Cada Ser Humano Combina
Qualidades de Brahma, Vishnu e Shiva
Theosophy
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Nota Editorial:
O texto a seguir começa mencionando
os três gunas, as qualidades ou propriedades
os três gunas, as qualidades ou propriedades
da matéria. Eles são: 1) tamas ou inércia,
estabilidade; 2) rajas ou movimento, paixão,
exagero; e 3) satwa ou harmonia, equilíbrio, ritmo.
(CCA)
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Para muitos, o grande obstáculo é uma aparente incapacidade de vencer a
tendência à inércia, e de reunir a vontade necessária para iniciar ações
no rumo necessário. Mas, para outros, o desafio quase insuperável é saber parar
uma atividade depois que ela foi iniciada. O primeiro grupo de pessoas está obviamente
lutando com a qualidade da indiferença, chamada de Tamas pelos
hindus; enquanto que o segundo grupo está envolvido pela qualidade intensa e
ativa de Rajas.
A incapacidade de
puxar as rédeas da ação é um erro sutil, mas raramente é reconhecido como tal,
quando se manifesta naqueles que estão intensamente engajados na prática de
“boas” ações. Porém o apego destas pessoas à sensação de estar fazendo algo e à
satisfação dos progressos visíveis as torna cegas para o seu processo de apego
e, portanto, de escravidão. Até mesmo o “dever”, quando feito com
exagero, pode significar que nosso dever não foi cumprido.
Qualquer veículo de
transporte, se não está equipado com um sistema de freios eficiente, se
transforma em uma séria ameaça. O mesmo ocorre com as energias do ser
humano. O poder da concentração, como todos sabem, é imenso. No entanto,
se a concentração for prolongada indevidamente e estiver relacionada apenas com
desejos pessoais, ela se torna uma obsessão. Para tornar-nos realmente capazes
de dirigir nossas mentes, devemos, segundo William Judge afirma no início da
sua versão dos Aforismos de Ioga de Patañjali, “desenvolver a
vontade (.....), de tal modo que, ao invés de permitir que a mente vá de um
assunto para outro ou de um objeto para outro e seja movimentada por eles, nós
a usemos como instrumento − a qualquer momento e durante um período tão
longo quanto quisermos − para a observação do que tenhamos
decidido escolher.”
O mesmo ocorre com a
arte de falar, um dos poderes mais importantes de que o ser humano dispõe. O
uso generalizadamente excessivo desta faculdade é, sem dúvida, uma doença
da nossa cultura. Com frequência os divulgadores mais dedicados da filosofia
teosófica, arrastados pelo seu espírito missionário, perdem a oportunidade de
parar no momento crucial. Bastam algumas palavras desnecessárias para
transformá-los em “chatos teosóficos” e expô-los a acusações de fanatismo. Em
seu livro “The Art Spirit”, Robert Henri, um inspirado educador no campo da
arte, fez a seguinte profecia, que podemos ter esperança de que se
cumprirá:
“Acredito que os
grandes artistas do futuro usarão menos palavras. Os textos serão mais curtos,
mas mais cheios de significado (.....) Menos coisas serão ditas, mas cada coisa
dita será mais completa e receberá uma atenção mais profunda. Agora nós
exageramos. Há muita ‘arte’, muita ‘decoração’, muitas coisas são feitas e
muitas diversões são desperdiçadas. E poucas coisas são realmente
apreciadas.”
Em relação aos
métodos empregados pelos Mestres de Sabedoria, um instrutor escreveu: “Os
Mestres são dirigidos pela lei da ação e da reação, e têm suficiente sabedoria
para não fazer algo que poderia resultar na anulação de todo o seu trabalho
anterior (.....). Ao ir demasiado longe em determinado momento, empregando
grande força no plano mental, a consequência seria uma reação de superstição e
de maldade de todo tipo que desmancharia tudo.” Alguns vendedores descobriram
esta verdade (embora em um plano muito inferior) em relação à sua profissão. A
observação mostra que a resistência de um cliente diante do discurso do
vendedor provoca frequentemente um fechamento dos punhos, e que as mãos relaxam
tão logo a resistência cessa. Os vendedores que não percebem a chegada desta
resistência frequentemente exageram na oferta da mercadoria, o que resulta num
desperdício de energia e numa perda de possíveis vendas.
A seguinte
observação, contida no seu artigo “O Progresso Espiritual”, mostra a clara
consciência que H.P. Blavatsky tinha das nossas dificuldades nesta questão:
“O mal é
frequentemente o resultado de um excesso de ansiedade, e os seres humanos
tentam sempre fazer coisas em excesso. Eles não aceitam deixar o bem em paz,
fazendo apenas o que a situação exige e nada mais. Eles exageram cada
ação e assim produzem carma que deve ser trabalhado em um renascimento
futuro.” [1]
Se não fosse pela
ação benéfica dos testes cármicos, nada poderia deter os indivíduos em seu
mergulho de cabeça na direção de um movimento perpétuo, destituído de
significado. O coração e a inspiração da teosofia estão no fato de que, através
do uso da vontade, nós podemos ser os nossos próprios censores cármicos.
Até o cientista, que
para muitos personifica a virtude da pesquisa calma e paciente, pode
desenvolver o vício da “impossibilidade de parar”. Em sua busca
infindável de fatos e mais fatos, esperando encontrar através deles as
respostas definitivas para os mistérios sutis da vida, quantas vezes ele pára
durante o tempo suficiente para poder analisar, avaliar e sintetizar − em suma,
para compreender? O ponto fraco da ciência de hoje não está na ausência
de fatos, mas na ausência de compreensão dos fatos. O Adepto, o Sábio, tendo
chegado ao grau mais alto do poder da concentração, parece poder deduzir as
leis de todo cosmo a partir de alguns poucos fatos.
Durante Kali Yuga, o
“grande homem” – o gênio aclamado –, também é quase sempre um produto da
atividade exagerada, e raramente da atividade controlada e equilibrada. Estes
indivíduos talentosos podem parecer inspirados, mas nem sempre controlam a
fonte de inspiração. Em consequência disso, quando a presença da inspiração
está junto a eles, não cessam o trabalho com medo de que o momento precioso se
perca para sempre. Um verdadeiro gênio, de acordo com os critérios
teosóficos, é um homem aperfeiçoado, com habilidade em todos os tipos de ação
correta, nos diferentes estados mentais e níveis de consciência. Ele pode começar
e parar à vontade qualquer pensamento, ação ou sentimento. Por mais absorvido
que esteja no cumprimento de um elevado dever espiritual, ele é capaz, se
necessário, de suspender imediatamente a atividade naquele plano para assumir
alguma tarefa mundana. Em sua autobiografia, Mohandas Gandhi faz a seguinte
avaliação de um certo Raychandbai, que, embora aparentemente não fosse um
Adepto, teve um efeito muito nítido e inspirador sobre a vida de Gandhi:
“As operações
comerciais de Raychandbai envolviam grandes somas de dinheiro. Era um
conhecedor de pérolas e diamantes. Nenhum problema profissional complexo era
demasiado difícil para ele. Mas estas coisas não eram o centro ao redor do qual
sua vida girava. O centro era sua paixão por ver Deus face a face. Entre as
coisas que eram inevitavelmente encontradas sobre sua mesa de trabalho estavam
alguns livros religiosos e o seu diário. No momento em que ele terminava seu
trabalho ele abria um livro religioso ou o seu diário (.....). Um homem que,
imediatamente após terminar uma conversa sobre operações comerciais de grande
porte, começava a escrever sobre as coisas ocultas do espírito não podia,
evidentemente, ser de modo algum um homem de negócios, mas tinha que ser um
real buscador da Verdade. E eu o vi assim absorvido em assuntos divinos em meio
aos negócios não uma vez ou duas, mas muito frequentemente. Nunca o vi perder
seu estado de equilíbrio.” [2]
É um fato
estabelecido que as melhores virtudes, quando levadas ao exagero, se tornam
defeitos. Isso poderia significar que todo defeito é uma virtude fora de
controle? Até mesmo a maldição do egoísmo é apenas a distorção e a expansão do
dever natural do autoapoio e da autopreservação. O que é a luxúria ou a paixão
obsessiva, exceto o resultado do desejo de prolongar uma
sensação perfeitamente inofensiva e frequentemente necessária? A comida deve
ser saborosa, afirma-se, para que se tire benefício dela. O glutão erra somente
porque busca atender um apetite perpétuo com uma alimentação incessante. O
pseudoasceta condena as sensações; o homem sábio condena a sua não-regulação.
O que impele uma dona
de casa ou um homem de negócios que estejam dedicados a alguma tarefa
“desagradável” a manter-se trabalhando muito além do que mandam a prudência e o
bom senso? É o amor pelo trabalho ou o cumprimento consciente do
dever? As razões podem ser numerosas. Para alguns, o trabalho pode ser um
ópio para esquecer de problemas, e para evitar examiná-los de frente. Alguns
gostam da sensação de estar fazendo algo e daquele momento de satisfação
suprema, mas passageira, que há quando uma tarefa é completada. Outros
desejam terminar logo o trabalho necessário e esquecê-lo de uma vez. O
buscador egoísta do Nirvana, ou da salvação, tem uma meta similar. Ele está
frequentemente disposto a enfrentar um trabalho que envolve um sacrifício
tremendo durante muitas encarnações, com o objetivo de libertar-se
“permanentemente” de todos os problemas terrestres.
Por outro lado,
existem aqueles cujas motivações são inegoístas e que, no entanto, parecem ser
igualmente escravos do hábito de trabalhar em excesso. Neste caso, é o
medo de serem incapazes de terminar uma tarefa a tempo que frequentemente os
leva a uma atividade ansiosa, impaciente. Para eles, o conhecimento
da lei cíclica do Carma deveria produzir uma compreensão de que, quando
trabalhamos calmamente e de acordo com a lei natural, a própria natureza se
coloca ao nosso serviço. “Se estivermos no rumo correto, haverá tempo e ocasião
para cumprir todos os deveres e nenhum deles será esquecido (.....).
Vivendo e agindo de modo integral e correto no momento presente e em toda vida,
a força dinâmica do cérebro irá atuar de modo integral, e completo, e não
haverá exaustão.”
Como alguém pode
determinar por si mesmo se está controlando qualquer tarefa em especial,
ou se está sendo controlado por ela? Em algum momento adequado ele deve
perguntar-se: “Posso parar esta atividade antes de ela estar completa? Posso
interromper esta linha de pensamento? Posso parar este desejo ou sentimento?
Sou capaz de parar e desistir de tudo e de qualquer coisa conforme a minha
vontade?” Frequentemente, a vida produz estes testes através de
interrupções constantes, às quais todos estão sujeitos nesta época de
exigências que se contradizem umas às outras. Se a nossa resposta é o
aborrecimento, ou uma retirada mental apenas parcial da tarefa que é preferida,
a lição ainda está por ser completamente aprendida.
Para o hindu, o
terceiro deus da trindade é Shiva, o destruidor. Brahma e Vishnu são
o poder criador e o poder preservador da natureza. Será difícil compreender por
que uma divindade tão agressiva como Shiva pode ter tantos devotos leais?
Cada ser humano
é uma combinação de Brahma, Vishnu e Shiva. Ele deve ter muito cuidado se
só Brahma e Vishnu parecem prevalecer em si. Porque sem o exercício do poder de
destruir a concha aprisionadora do apego − tantas vezes construída em torno de
interesses, ideais, sentimentos, interpretações e até afetos − não pode haver a
criação que leva ao progresso, nem a preservação de experiências da alma que
são novas e mais valiosas.
NOTAS:
[1] Veja em nossos websites associados a íntegra do artigo “O
Progresso Espiritual”, de Helena Blavatsky. (CCA)
[2] Capítulo I da parte dois, na Autobiografia de Mohandas Gandhi. O
capítulo é intitulado “Raychandbai”. Na edição de Penguin Books, Londres, veja
as páginas 92-93. (CCA)
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O artigo acima foi publicado em janeiro de 1953 pela revista
“Theosophy”, em Los Angeles, pp.
100-104. O seu título original é “The Power to Stop”. Em língua
portuguesa, foi publicado inicialmente
no boletim eletrônico “O Teosofista”, edição de agosto de 2009.
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Sobre o
mistério do despertar individual para a sabedoria do universo, leia a edição
luso-brasileira de “Luz no Caminho”,
de M. C.
Com
tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra tem sete capítulos,
85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.
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