Um Processo Alquímico de Purificação Interior
Carlos Cardoso Aveline
Carlos Cardoso Aveline

“Existe um olfato
moral, assim
como um olfato
físico, meu amigo”
Um Raja Iogue dos Himalaias [1]
A filosofia esotérica afirma
que há na natureza uma escala de odores, e que ela é similar à escala de sons e
ao espectro das cores.[2] Este princípio filosófico e
alquímico está ligado à moderna ciência da aromaterapia. Ele se baseia na
constatação de que a combinação de certos aromas tem efeitos físicos,
emocionais e morais de caráter benéfico e curativo. Isso explica, por exemplo,
o uso milenar de incensos, como prática que facilita a elevação da
consciência durante meditações e reflexões.
Em aromaterapia, para citar um exemplo, o eucalipto é
visto como uma árvore cujo cheiro tem o efeito de libertar da preocupação, da
melancolia e da tristeza. Diferentes aromas e óleos essenciais produzem os mais
diferentes efeitos benéficos sobre a consciência humana.
O filósofo romano Lúcio Sêneca parece haver conhecido
a aromaterapia. Aparentemente, ele também percebeu que a “terapia dos aromas”
pode atuar não só a partir do plano físico para a alma, mas também tem efeitos
quando se irradia da alma imortal para os planos inferiores da vida.
Porque Sêneca escreveu:
“Há certos componentes medicinais que, sem serem
degustados ou tangidos, agem pelo odor. Assim é a virtude. Sua utilidade, mesmo
à distância e escondida, exala, seja ela efervescente e desimpedida de qualquer
coação, seja ela cerceada em sua expansão ou obrigada ao toque de recolher.
Ainda que inativa, tácita, presa com rigor total ou aberta com plena
naturalidade, ela, em qualquer hipótese, é frutífera.” [3]
A virtude, no sentido clássico, não significa
submissão hipócrita e aparente a um dogma externo. Longe disso. A
virtude é o dharma, o dever interior, a natureza essencial de
um ser humano. O ser que tem virtude é aquele que está ligado à sua
própria essência.
Hui-neng, o sexto patriarca do budismo Zen, nasceu no
ano de 638 e morreu em 713 da era cristã. Assim como Sêneca, ele tinha noção
clara da importância de uma vida austera e digna.
Hui-neng ensinou o caminho da sabedoria usando a
metáfora dos perfumes espirituais. Em certa ocasião, falando a uma grande
quantidade de pessoas que se haviam reunido para ouvi-lo, ele ensinou sobre
cinco perfumes sutis:
1) “O primeiro é o perfume da moralidade. Quando não
há erro em nossa própria mente, quando não há mal, nem inveja, nem ciúme,
nem cobiça ou ódio, nem roubo ou agressão, isso é chamado de perfume da
moralidade.”
2) “O segundo é o perfume da estabilidade. A
capacidade de ver as características boas e más dos objetos sem que haja
perturbação em nossa própria mente é chamada de perfume da estabilidade.”
3) “O terceiro é o perfume da sabedoria. Quando a
nossa própria mente não tem obstrução, e sempre observa com lucidez a nossa
própria natureza, não fazemos nada que seja mau. Mesmo quando fazemos algo bom,
nossa mente não se apega a isso. Respeitosos em relação aos mais velhos e
amáveis em relação aos mais jovens, somos simpáticos e solidários para com os
que sofrem e os que são pobres. Isso é chamado de perfume da sabedoria.”
4) “O quarto é o perfume da libertação. Quando a nossa
própria mente não se fixa em objetos, não pensa no que é bom, não pensa no que
é ruim, está livre e não-obstruída, isso é chamado de perfume da
libertação.”
5) “O quinto é o perfume do conhecimento e da visão
libertados. Quando nossa própria mente não está fixada em nada, nem no que é
bom nem no que é mau, ela não se afunda na vacuidade mas se mantém na quietude.
Devemos estudar amplamente e aprender muito, reconhecer a nossa própria mente original e conhecer por completo os princípios dos Buddhas, harmonizar a iluminação para lidar corretamente com as pessoas, estar livres da personalidade egoísta, e ser imutáveis até alcançar a verdadeira natureza da iluminação. Isso é chamado
de perfume da visão e do conhecimento libertados.”
E Hui-neng concluiu:
“Bons amigos, esses perfumes são efeitos internos
dentro de cada indivíduo. Não os busquem externamente”. [4]
Há quem ignore o fato de que uma vida simples e pura
possibilita a estabilidade mental e emocional. Alguns não sabem
que a estabilidade permite o surgimento da sabedoria. Desconhecem
que a sabedoria abre as portas da liberdade interior.
Conhecer este caminho, porém, não é algo que se
faça com palavras. Tal conhecimento só pode ser adquirido vivencialmente,
passo a passo e com esforço próprio. O caminho da sabedoria é longo e
requer atenção. A vida testa, o tempo todo, o discernimento do aprendiz.
A aromaterapia do espírito é uma ciência complexa,
e é preciso estar constantemente atento para conhecê-la a fundo e assim
produzir os odores morais que mudam a vida para melhor.
NOTAS:
[1] “Cartas dos Mahatmas Para A.P.
Sinnett”, Editora Teosófica, Brasília, edição em dois volumes, ver volume I,
Carta 42, p. 192.
[2] Veja em nossos websites
associados o artigo “A Escala Harmônica dos Aromas”, atribuído a H.P. Blavatsky mas que possivelmente
foi escrito em parte por um Raja Iogue.
[3] “A Tranquilidade da Alma - A Vida
Retirada”, Sêneca, Editora Escala, SP, 110 pp., ver pp. 43-44.
[4] “The Sutra of Hui-neng, Grand
Master Zen” , Translated by Thomas Cleary, Shamballa Publications, Boston &
London, 1998, 162 pp., ver pp. 37-38.
000