A Língua Primordial e a Comunicação
Telepática Nos Primeiros Tempos Da Humanidade
Visconde de Figanière
Visconde de Figanière
Nota Editorial:
Reproduzimos aqui o capítulo onze da rara e valiosa obra “Estudos Esotéricos - Submundo, Mundo e Supramundo” (1889), do pensador português Visconde de
Figanière.[1] O título original do
texto é “A Palavra”.
Aluno e amigo de Helena P. Blavatsky,
Figanière foi, segundo tudo indica, membro da escola esotérica fundada
por ela.
Ele morou no Rio de Janeiro durante a década de 1860, e mais tarde atuou
como representante diplomático de Portugal na Rússia. Escreveu numerosos
artigos para as revistas teosóficas da Índia e da Inglaterra quando a sra.
Blavatsky vivia. Seus artigos são citados duas vezes por ela na obra “A Doutrina Secreta”.
Com um estilo aparentemente difícil, o Visconde é o pioneiro da
teosofia em língua portuguesa, e a profundidade do seu pensamento é
inquestionável.
O texto a seguir usa termos e pressupõe conhecimentos que se obtém
estudando os escritos de Helena P. Blavatsky. Passados os parágrafos iniciais,
o texto faz uma descrição fascinante da linguagem humana dos primeiros tempos,
de acordo com a filosofia esotérica autêntica. Assim, ele amplia a visão do
leitor e torna mais fácil romper com os aspectos mecânicos e materialistas da teoria
da evolução formulada por Charles Darwin.
Atualizamos a ortografia e o modo
de usar alguns pronomes. Acrescentamos notas para facilitar a compreensão do
texto.
(Carlos Cardoso Aveline)
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A Palavra e o Pensamento
Visconde de Figanière
Hail native language that my
sinews weak
Didst move my first
endeavouring tongue to
speak, And mid´st imperfect words with childish
trips, Half
unpronouc´d, slide through infant lips,
Driving dumb silence
from the portal door,
Where he had mutely
sat two years before.
Milton, At a
Vacut. Exer.
DA LÍNGUA-MÃE.
Diz-se que nos primeiros tempos a transmissão e percepção do pensamento
se faziam sem dependência de órgãos. É como parece que devia ser.
Os textos teosóficos limitam-se ao simples enunciado que a primeira
linguagem foi adâmica [2], de onde
derivou a da segunda raça, e desta a língua-mãe dos Lemurianos. O único que se
tenha aventurado a explicar semelhante evolução [3] é o já por vezes citado Man.[4] Assegura
que, depois de desenvolvidos (subentenda-se, nas potências do ciclo) [5] vista, tato, audição
e olfato, e à medida que se manifestasse o sentido do paladar (o
que seria sob a quinta sub-raça adâmica), o homem, buscando outro meio de
comunicação, descobriu que o possuía no órgão do dito sentido, e que a
tentativa começou pela imitação da voz dos pássaros e de outros animais,
criaturas tão diversas das conhecidas [6],
que o som que emitiam nenhum efeito produziria no nosso sensório, etc. (p.
97).
Duvido que esta lição tenha recebido a chancela dos Mestres. As
percepções desenvolvidas pela primeira raça eram suprafísicas, nem passaram
além; não eram sentidos na nossa acepção da palavra. Que o meio de transmitir o
pensamento quando a raça chegava ao seu termo, deixasse de ser de todo em todo
o mesmo que ao início do seu desenvolvimento, é crível e consentâneo com a
lógica da evolução, nem há porque não se chame esse meio a “linguagem primeva
dos homens”. Mas em nada representaria a ideia que formamos da linguagem; e
dar-lhe por fonte e origem a imitação satisfazendo-se no exemplo de entidades
inferiores, condiz mal com o escopo da Filosofia Esotérica. Roça-se muito de
perto com o ensino de algumas das escolas materialistas. Fosse o que fosse a
dita língua, me parece que teve um princípio mais nobre.
Por que não significaria uma derivação, por progressivo decaimento, da “língua” dos
celestiais, que os ditos homens conversavam tão a miúdo, com os quais se
achavam em constante convivência, dos quais haviam recebido a doutrina
fundamental do ciclo (textual)? A 7.ª
sub-raça acabou por possuir sete percepções, que se haviam desenvolvido por
meio de órgãos pré-físicos. Equivaleriam a uma síntese supraorgânica que
a aproximava do nível da 1.ª sub-raça, sem contudo levá-la tão alto. No
pressuposto que o meio de intercomunicação entre os dhyan-chohans e a 1.ª
sub-raça fosse a mútua percepção pelo que se poderia denominar vista ultrasuperorgânica
- que nem por isso escapa ao simbólico - então vista, tato, audição, olfato
desenvolvidos organicamente, embora em circunstâncias pré-físicas,
constituíram quatro escalas de rebaixamento, quatro estádios mais apartados e
removidos do plano chohânico ou planetário. O meio primitivo degenerara
pela complexidade, tornando-se menos inteligível; não de homem para homem, nem
deste para planetário, mas de planetário para homem - decadência na
intimidade. Esse meio continuaria a ser fundamentalmente visual, em
condições pré-físicas, já não ultrasuperorgânicas. Isso, tanto mais porquanto a
evolução da vista foi a especialidade dos Adâmicos (textual). Ora, a 5.ª
sub-raça - de qualquer ciclo - é a bem dizer o protagonista da subida, e
desenvolvedor do paladar, quanto a sentidos, da mente, no tocante a faculdades
superiores. Estou de acordo com os autores de Man em como esta 5.ª
sub-raça abrisse a evolução da “língua adâmica”; mas não quanto à
natureza que atribuem a semelhante evolução.
O órgão gustativo – se é que tal houve em corpos pré-físicos - nada
teve que ver, na minha opinião, com a efetividade da língua adâmica. A evolução
desta consistiu num processo de reabsorção pela vista, das outras percepções
desenvolvidas. Desdobramento do “paladar” - mero símbolo de uma analogia -
equivaleu ao envolvimento dos “órgãos” com vantagem da vista superorgânica,
e o resultado da evolução do 5.º subciclo, ou seja, a linguagem na sua potência
efetiva, pode-se exprimir assim:
Percepção =
Vista + mente = kama + manas
= 1.ª linguagem
adâmica
-------------------------------------------------------------------------------------------
Órgãos =
paladar, olfato (audição, tato, vista) = símbolos.
Isto é, a percepção ia impedida ainda de dois órgãos. No fim da
6.ª sub-raça, teríamos:
Percepção = Vista
+ mente = manas (bud. – at.) = 2.ª
linguagem adâmica
-------------------------------------------------------------------------------------------
Órgãos =
paladar (olf., aud. tato, vista) = símbolos.
Ao cabo da última sub-raça, tem-se:
Percepção = Vista = intuição =
manas + buddhi-atma = 3.ª linguagem adâmica
---------------------------------------------------------------------------------------------
(pal., olf., aud. tato, vista) = rudimentos orgânicos, ou condição potencial
Quer dizer, a língua adâmica na sua perfeição = vista
desimpedida ou superorgânica + mente superorgânica = intuição nas
potências do ciclo.
Por outro lado, essa língua era puramente telepática: o Adâmico
“falava” pela vista, “escutava” pela vista. A mente gerava a ideia, a vista a
emitia, a vista a recebia, e a mente a conhecia. Significava visão mental. A
vista era a síntese das percepções, e correlativa da mente, sendo esta uma
função da alma. Os dois correlativos se coordenam pela faculdade unitiva, a
visão mental ou intuição (em vários graus) onde causa e efeito se conhecem
simultaneamente. Harmoniosa com a condição corpórea de então, sendo os Adâmicos
homens diáfanos e transparentes (textual). E, se a imitação foi
um elemento no resultado, não vemos dessa forma que o exemplo veio de cima, não
de baixo?
Se homens transparentes, cuja característica foi desenvolver a vista,
pela vista se entendiam, é natural concluir que os Pós-adâmicos, apenas
físicos, mas já vestidos de pele, cuja característica foi desenvolver o
tato, pelo tato - ajudado pela vista - esquadrinhassem o pensamento alheio, e
descobrissem o próprio. Tanto mais quando vemos que os homens da raça seguinte -
os Lemurianos - cuja especialidade foi o acabamento da audição, mantinham conversa
pelo som, pela voz, auxiliada pela vista - expressão do rosto - e
pelo tato - ênfase dos enérgicos, violentos ou malcriados - meio ainda hoje
prevalecente e em plena voga.
A linguagem dos Pós-adâmicos nos primeiros tempos foi necessariamente
telepática, reduzindo-se à vista. Depois este meio tornou-se secundário, e a
intercomunicação dos homens foi pelo tato. Como? O pensamento de quem
“falava”, ferindo o ambiente - então de uma sutileza e sensibilidade extremas -
produzia um efeito de que se ressentia logo a pessoa do “interlocutor”; o
ambiente recebia o impacto mental - tangível a respeito desse ar finíssimo – e
os interessados recebiam na pele a persuasiva e eloquente vibração
aérea…
Argumento final. Os melhores textos teosóficos estão de acordo em que a
linguagem da Lemúria foi a verdadeira língua-mãe da humanidade física. Equivale
[7] a dizer que as outras duas não
podiam deixar vestígios de si. Se a excelência [8] do ambiente dos Adâmicos estava na luz e nas cores; se o fluido
em que viviam os Pós-adâmicos se destacava [9]
como meio das ligeiríssimas impressões do pensar, transmitindo-as com tão
admirável nitidez - o ar, já mais afogueado, dos tempos Lemurianos tinha-se
tornado condutor eficaz do som, ao passo que perdera toda a sensibilidade aos
impulsos da mente (sensibilidade que hoje compete à luz astral). Com este
progresso físico no meio vital, ia de envolta o dos homens, que só em tais
condições haviam podido desenvolver o órgão auditivo e a sua correlação ativa,
a voz, progresso aliás que se revelava também pela maior atividade [10] do cérebro. Os Lemurianos eram
bastante deficientes em olfato (especialidade dos Atlantes), mas possuíam um
ouvido sutilíssimo, atingindo grandes distâncias, e de longe objetivavam as
vibrações produzidas pelo órgão vocal. Foi graças a este, acompanhado das
crescentes operações mentais, que em Lemúria se realizou a primeira linguagem articulada,
desdobrando-se em diversos idiomas, e portanto a primeira série de civilizações
do circuito. [11]
(VICO [12] não deixa de
acertar bastante, quando diz que as ideias e as línguas se desenvolvem pari
passu: SCIENC. NOVA, ax. 62. Foi o primeiro a imaginar a origem
monossilábica da língua falada, lema de que
os filólogos modernos têm tirado o seu proveito, ibid. ax. 60).
Pisando agora um terreno mais seguro da observação aventurada acima -
que as duas primeiras linguagens não podiam deixar vestígios de si - inferir-se-ia
que da terceira tem ficado algum. De fato, se afirma que nos centros acromáticos
[13] existe a chave que abre o parentesco da língua atlante com a dos
Lemurianos. Cá por fora não cabe nos estudos filológicos penetrar além da
superfície idiomática da quarta evolução linguística, cuja ramificação
deu origem [14] a muitos
idiomas.
O dialeto que acusam os sanscritistas, chamando-o de Rakshasi Bahsa,
não representa o estilo comum aos Atlantes no tempo do seu encontro com os
Indo-aryas; identifica-se noutro muito posterior e alterado, que se tem
conservado no sânscrito reformado (MAN, pag. 99). O falar predominante
na Atlântida consistia numa linguagem que apenas sobrevive nos dialetos de
algumas tribos americanas (raça vermelha), e do interior da China (tribos do
Kivang-ze). Uniam-se nela o que os filólogos modernos chamam o aglutinado
e o monossilábico (FIVE YEARS, p. 332)[15].
Das línguas conhecidas, a que se aproxima mais da atlante é o
sânscrito, elemento principal dos idiomas aryanos, e produto da quinta evolução
linguística ainda pendente.[16] A
língua-mãe dos Aryas chamava-se Devabhasa, nome que se aplicou depois
com menos propriedade ao sânscrito, derivado dela. Foi portanto em Devabhasa
que originariamente falavam os Indo-aryas, nossa primeira sub-raça. Hoje é só
conhecida dos adeptos [17] que,
entre si, lhe dão o nome de Sensar, de onde saiu o Zend (idioma sagrado
dos Zoroastros) assim como as línguas desenvolvidas pelas outras sub-raças do
presente ciclo.
NOTAS:
[1] “Estudos
Esotéricos: Submundo, Mundo, Supramundo”, Livraria Internacional de Ernesto
Chardron, Porto, 1889, 744 pp., Capítulo XI, “A Palavra”, pp. 455-461. Esta
obra teve uma edição brasileira que publicou apenas parte do seu conteúdo.
Trata-se de “Submundo, Mundo e Supramundo”, Visconde de Figanière, Editora
Três, Biblioteca Planeta, São Paulo, 298
pp., 1973. (CCA)
[2] O termo “adâmica” se refere neste contexto à primeira raça-mãe, ou raça-raiz, da
humanidade. No Glossário do seu livro,
porém, Figanière explica que em função da recente publicação de “A Doutrina
Secreta”, e conforme ele escreveu no capítulo suplementar de “Estudos
Esotéricos”, isso deve ser corrigido. Ele escreve na p. XIX de “Estudos
Esotéricos”, enquanto sua obra já estava sendo impressa, em 1889: “Atendendo
aos novos esclarecimentos do capítulo suplementar este nome já não tem lugar. A
1.ª raça foi sub-humana e pré-adâmica. Os adâmicos correspondem aos primeiros homens
das grandes raças 3.ª, 4.ª e 5.ª Lemuriana, Atlante e Aryana”. Assim, o termo
“adâmico” no âmbito do presente texto se refere à primeira raça-mãe ou
raça-raiz, mas o seu significado é outro
em contextos diferentes. (CCA)
[3] O presente texto de Figanière é imediatamente
anterior à publicação de “A Doutrina Secreta”. O livro estava sendo impresso
quando chegou às mãos do autor um exemplo recém publicado da obra de H.P.B. Ele
teve tempo apenas de acrescentar algumas páginas adequando em um Capítulo
Suplementar certos aspectos da sua obra aos ensinamentos publicados pela sra. Blavatsky. Por isso,
nesta frase, ele não se refere a “A Doutrina Secreta”. (CCA)
[4] Nota de Figanière: “Man:
Fragments of Forgotten History”, by Two Chelas, Londres, 1885.
[5] “Dentro das potências do ciclo” - isto é, dentro das
possibilidades do seu ciclo de evolução. (CCA)
[6] Isto é, segundo esta ideia, os pássaros e
outros animais eram criaturas tão diversas das hoje conhecidas que o som que emitiam nenhum efeito produziria
sobre a nossa audição atual. (CCA)
[7] No original, “monta a dizer”, isto é,
“equivale a dizer”. Estamos substituindo a palavra para facilitar a
compreensão. (CCA)
[8] No original, “preexcellencia”, isto é, “excelência”
ou “ponto alto”. Substituímos a palavra para facilitar a compreensão. (CCA)
[9]
No original, “avantajava”, isto é “se destacava”. Substituímos a palavra para
facilitar a compreensão. (CCA)
[10] No original, “atuosidade”, isto é,
“atividade”. Substituímos a palavra para facilitar a compreensão. (CCA)
[11] “Do circuito”, isto é, do ciclo maior, que
inclui sete raças-raízes. (CCA)
[12] “VICO” - Giambattista Vico (1668-1744). Filósofo
italiano, autor de “Nova Ciência da Natureza Comum das Nações”. Vico propunha uma
visão interdisciplinar do conhecimento.
(CCA)
[13] “Centros Acromáticos”- centros sublimes,
esotéricos. Alusão aos centros e agrupações dos sábios que zelam anonimamente
pela sabedoria universal e pela evolução humana. (CCA)
[14] No original, “deu ser”, isto é, “deu
origem”. Substituímos a palavra para facilitar a compreensão. (CCA)
[15] “Five Years of
Theosophy”, Londres, 1885, 575 pp. Este volume é uma seleção de artigos dos cinco primeiros anos da
revista mensal “The Theosophist”, fundada por H. P. Blavatsky na Índia em
outubro de 1879. Há uma edição fac-similar da obra à venda hoje pela “Theosophy
Company”, de Los Angeles. (CCA)
[16] “Ainda pendente” - ainda em curso. (CCA)
[17] “Adeptos” - altos Iniciados, Mestres,
Raja-Iogues, “Imortais”, seres proficientes na sabedoria esotérica. (CCA)
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Sobre a ocorrência espontânea de telepatia
na etapa atual da evolução humana, veja o texto “Telepatia, a Comunicação Silenciosa”. O artigo está publicado em
nossos Websites Associados.
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Para conhecer um diálogo documentado com a
sabedoria de grandes pensadores dos últimos 2500 anos, leia o livro “Conversas na Biblioteca”, de Carlos
Cardoso Aveline.
Com 28 capítulos e 170 páginas, a obra foi
publicada em 2007 pela editora da Universidade de Blumenau, Edifurb.
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