição de realismo e permite perceber quão preciosa ela é, e como são fúteis e inúteis as manias de grandeza, assim como as manias de perseguição.
 
O Jesus do Novo Testamento deu um exemplo de vida simples e humilde. Francisco de Assis, para compensar a soberba que via no alto clero cristão da sua época, criou a “ordem dos frades menores”, da qual Santo Antônio de Lisboa foi membro.
 
E Antônio prevê:
 
“…Quando uma humildade mais forte entrar no coração do homem e vencer o espírito da soberba e expulsar a cegueira do entendimento, então [os cinco sentidos] se mudarão dos vícios para as virtudes, da soberba para a humildade. Então, pois, aparecerão nos olhos a humildade e a simplicidade; na boca ressoarão a verdade e a bondade; dos ouvidos se removerá toda maledicência e toda lisonja; nas mãos se encontrará a pureza e a piedade; nos pés, a ponderação.”[2]
 
Antônio termina o sermão pedindo a Jesus - símbolo da alma espiritual de cada um - que vença com humildade a soberba do sentimento maldoso. E que nos possibilite quebrar com a simplicidade do coração a dureza da soberba e do orgulho, e “estender por toda parte nos sentidos do nosso corpo o sinal da humildade, a fim de que mereçamos chegar à sua glória”.
 
A humildade de que se fala na mística cristã e na teosofia autêntica é a base da verdadeira dignidade interior. Graças a ela, o ser humano é suficientemente realista para perceber que tem em si mesmo algo magnífico, a consciência elevada da sua própria alma espiritual. De outro lado, o eu inferior, que coordena o funcionamento dos seus cinco sentidos, é como um pobre animal a que pode faltar equilíbrio no modo como avalia a si mesmo. O eu inferior deve ser bem cuidado, corretamente treinado, e esclarecido sobre sua função na vida, para que desenvolva o necessário bom senso.
 
NOTAS:
 
[1] “Obras Completas”, Santo António de Lisboa, Lello & Irmão, Editores, Porto, Portugal, 1987, edição em dois volumes, ver volume I, pp. 186-187. Santo António, ou Antônio, nasceu entre 1190 e 1195 e viveu até 1231.
 
[2] “Obras Completas”, vol. I, pp. 191-192. No original deste trecho, temos “detracção”, ao invés de “maledicência”, palavra que uso para facilitar a compreensão do leitor do século 21. Alguns tempos de verbos foram adaptados à gramática atual.
 
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O texto acima foi publicado nos websites associados no dia 25 de maio de 2021.
 
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Leia mais:
 
* “Como Ajudar Quem Partiu”.
 
* “Borges, o Sábio Cego na Biblioteca”.

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Helena Blavatsky (foto) escreveu estas palavras: “Antes de desejar, faça por merecer”. 
 
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